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Ivone Patrão: "Há vendas de vídeos para sites pornográficos, sem conhecimento de quem está a ser filmado"

Raquel Lito
Raquel Lito 11 de fevereiro de 2025 às 07:00
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A propósito do Dia da Internet Mais Segura, a coordenadora do estudo de âmbito nacional fala sobre os alvos mais vulneráveis - os jovens - e a necessidade de haver mecanismos de apoio. Em consulta, tanto a psicóloga como os colegas deparam-se com o crescimento de casos.

Da omnipresença do online, sobretudo via telemóvel, surgiu a necessidade de estudar os comportamentos da população portuguesa de maior risco: os jovens. Porque muito se fala do tema por percepções, mas não há números oficiais dos utilizadores dos 16 aos 25 anos, inclusive, mais vulneráveis às ameaças, sejam de phishing (emails com URL's inseguros), smishing (furto de dados confidenciais através de SMS's fraudulentos), vishing (mensagens de voz ou chamadas para roubo de identidades) ou cyberbullying (intimidação e assédio nas redes sociais).

ISPA

Detetando esta lacuna, o ISPA – Instituto Universitário e o Centro Nacional de Cibersegurança criaram uma parceria para a análise à escala nacional, através da divulgação de um inquérito online

O estudo decorre desde janeiro e ganha pretexto de atualidade pelo Dia da Internet Mais Segura, que se assinala nesta terça-feira (11 de fevereiro). A coordenadora do projeto CiberYoung Security, Ivone Patrão, explica à SÁBADO em que moldes se desenvolve: a vulnerabilidade psicológica, por um lado, e o tempo online, por outro. A psicóloga, docente no ISPA e especialista na área há precisamente 15 anos, mostra-se preocupada com a crescente exposição dos mais novos ao mundo virtual, sem supervisão. Quando algo de mau lhes acontece, nestes meios, raramente pedem ajuda. 

A propósito do Dia da Internet Segura, que se assinala nesta terça-feira (11 de fevereiro), o que pode adiantar sobre o estudo de comportamentos online dos jovens portugueses ?

O objetivo é perceber quais são os fatores psicológicos associados aos perfis de maior ou menor segurança nos jovens. Faltava um estudo sobre os fenómenos que colocam em risco os nossos jovens, para os ajudarmos a lidar com esses riscos. Se não soubermos, não conseguimos intervir da melhor forma. Percebemos que o uso do telemóvel em contexto escolar também mina um pouco da segurança. O meu discurso não é de proibição, mas de regulação. É pensarmos em conjunto com os jovens e com os pais o que podemos fazer para o uso saudável.

Refere-se a que faixa etária?

Entre os 16 e os 25 anos. Estamos muito empenhados na sensibilização para responderem, porque não sabemos o que estão a fazer com a tecnologia na mão. Alguns contactam com determinadas situações de risco e conseguem resolver essas situações. Outros, por vulnerabilidade psicológica, dificuldades na regulação do seu comportamento, ou fatores pessoais – no estudo vamos tentar perceber quais –, não estão a conseguir lidar com situações de risco. Isto vai ter impacto no seu desenvolvimento e na sua saúde mental.

Da sua experiência clínica, qual foi o caso que mais a impressionou?

São situações que até se passam no âmbito escolar e acabam nos tribunais. Do contacto que vou tendo, da informação com os colegas que trabalham nas equipas de apoio ao tribunal, são os casos de filmagens, de imagens e de vídeos. Por exemplo, há vendas de imagens e vídeos para sites pornográficos, sem qualquer conhecimento de quem está a ser filmado.

Que fatores psicológicos podem agravar a vulnerabilidade dos jovens face às ameaças online?

Estamos a estudar as questões relacionadas com o estado emocional (como a ansiedade e a depressão); a que associam o bem-estar (não só o digital, mas também o offline); sobre a dependência do mundo online, dos jogos, das redes sociais e de outro tipo de atividades que eles fazem. Muitas vezes estão a fazer outras atividades online, que não sabemos, como o cybersex, a pornografia, as compras, as apostas. Queremos perceber outras áreas que podem estar associadas à dependência.

Estamos a estudar quais são os fatores associados às decisões dos jovens. Ou seja, quando se sentem vulneráveis face a um risco, se decidem continuar a vivê-lo

Ivone Patrão

Como vão analisar a perceção do risco?

