Secções
Entrar

O que a comissão sobre o assalto ao Capitólio mostrou sobre o envolvimento de Trump

Lusa 17 de julho de 2022 às 11:06

Comissão acredita que Donald Trump sabia que as alegações de fraude eleitoral eram falsas e tentou permanecer no poder a todo o custo.

A comissão parlamentar norte-americana sobre o assalto ao Capitólio conduziu sete audiências públicas até agora, produzindo provas de tentativas de adulterar o resultado das eleições, implicando Donald Trump, e de planeamento do ataque a 6 de janeiro de 2021. 

REUTERS/Karen Pulfer Focht

As audiências, desde 9 de junho, foram lideradas à vez por vários membros do painel bipartidário, com o testemunho sob juramento de ex-aliados de Donald Trump, altos funcionários de estados como a Geórgia e o Arizona, ex-funcionários da Casa Branca e até um dos participantes no ataque. 

O 'puzzle' que a comissão está a montar baseia-se em mais de mil entrevistas, algumas das quais serão partilhadas com o Departamento de Justiça para efeitos da sua investigação criminal. 

Cada audiência centrou-se numa parte diferente do processo que culminou na invasão do Capitólio a 6 de janeiro, tecendo uma teia que a comissão acredita ter um elemento central: Donald Trump sabia que as alegações de fraude eleitoral eram falsas e tentou permanecer no poder a todo o custo, incitando os seus apoiantes a pararem o processo de transferência pacífica de poder quando o resto falhou. 

Ignorância intencional dos factos 

Um dos aspetos reiterados em todas as audiências foi a frequência com que conselheiros e membros da administração informaram Donald Trump que não havia provas da fraude eleitoral que ele alegava – e que Joe Biden seria confirmado como presidente. 

O ex-procurador-geral Bill Barr disse a Trump que as alegações eram disparatadas, depois de ter declarado publicamente, no início de dezembro de 2020, que não havia provas de fraude capazes de mudar o resultado das eleições. 

Em vídeo, a filha do ex-presidente Ivanka Trump disse que aceitara a conclusão de Bill Barr. O secretário do Trabalho Eugene Scalia aconselhou Trump a conceder a derrota depois dos votos do colégio eleitoral a 14 de dezembro. 

No entanto, o ex-presidente continuou a insistir na teoria da fraude, apoiado nas alegações de pessoas próximas, mas externas à administração, como Rudy Giuliani, Sidney Powell e Michael Flynn. 

Foi com eles que Trump se reuniu na Sala Oval a 18 de dezembro para tentar pôr em marcha um plano que incluía a captura das máquinas de votação e a nomeação de Powell como procuradora especial para investigar a fraude. 

O advogado da Casa Branca, Pat Cipollone, disse em testemunho gravado que esta reunião acabou em gritos e que nem Powell nem Giuliani responderam quando ele pediu provas da alegada fraude. Outros advogados presentes descreveram teorias "malucas", incluindo o envolvimento de termostatos na suposta manipulação de votos. 

Pressões para adulterar resultados

Com os processos sobre alegada fraude a serem rejeitados em tribunal, Trump e os seus aliados exerceram pressão sobre vários altos responsáveis para que os resultados fossem adulterados. 

O secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, testemunhou que Trump lhe telefonou a pedir para "encontrar" 11.780 votos de forma a virar os resultados a seu favor. O presidente da Câmara dos Representantes do Arizona, Rusty Bowers, testemunhou que Trump lhe telefonou a pedir que rejeitasse os 'grandes eleitores' que iam confirmar a vitória de Biden no Congresso. 

Seguiram-se pressões sobre o Departamento de Justiça, com vários ex-responsáveis a testemunharem sobre como Trump os pressionou para que declarassem a eleição "corrupta". O ex-presidente ponderou substituir o procurador-geral por um dos seus aliados, Jeffrey Clark, que estava disposto a dar seguimento às alegações. 

O alvo final foi Mike Pence, pressionado para rejeitar ou adiar a certificação de Biden a 6 de janeiro, algo que o vice-presidente recusou. 

A invasão do Capitólio

Quando as campanhas de pressão falharam e a reunião de 18 de dezembro na Sala Oval terminou aos gritos, Trump publicou um 'tweet' pedindo aos seus apoiantes para agirem. "Grande protesto em D.C. a 6 de janeiro. Apareçam, vai ser selvagem", publicou o presidente na madrugada de 19 de dezembro. 

A reação dos seus apoiantes e de grupos de extrema-direita como os Oath Keepers e Proud Boys foi imediata, com uma mobilização em massa para irem a Washington. A comissão ilustrou a ligação entre o 'tweet' e o planeamento da insurreição com uma compilação de vídeos prometendo violência e sangue, incluindo contra polícias. 

Um dos manifestantes que acabaria a invadir o Capitólio, Stephen Ayres, testemunhou que o fez como resposta ao pedido de Donald Trump no comício da manhã de 6 de janeiro. O presidente pediu aos manifestantes que marchassem até ao Capitólio, mesmo sabendo que muitos estavam armados. 

Isso foi revelado pela ex-assessora da Casa Branca Cassidy Hutchinson, segundo a qual Trump estava furioso porque os detetores de metais impediram muitos dos seus apoiantes de entrar no espaço do comício: estavam armados. 

Hutchinson testemunhou que Trump se envolveu num confronto com os agentes do Serviço Secreto que o levaram de volta à Casa Branca após o comício. O presidente queria ir até ao Capitólio com os manifestantes e ter-se-á lançado ao volante do carro presidencial e ao pescoço do condutor. 

A comissão demonstrou também que a marcha até ao Capitólio, que resultaria em grande violência e várias mortes, foi planeada – e não espontânea, como tinha sido alegado após o ataque. 

O rascunho de um 'tweet' obtido através do Arquivo Nacional mostra que já havia a intenção de enviar os manifestantes até ao edifício, onde Mike Pence se preparava para confirmar a vitória de Biden. Também mensagens de texto enviadas por uma das organizadoras do comício, Kylie Kremer, falavam desse plano e de um "segundo palco" secreto montado ao pé do Supremo Tribunal. 

Na noite de 6 de janeiro, o ex-gestor da campanha de Trump Brad Parscale trocou mensagens com a antiga porta-voz da campanha, Katrina Pierson, culpando a retórica de Trump pela violência e dizendo que o presidente incentivou uma guerra civil. 

Pressões sobre testemunhas

Em duas ocasiões, a comissão denunciou tentativas de pressionar ou intimidar testemunhas, que não foram identificadas. Num dos casos, isto foi feito através de mensagens de texto, apelando à lealdade da testemunha na véspera da deposição. No segundo caso, denunciado na sétima audiência, Donald Trump telefonou à testemunha, que em vez de atender alertou o seu advogado. 

O que se segue 

A oitava audiência deverá acontecer a 21 de julho, quinta-feira, em horário nobre. A vice-presidente da comissão, a republicana Liz Cheney, disse que a sessão vai debruçar-se sobre o que Trump fez – e não fez – enquanto o Capitólio estava a ser invadido. A comissão apresentará uma cronologia "minuto a minuto" do ataque e da resposta da Casa Branca. Será um momento de "profundo acerto de contas" para a América, indicou o congressista Jamie Raskin. 

Após as audiências públicas, a comissão publicará um relatório final, o que poderá acontecer antes das eleições intercalares de 8 de novembro. 

Artigos Relacionados
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela