Não faltam teorias sobre cortes orçamentais nos bombeiros ou sobre como os tanques de água não estavam cheios, muitas vezes usadas na guerra entre democratas e republicanos.
Na última semana, Los Angeles não só foi atingida pelos incêndios que arrasaram parte da cidade, como foi sujeita a uma onda de desinformação. Contudo, houve outras teorias que se verificaram, como o cancelamento de milhares de apólices de seguro habitação ou a viagem da presidente da câmara de Los Angeles quando já se sabia do elevado risco de incêndio.
Seguradoras terminaram apólices na Califórnia? É verdade
los angeles fogosNic Coury/AP
Antes de terem ardido mais de 12 mil edifícios em Los Angeles, as seguradoras escolheram deliberadamente não renovar milhares de apólices relativas ao seguro habitação nas zonas de Pacific Palisades, Altadena e outras sob risco de incêndios florestais. O aumento do custo dos seguros e o seu consequente cancelamento levou a que as vítimas destes incêndios ficassem sem forma de cobrir as suas perdas, evidenciando a crise cada vez mais profunda no mercado de seguros imobiliários da Califórnia.
A maior seguradora do estado da Califórnia, a State Farm General, anunciou em março de 2024 que não ia renovar 30 mil apólices de proprietários e de condomínios quando expirassem, dos quais 1.626 se encontravam na zona dos Pacific Palisades. A Chubb e as suas subsidiárias deixaram de passar apólices para casas mais caras em zonas de alto risco de incêndio florestal em 2021. A Allstate deixou de renovar apólices em 2022 e a Tokio Marine America Insurance Co., e a sua subsidiária, Trans Pacific Insurance Co., saíram do estado na sua totalidade em 2024, embora a Mercury Insurance se tenha oferecido para aceitar os seus clientes.
Esta falta de apoio por parte das seguradoras privadas levou a que muitos clientes tenham optado por recorrer ao plano FAIR, um programa de seguros apoiado pelo estado da Califórnia utilizado por proprietários que não conseguem encontrar cobertura de um seguro do setor privado. Uma apólice básica do plano oferece proteção para a habitação e bens pessoais, no caso de danos provocados por incêndios, raios ou tempestades e explosões internas.
A incapacidade de obter cobertura de seguradoras privadas reflete-se no número de apólices subscritas ao plano FAIR, que em setembro contava com 452 mil apólices, bem acima das 203 mil que tinha há quatro anos. De acordo com o LA Times, só no bairro de Pacific Palisades, cobre cerca de 6 mil milhões de dólares (5,8 mil milhões de euros) em danos.
É estimado pela AccuWeather, empresa de informação meteorológica que fornece dados sobre os impactos climáticos, que os danos causados estejam entre os 135 e os 150 mil milhões de dólares (132 mil milhões a 146 mil milhões de euros).
Cortes orçamentais nos bombeiros? Aconteceram
Em dezembro de 2024 a comandante dos bombeiros de Los Angeles, Kristin M. Crowley, escreveu uma carta ao conselho de bombeiros em que relatava que os cortes orçamentais estavam a prejudicar a capacidade de resposta do departamento. O financiamento ao corpo dos bombeiros da cidade diminuiu cerca de 17,6 milhões de dólares (17,1 milhões de euros) entre o ano fiscal de 2024/25 e 2023/24.
"O Corpo dos Bombeiros da cidade de Los Angeles (LAFD) está a enfrentar desafios operacionais devido a uma redução de horas extra no valor de sete milhões de dólares", corte que para a comandante resultava na incapacidade do departamento "se preparar, formar e responder a emergências de grande escala, incluindo incêndios florestais, terramotos, acidentes que envolvem materiais perigosos e grandes eventos públicos".
Sarah Reingewirtz/The Orange County Register via AP, File
Quando questionada sobre os cortes orçamentais numa conferência de imprensa na manhã de quinta-feira, 9, a presidente da Câmara de Los Angeles, Karen Bass, disse que os cortes não tiveram impacto na capacidade dos corpos dos bombeiros lidar com os incêndios. "Não houve reduções que pudessem ter afetado a situação com que estávamos a lidar nos últimos dias", afirmou.
