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As deportações bizarras da administração Trump

Gabriela Ângelo 25 de março de 2025 às 11:29
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O objetivo da administração de deportar mais de 10 milhões de migrantes está longe de ser cumprida, daí a Casa Branca ter recorrido a duas leis que permitem deportações políticas.

A decisão do juiz James E. Boasberg do tribunal distrital de Washington, foi clara, a administração Trump não podia recorrer a uma lei do século XVIII utilizada para deportar pessoas sem uma audiência. Se os aviões já estivessem no ar, tinham de voltar para trás. Em vez disso, Trump desafiou a ordem e enviou mais de 200 migrantes para El Salvador durante o fim de semana de 15 de março, incluindo alegados membros de gangues, em três aviões. 

AP Photo/Ariana Cubillos

Os agentes de imigração estão cada vez mais a utilizar táticas fora do comum para deportar imigrantes, o que a administração Trump chama de um "controlo reforçado", nas fronteiras dos Estados Unidos. As autoridades já prenderam um académico da Universidade de Georgetown à porta da sua casa em Virginia, detiveram dois turistas alemães durante semanas enquanto tentavam entrar no país pela fronteira com o México legalmente e detiveram um jovem ativista e académico por partilhar ideias pró-palestina.

Estas medidas levaram a aliados, como a Alemanha e o Reino Unido, a atualizar os seus avisos de viagem, insistindo que os viajantes tenham os seus documentos em dia e alertando para possíveis questões que possam ser levantadas à fronteira.

O voo para El Salvador

De forma a deportar pessoas que vivem nos Estados Unidos com green cards, visto de residência legal, a administração Trump invocou uma lei raramente utilizada, a Lei de Imigração e Nacionalidade que dá ao secretário de Estado o poder para expulsar estrangeiros que são vistos como uma ameaça aos interesses de política externa do país. 

Recorrendo a essa autoridade, os agentes da ICE (sigla em inglês para a agência de imigração e alfândega), prenderam Mahmoud Khalil, um licenciado pela Universidade de Columbia palestiniano, que assumiu um papel proeminente nos protestos pró-palestina nas universidades norte-americanas, e Badar Khan Suri, um cidadão indiano que estudou e ensina em Georgetown. No caso de Khalil, o jovem de 30 anos detentor de visto é um residente permanente legal nos Estados Unidos, enquanto Suri se encontrava nos EUA sob um visto académico. 

Ao jornal norte-americano The New York Times, uma fonte perto do caso de Suri justificou a deportação argumentando que ele se envolveu em atividades anti-semitas que prejudicaram os esforços diplomáticos para conseguir que Israel e o Hamas concordassem com um cessar-fogo. A sua mulher, uma cidadã americana com ascendência palestiniana, é filha de Ahmed Yousef, o antigo conselheiro de um líder do Hamas que foi assassinado no ano passado no Irão. 

Num outro caso, Rasha Alawieh, especialista em transplantes renais e professora na Universidade de Brown, foi deportada, apesar de ter um visto válido e uma ordem judicial que impedia a sua expulsão, depois de regressar de uma viagem ao Líbano, onde foi visitar os seus familiares. As autoridades na fronteira afirmaram que no seu telemóvel encontraram "fotografias e vídeos de figuras proeminentes do Hezbollah" e que tinha participado no funeral do líder da organização terrorista em fevereiro. 

Deportados por terem tatuagens

Durante o sábado de 15 de março, o presidente Donald Trump invocou a Lei dos Inimigos Estrangeiros de 1798 para deportar mais de 200 venezuelanos, alegando serem membros do gangue Tren de Aragua, em voos para El Salvador, mesmo depois de um juiz ter ordenado que a sua administração não podia recorrer à lei do séc. XVIII para os deportar. 

No entanto, nem todos os deportados integravam o notório gangue. Na realidade, os agentes de imigração escolheram colocar naquele voo qualquer homem latino com tatuagens. "Os homens enviados para trabalhos forçados numa prisão em El Salvador sem um processo justo incluem: Um tatuador à procura de asilo que entrou legalmente, um adolescente que fez uma tatuagem em Dallas porque achou que parecia fixe, um jovem de 26 anos cujas tatuagens a sua mulher diz não estarem relacionadas com um gangue", escreveu Aaron Reichlin-Melnick, do American Immigration Council, uma organização sem fins lucrativos e um grupo de defesa de imigrantes no X.

"O nosso cliente fugiu da Venezuela no ano passado e veio para os EUA pedir asilo. Ele tem um caso forte. Foi detido à entrada porque o ICE alegou que as suas tatuagens estavam relacionadas com gangues. Não são de todo", escreveu a advogada de imigração Lindsay Toczylowski no Bluesky. "O nosso cliente trabalhou no sector das artes na Venezuela. Ele é LGBTQ. As suas tatuagens são benignas. Mas o ICE apresentou fotos de suas tatuagens como prova de que ele é Tren de Aragua", disse noutra publicação.

