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O que foi Joe Biden fazer a Angola?

Angola pode ser usada pelos EUA no confronto com a China, que é desde 2006 o maior parceiro comercial do país africano. Porém, administração Trump não reserva nada de positivo para os angolanos.

Que têm a ganhar os Estados Unidos em Angola no confronto com a China a curto e médio prazo é o que importa nesta primeira deslocação de um presidente norte-americano a Angola.

REUTERS/Elizabeth Frantz

O investimento na ligação ferroviária entre Lobito e a regiões produtoras de cobalto, cobre e lítio na República Democrática do Congo e na Zâmbia provavelmente não será posto em causa a partir de Janeiro.

Esta participação norte-americana, no âmbito da Parceria para Infra-estruturas e Investimentos Globais do G7, colhe o apoio de republicanos e democratas e só será eventualmente questionada a partir do momento em que se levante a questão do aproveitamento que a China também possa tirar deste projecto.

Pequim é, presentemente, o maior investidor na mineração congolesa e zambiana e foi precisamente a República Popular que a partir de 2002 financiou os primeiros trabalhos de recuperação do Corredor do Lobito.

Em 2022 o cenário mostrava-se, todavia, menos favorável a Pequim quando Luanda, em detrimento da concorrência chinesa, atribuiu ao consórcio da Mota-Engil, da suíça Trafigura e dos belgas da Vecturis, a concessão por 30 anos da ligação de 1.344 km do Lobito à Zâmbia e RD do Congo.

O consórcio Lobito Atlantic Railway expediu do Kolwezi congolês, no passado mês de agosto, a primeira carga de cobre que levou seis dias a chegar ao Lobito. Esta renovação e ampliação, com investimento previsto de 455 milhões de doláres em Angola, 100 milhões na RD do Congo, além de extensão à Zâmbia, integra-se no projecto orçado em 5 mil milhões de dólares do G7 que tem uma componente de desenvolvimento rural e agrícola de menor interesse para os interesses estratégicos de Washington.

Dado empresas chinesas poderem beneficiar da modernização e expansão de uma linha que servirá, também, para os fornecimentos necessários à exploração mineira, designadamente produtos químicos e combustíveis, é de esperar que Washington venha a pressionar Luanda, Kinshasa e Lusaca para limitarem o envolvimento de Pequim.

Acresce que a China financia uma outra ligação ferroviária estratégica entre a Zâmbia e a Tanzânia para expedição do cobre e cobalto zambianos para o porto de Dar es Salam, no Índico, que assume um cariz notoriamente concorrencial à exportação pelo Atlântico.

A dívida de Luanda a Pequim ascende a 17 mil milhões de dólares, representando 40% do total das obrigações financeiras do estado angolano e, por maior desconforto público que João Lourenço manifeste, a sua renegociação depende da boa-vontade chinesa.

A China, desde 2006 o maior parceiro comercial de Angola, absorve 72% das exportações de petróleo e neste contexto ignora-se o que venha a fazer a administração Trump para aproveitar o desconforto de Luanda ante a dependência incontornável gerada pelas dívidas a Pequim.

O futuro da Development Finance Corporation, criada por Trump em 2018 para apoiar projetos de desenvolvimento em África e que mobilizou mais de 10 mil milhões de dólares desde, é outra incógnita.

O aumento de tarifas anunciado por Trump não poupará estados africanos que irão perder as isenções aduaneiras que gozavam desde 2000 na venda de alguns produtos.

Angola, quarto parceiro comercial dos Estados Unidos na África subsaariana, dificilmente poderá contar, por conseguinte, com um aumento das trocas bilaterais que não ultrapassaram no ano passado os 1,77 mil milhões de dólares.

Na renegociação de dívida, política comercial e de investimento, ajuda ao desenvolvimento, projetos de proteção ambiental e mitigação de efeitos negativos de alterações climáticas, pouco ou nada de positivo Angola pode esperar da administração Trump.

O cunho autoritário do regime, o nepotismo e corrupção vigentes, pouco irão importar a Trump e essa linha política já fora claramente expressa na deslocação do seu então secretário de estado Mike Pompeo a Luanda em fevereiro de 2020. 

É um alívio para João Lourenço, ainda que os democratas tão pouco o tenham criticado publicamente e Joe Biden se mostre cordato nesta deslocação, mas, também, traz consigo algo de incerto.

O modo como Luanda alinhar na política de confronto com Pequim é o essencial e eventual oposição a Washington em litígios com a Rússia ou outros estados, sejam a África do Sul ou a Nigéria, sem esquecer, por exemplo, apoio explícito à política de Trump face a Israel, custarão caro a João Lourenço.   

Mesmo a mediação de Luanda na guerra civil do Congo e no conflito entre o Ruanda e as autoridades de Kinshasa será de interesse secundário comparada com a questão essencial do alinhamento no confronto com a China.

De resto, se não ocorrerem ameaças terroristas inesperadas ou alterações bruscas que afetem, por exemplo, rotas comerciais no litoral do Corno de África ou no Atlântico Sul, o papel de Angola, como da União Africana, pouco interesse apresenta, pelo menos de momento, para Trump.

Está fora de questão esperar que Washington admita um maior papel para estados africanos, incluindo Angola, na negociação de reformas do Conselho de Segurança e no reforço do papel das organizações do sistema das Nações Unidas, como tantas outras promessas vãs que ficam da administração Biden.

É a incerteza o que sobra para Angola com esta visita tardia de Biden.

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