Existem 28 corpos de bombeiros no Condado de Los Angeles, além do corpo de bombeiros da cidade. Todos estão a responder aos incêndios em curso, juntamente com bombeiros de mais cinco estados. O governador Gavin Newsom chamou ainda membros da Guarda Nacional da Califórnia para ajudar a combater os incêndios, e o Departamento de Defesa também ofereceu equipamento e mão de obra.
O The New York Timesrelatou ainda que cerca de 900 prisioneiros estão a ajudar no combate às chamas, recebendo um máximo de 10,24 dólares (€10) por dia e um dólar (€0,97) adicional por cada hora que trabalham, um valor muito abaixo do salário mínimo de 16,50 dólares (€16) por hora na Califórnia. Segundo o Departamento de Correções e Reabilitações, o órgão prisional desse estado, os prisioneiros estarão "a trabalhar para cortar linhas de fogo e a remover combustível para abrandar a propagação do incêndio".
Para participarem no programa, têm de ser considerados "fisicamente e mentalmente aptos para uma atividade robusta" e não podem ter sido condenados por "violação e outros crimes sexuais, fogo posto e não podem ter antecedentes de fuga", diz o Departamento de Correções.
No entanto, um relatório da União Americana das Liberdades Civis e da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago de 2022 indicou que num período de cinco anos, quatro bombeiros reclusos tinham morrido, e mais de 100 tinham ficado feridos. Além de estes bombeiros receberem um pagamento muito inferior ao de um profissional, muitos não poderão seguir a profissão assim que saírem da cadeia devido ao seu registo criminal.
Peixes travaram chegada de água a Los Angeles? Não foi bem assim
Na catástrofe do tamanho dos incêndios que têm acontecido na Califórnia, surgiram críticas ao governo e aos responsáveis locais sobre o que podia ter sido feito de diferente. As principais críticas foram do presidente-eleito Donald Trump.
Na semana passada criticou o governador da Califórnia, Gavin Newsom, por estar a proteger uma espécie rara de peixe em vez de permitir que o estado armazene mais água para combater catástrofes como os incêndios florestais.
"O governador Gavin Newscum [trocadilho com o nome Newsom e a palavra escumalha] recusou-se a assinar a declaração de restauração da água que lhe foi apresentada e que teria permitido que milhões de galões [unidade que corresponde a 4,5l] de água, provenientes do excesso de chuva e do derretimento da neve do Norte, fluíssem diariamente para muitas partes da Califórnia, incluindo as áreas que estão atualmente a arder de uma forma praticamente apocalíptica", escreveu Trump na rede social Truth Social. Como resposta, o governador esclareceu que "não existe um documento como o da declaração de restauração de água, é pura ficção".
Trump referia-se à proposta criada pela sua administração em 2019 que propunha redirecionar a água do rio Delta até ao centro agrícola da Califórnia, o Central Valley Farm, e até às áreas urbanas no sul do estado. No entanto, os responsáveis californianos, em conjunto com ambientalistas, impuseram uma ação judicial para contestar o plano argumentando que punha em perigo a vida selvagem do rio Delta, incluindo os pequenos peixes da família osmeridae.
Jeff Gritchen/The Orange County Register via AP
Em dezembro a administração de Biden, em cooperação com Newsom, apoiaram uma nova regulamentação que permitiu que mais água conseguisse ser retirada do rio Delta para a região sul da Califórnia, protegendo os pequenos peixes.
Indo contra Newsom, mais uma vez, numa conferência de imprensa em setembro, Trump mencionou a possibilidade de negar ajuda aos desastres da Califórnia, caso o governador não aceitasse as suas exigências políticas. "Gavin Newsom vai assinar esses papéis, e se não assinar esses papéis, não lhe vamos dar dinheiro para apagar todos os seus incêndios. E se não lhe dermos o dinheiro para apagar os seus incêndios, vai ter problemas".
O ativista de extrema-direita Charlie Kirk disse ainda no dia 7 de janeiro que Trump não deveria fornecer ajuda para extinguir incêndios a menos que a chefe e dos bombeiros de Los Angeles, Kristin M. Crowley seja demitida.
Também o ator James Woods expressou a sua frustração com a comandante, criticando a sua biografia do website do Corpo dos Bombeiros de Los Angeles em que diz que o seu objetivo é "criar, apoiar e promover uma cultura que valoriza a diversidade a inclusão a equidade enquanto se esforça para satisfazer e exceder as expectativas das comunidades". Woods escreveu no X, o antigo Twitter, que "reabastecer os reservatórios de água também devia ser a sua prioridade, mas acho que ela tinha muito em que pensar, promovendo a diversidade". Recorde-se que a comandante é a primeira mulher a ocupar o cargo, e a primeira abertamente LGBT.
Tanques não foram cheios? É mentira
A alegação de que os bombeiros e Newsom tinham falhado em reabastecer os tanques de água foi uma teoria lançada pelo líder dos republicanos e o presidente-eleito Donald Trump. Na sua rede social Truth Social, Trump disse que não havia água nos tanques de água das carrinhas de bombeiros depois de vários terem ficado sem água enquanto tentavam conter as chamas da frente nos Pacific Palisades durante a madrugada de 7 para 8 de janeiro.
Janice Quiñones, a diretora executiva e engenheira do Departamento de Água e Energia de Los Angeles, numa conferência de imprensa, clarificou que os três tanques com cerca de 4 milhões de litros cada ficaram secos por volta das três da manhã, reduzindo a pressão da água para as bocas de incêndio.
Erik Scott, o capitão do corpo de bombeiros da cidade, respondeu também a algumas alegações nas redes sociais de que se tinham recusado ou não tinham conseguido encher os tanques antes dos incêndios, afirmando que o Departamento de Água e Energia conseguiu encher os tanques de armazenamento de água antes do início da tragédia.
Autarca de Los Angeles viajou apesar de alerta? É verdade
Há três anos Karen Bass, a presidente da Câmara de Los Angeles, prometeu não viajar pelo mundo fora, prometendo focar-se apenas na sua comunidade. Bass estava habituada a viajar como membro democrata do Congresso e como integrante do Comité de Relações Internacionais da Câmara dos Representantes, tendo passado anos a trabalhar nas relações entre os EUA e a África.
Contudo, na semana passada, quando começaram os incêndios catastróficos que abalaram a sua cidade, Bass estava a regressar do Gana onde tinha assistido à tomada de posse do presidente John Mahama. No entanto, esta não foi a sua primeira viagem ao estrangeiro paga pela cidade, enquanto Presidente da Câmara. Segundo o jornal americano The New York Times, nos últimos meses, viajou quatro outras vezes, uma ao México para a tomada de posse da presidente Claudia Sheinbaum e três vezes a França para os Jogos Olímpicos em Paris.
Photo by Richard Shotwell/Invision/AP
A decisão de abandonar o país numa altura em que o Serviço Nacional de Meteorologia alertou para "condições extremas de incêndio" desencadeou críticas sem fim. Uma petição online que exige a sua demissão já conseguiu cerca de 100 mil assinaturas, sendo que muitos acham que Bass sobrepôs a sua profissão enquanto representante de relações internacionais ao papel de líder durante uma altura crítica para o Estado da Califórnia e a cidade de Los Angeles.
Os incêndios já provocaram 24 mortes e a área ardida equivale a pouco mais de 100 quilómetros quadrados: a área de Lisboa.
Para poder adicionar esta notícia aos seus favoritos deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da Sábado, efectue o seu registo gratuito.
O humor deve ser provocador, desafiar convenções e questionar poderes. É um pilar saudável da liberdade de expressão. Mas quando deixa de ser crítica legítima e se transforma num ataque reiterado e desproporcional, com efeitos concretos e duradouros na vida das pessoas, deixa de ser humor.
O poder não se mede em tanques ou mísseis: mede-se em espírito. A reflexão, com a assinatura do general Zaluzhny, tem uma conclusão tremenda: se a paz falhar, apenas aqueles que aprendem rápido sobreviverão. Nós, europeus aliados da Ucrânia, temos de nos apressar: só com um novo plano de mobilidade militar conseguiríamos responder em tempo eficaz a um cenário de uma confrontação direta com a Rússia.
Até porque os primeiros impulsos enganam. Que o diga o New York Times, obrigado a fazer uma correcção à foto de uma criança subnutrida nos braços da sua mãe. O nome é Mohammed Zakaria al-Mutawaq e, segundo a errata do jornal, nasceu com problemas neurológicos e musculares.