For nothing more than being a Venezuelan man w/tattoos, Andry now sits in a cell in El Salvador without any way to contact his family or his lawyer. His family is in despair & his lawyers are fighting like hell to bring some semblance of justice to his case.  youtu.be/_iNQwfptvyA

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— Immigrant Defenders Law Center (@immdef.bsky.social) 21 March 2025 at 04:12

Turistas e investigadores com visto, deportados

Para certos países europeus, como é o caso de Portugal e da Alemanha, os turistas beneficiam de uma isenção de visto para os Estados Unidos. É através do sistema eletrónico de autorização de viagem (ESTA, sigla em inglês), que podem entrar nos Estados Unidos durante um período máximo de 90 dias sem visto, mas são obrigados a declarar o objetivo da sua visita, em trabalho ou em lazer.

No entanto, quando os turistas alemães Jessica Brösche e Lucas Sielaff foram detidos pelos agentes da ICE, em casos separados, na fronteira entre San Diego e Tijuana, foram informados de que lhes estava a ser recusada a entrada e foram enviados para centros de detenção lotados, apesar de não terem esgotado os 90 dias.

Brösche viajava ao abrigo do ESTA e ficou detida durante 46 dias. Uma amiga da tatuadora de 29 anos, contactada pelo The New York Times, disse que suspeitava que os agentes na fronteira tinham visto o equipamento de tatuagem de Brösche e que poderiam ter pensado que ela planeava trabalhar nos Estados Unidos, violando as condições da sua entrada no país. Os amigos ouvidos pelo jornal norte-americano disseram ainda que ela foi mantida numa cela solitária durante nove dias. 

No caso de Sielaff, ele tinha viajado para os Estados Unidos a 27 de janeiro para ver a sua parceira, Lennon Tyler, uma psicóloga americana que vive em Las Vegas. Três semanas depois da sua estadia, o casal viajou até Tijuana e quando regressaram a 18 de fevereiro não foram capazes de passar o controlo fronteiriço. 

Depois de ter sido detido, Lucas disse que teve dificuldades em entender as perguntas feitas pelo agente na fronteira e ao dar uma resposta confusa relativamente ao seu local de residência, suspeitaram que ele estaria a viver ilegalmente nos EUA. O turista foi levado para um interrogatório, onde pediu um tradutor mas o seu pedido foi negado. Mais tarde, quando leu o relatório do seu interrogatório, disse que este não refletia com exatidão as questões que lhe tinham sido feitas, assim como as suas próprias respostas. 

Depois de terem sido presos, ambos foram transportados de avião de volta para a Alemanha sem compreenderem a verdadeira razão da sua detenção.

Recentemente, a 19 de março, um cientista francês foi impedido de entrar nos Estados Unidos, depois dos agentes de imigração no aeroporto terem inspecionado o seu telefone e terem encontrado mensagens com amigos onde ele criticava as políticas da administração Trump.

À agência noticiosa francesa, Agence France-Press (AFP), o ministro da Educação francês, Philippe Baptiste, disse suspeitar que "esta medida foi tomada pelas autoridades norte-americanas porque o telemóvel do investigador continha trocas de mensagens com colegas e amigos onde expressava a sua opinião pessoal sobre as políticas de investigação científica da administração Trump". 

Deportação por ausência

Ao jornal espanhol, El País, Niurka Meléndez, a advogada responsável pela organização de apoio a imigrantes venezuelanos, VIA (sigla em inglês), explica que o termo "deportação por ausência", pelo abandono da regularização da sua estadia ou a extensão e atualização de vistos, é algo que acontecia antes de Trump tomar posse em 2016. "Muitos [imigrantes] por não terem um advogado, por mudarem de morada, outros por negligência, em parte também confiantes que nada aconteceria" acabam por cair nestas situações, "mas quando os resultados das eleições foram conhecidos, toda a gente começou a mexer-se". 

A advogada explica que a mensagem para os seus clientes ou imigrantes em situações semelhantes é, "não faltem a uma audiência". No entanto, se o imigrante não receber uma convocatória, ela aconselha a que "não se dirija ao tribunal nem ao ICE, se nunca se registou em nenhum lado, nem na fronteira, nem no local onde vive, não vá a lado nenhum". 

Outra advogada de imigração, Maldonado-Alfonzo, apesar de não ter conhecimento de deportações na sua zona desde o regresso de Trump à casa Branca, já representou vários casos em anos anteriores, dando o exemplo de situações onde "as pessoas foram à consulta do ICE, foram detidas e não tivemos tempo para fazer nada porque foram deportadas imediatamente".

Explica que o ano passado quando tentou ajudar um rapaz peruano foi informada da sua detenção, "ele já tinha desaparecido do radar". Nos Estados Unidos, os dados dos imigrantes deportados desaparecem automaticamente de um localizador que o ICE tem e que pode ser consultado, tal aconteceu agora com os venezuelanos que foram enviados para El Salvador, por exemplo.

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