Estamos a estudar quais são os fatores associados às decisões dos jovens. Ou seja, quando se sentem vulneráveis face a um risco, se decidem continuar a vivê-lo; se conseguem fazer essa regulação de comportamento. Portanto, estamos a avaliar a sua perceção de vulnerabilidade e barreiras. Estamos também a perceber o que é que os faz mudar de comportamento, quando já viveram várias situações, e vamos contabilizar quais foram e quantas, e aí perceber como é que eles se defendem.

As ameaças são de phishing, ou cyberbullying?

Sim. Sejam situações que vão afetar os seus dados e dispositivos, sejam as da sua segurança pessoal, da saúde mental – são atentados à sua vivência diária. Vamos fazer perfis. Segundo o que sabemos da literatura, aqueles que vão estar mais ansiosos, ou mais depressivos, com menos bem-estar, são os que vão estar mais tempo online para o escape dessas emoções negativas. Por isso, vão incorrer em mais situações de risco. Sabemos que há muitas atividades online que trazem bem-estar, que acabam por fidelizar o cérebro a essas atividades.

D.R.

As redes sociais, por exemplo?

Uma pessoa que está mais vulnerável psicologicamente e que passa mais tempo nas redes sociais, recebe likes e atenção. Pode estar mais sujeita a perigos, como a burla romântica, extorsão. Se assim se comprovar, temos dois fatores muito importantes a trabalhar: a vulnerabilidade psicológica, por um lado, e o tempo online, por outro.

Qual o alcance deste estudo?

Temos um link gerado pela plataforma do Centro Nacional de Cibersegurança e está a chegar a todas as escolas. Talvez dentro de dois ou três meses até possamos fazer uma divulgação dos resultados preliminares. E depois, no início do próximo ano letivo, arrancamos com os resultados finais, até para perspetivar algumas intervenções e até de candidatura de algum tipo de projetos práticos e de continuidade.

Quando lançaram o inquérito?

Lançámos em janeiro.  

Cada vez temos mais crianças mais novas, jovens mais novos expostos à tecnologia, sem uma conversa, sem uma negociação, sem supervisão parental

Ivone Patrão

Quantos jovens estão previstos para a amostra?

Nós estamos a fazer um estudo de âmbito nacional. Estamos a divulgar em todas as escolas secundárias e profissionais, a partir dos 16 anos, em todas as faculdades e universidades e politécnicos. Portanto, estamos à espera de uma amostra com um volume bastante significativo. Ambicionamos ter uma amostra robusta, com mais de cinco mil jovens a aderirem, de norte a sul e das ilhas.

Como corre a adesão?

Temos cerca de 300 e tal jovens a responderem. Vai depender da escola, do diretor de turma, dos pais. A partir dos 18 anos não precisam de autorização dos pais, contamos que no ensino superior haja mais participação. Vamos estar em várias fases de divulgação do estudo até maio, retirando alguns dados preliminares. Fechamos a recolha em maio e em setembro teremos os resultados finais. Serão divulgados também em setembro, com o início do ano letivo.

Qual é a sua perceção clínica?

Diria que há mais riscos e do ponto de vista clínico perguntamos mais e estamos mais atentos. Considero que os casos têm vindo a aumentar. Cada vez temos mais crianças mais novas, jovens mais novos expostos à tecnologia, sem uma conversa, sem uma negociação, sem supervisão parental que é a variável que todos os filhos nos dizem ser muito importante. Quando existe supervisão parental não há dependência e eles correm menos riscos. No mesmo jovem não só encontro um risco, mas dois, ou três – várias situações ao longo do seu desenvolvimento. Se tivessem sido trabalhadas e conversadas antes, se calhar não tinham sido perpetuadas. E outras que até nos menos jovens continuam a acontecer.

Que riscos detetou em contexto de consulta?

Ainda na semana passada estávamos em supervisão, a discutir casos: uma jovem que partilhou vídeos seus despida e a masturbar-se. E não foi só uma vez, foram três. Já tinha  tido consequências, porque foi chantageada e os vídeos foram partilhados na escola: todos tiveram acesso e ela continuou a repetir esse comportamento.

Porque é que essa paciente repetiu o comportamento?

É isto que precisamos de avaliar. Nós precisamos avaliar o perfil psicológico, perceber o que é que está por detrás desta tomada de decisão – o que este estudo traz – para intervirmos de forma mais próxima nestes casos.

É uma paciente sua?

Não. Isto para dizer que não é só na minha consulta que se abordam os riscos do mundo online. Percorrem as consultas de vários colegas. Mesmo que não sejam especialistas na área, acabam por receber crianças e jovens que vêm à consulta por outras situações e acabam por ter questões relacionadas [com o tema].  

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