O diretor-geral adjunto do Primeiro Instituto de Oceanografia da China falou com a SÁBADO sobre o impacto do aumento das temperaturas do oceano nos fenómenos meteorológicos. Na Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano, que decorreu em Nice na semana passada, esteve como parte dos especialistas do Conselho Científico Internacional.
Fangli Qiao é especialista em oceanografia física e em modelos climáticos. Fez parte do Grupo de Planeamento Executivo da Década dos Oceanos, do Conselho Consultivo da Década, e é copresidente da IOC/WESTPAC (Subcomissão da Comissão Oceanográfica Intergovernamental para o Pacífico Ocidental, organismo da UNESCO). Esteve em Nice, na semana passada para participar na Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC3) como um dos perito do Conselho Científico Internacional (ISC, na sigla em inglês), com uma agenda preenchida acabou por responder àSÁBADOpor email, já depois de ter deixado Nice. Garante que ainda vamos a tempo de salvar o oceano, "mas a janela está a fechar-se rapidamente". Alerta para o aumento e maior intensidade dos furações e tufões com o aumento da temperatura do oceano.
UNESCO/IOC
Qual é a importância do oceano para regular o clima?
Tanto a curto como a longo prazo, o oceano desempenha um papel decisivo na regulação do tempo e do clima. Mais de 90% do excesso de calor gerado pelo aquecimento global induzido pelo homem foi absorvido pelo oceano. A curto prazo, as interações entre o oceano e a atmosfera influenciam significativamente os sistemas meteorológicos. Por exemplo, os tufões (ou furacões no Atlântico) retiram a sua energia do calor do oceano, e águas mais quentes podem levar a tempestades mais frequentes e intensas, que têm um impacto social e económico devastador. Assim, o oceano não é apenas um pano de fundo passivo; é um impulsionador ativo dos padrões meteorológicos que experimentamos todos os dias.
Porque é que, em termos de manutenção da temperatura e do clima, é importante preservar o oceano?
O oceano atua como o principal amortecedor de calor da Terra e o seu aquecimento está diretamente ligado à instabilidade climática. A comunidade científica acredita que o oceano absorve mais de 90% do calor gerado pelas emissões de gases com efeito de estufa induzidas pelo homem. Embora o impacto exato do aquecimento dos oceanos ainda tenha de ser avaliado com precisão, é consensual que o aquecimento contínuo altera a circulação oceânica, reforça os fenómenos meteorológicos extremos e perturba os ecossistemas marinhos. Preservar o oceano num estado tão natural quanto possível - limitando um maior aquecimento - é essencial para proteger estes sistemas e evitar pontos de rutura perigosos. Ao travar o aquecimento dos oceanos, estamos a apoiar a resiliência climática à escala global.
Nesta UNOC, o secretário-geral da ONU falou de um momentum como nunca tinha visto para se tomar medidas reais e proteger o oceano. Sente o mesmo?
Tenho um sentimento de urgência e de consciência semelhante. No entanto, a ação real ainda enfrenta três grandes desafios: em primeiro lugar, o oceano é vasto e a sua proteção exige um investimento substancial e sustentado - algo que a comunidade global ainda tem dificuldade em mobilizar. Em segundo lugar, continua a existir um grande fosso entre a ciência dos oceanos e a governação prática dos oceanos. Foi exatamente por isso que introduzimos o Coastal city Ocean bAsed Solution Toolkit for sustainable development (COAST). É composto por 6 módulos principais e 24 submódulos, abrangendo áreas-chave como o alerta precoce marinho e climático, a segurança da navegação marítima, a saúde ecológica costeira, a gestão integrada da zona costeira, o desenvolvimento da economia azul e a literacia dos oceanos. Ao integrar megadados marinhos, modelos numéricos avançados, inteligência artificial e componentes de capacitação, o conjunto de ferramentas fornece produtos e serviços visualizados aos utilizadores finais e decisores políticos nas cidades costeiras, incluindo o risco de catástrofes marinhas, a saúde dos ecossistemas, os recursos haliêuticos e a educação marinha para ajudar a colmatar essa lacuna, traduzindo a ciência de ponta em ferramentas acessíveis para as cidades e os decisores costeiros. O desenvolvimento bem sucedido do COAST assenta numa série de avanços teóricos e inovações tecnológicas. Através de avanços originais na teoria da turbulência e de inovações revolucionárias nas tecnologias de observação dos oceanos, melhorámos significativamente a capacidade de prever condições marinhas e climáticas extremas. Estes avanços constituíram a base essencial para o desenvolvimento de ferramentas inteligentes de governação dos oceanos. Sendo o primeiro conjunto de ferramentas científicas integradas do mundo para a governação dos oceanos, o COAST está livre e publicamente acessível a utilizadores de todo o mundo através de um modo de co-conceção, co-desenvolvimento e co-benefício. Em terceiro lugar, existem ainda lacunas significativas na nossa compreensão científica dos processos oceânicos. Temos de acelerar a investigação científica e garantir que os conhecimentos sejam rapidamente transformados em políticas acionáveis.
Quais foram os principais contributos que o ISC trouxe para o UNOC3?
O ISC deu um contributo forte e oportuno através do seu resumo de política, "Coproduzir conhecimento acionável sobre os oceanos para soluções transformadoras e cooperação global". Este documento destaca três mensagens essenciais:
Em primeiro lugar, apela a uma mudança de esforços científicos fragmentados e de cima para baixo para abordagens transdisciplinares e de conceção conjunta que reúnam cientistas, decisores políticos, povos indígenas e comunidades locais na definição de soluções para os oceanos, salientando simultaneamente a necessidade de apoiar ferramentas como o COAST Toolkit, que capacitam os intervenientes locais com soluções baseadas na ciência para uma governação sustentável dos oceanos.
Em segundo lugar, sublinha a necessidade de parcerias inclusivas a longo prazo e de mecanismos de financiamento sustentados, especialmente para apoiar os países de baixo e médio rendimento e os pequenos Estados insulares em desenvolvimento (PEID), que estão frequentemente na linha da frente dos desafios relacionados com os oceanos.
Em terceiro lugar, o ISC recomendou a institucionalização de interfaces ciência-política que criem confiança, garantam a acessibilidade dos dados e defendam uma governação transparente. Defendeu a criação de mecanismos que levem o conhecimento à tomada de decisões - através de painéis de peritos, plataformas de dados e quadros de governação.
O que espera que seja decidido na UNOC e quais são os próximos passos necessários para proteger os oceanos?
Uma das minhas principais expectativas é que haja uma maior integração entre a ciência e a gestão dos oceanos. Iniciativas como o COAST Toolkit podem servir como uma ponte eficiente, facilitando o acesso e a aplicação do conhecimento científico por parte dos decisores. Outra prioridade é o aumento do investimento - não só nas ciências marinhas, mas também nos mecanismos de governação e no desenvolvimento de capacidades. O próximo passo deve ser o estabelecimento de compromissos nacionais e locais claros, apoiados por recursos e planos de ação.
Ainda vamos a tempo de travar a degradação dos oceanos?
Sim, mas a janela está a fechar-se rapidamente. O oceano tem uma inércia imensa - quando ultrapassa determinados pontos de rutura, as consequências podem ser irreversíveis ou durar séculos. Por isso, embora não seja demasiado tarde, temos de agir agora e em grande escala.
O que é que podemos esperar em termos de fenómenos extremos se continuarmos a não fazer nada?
Já estamos a ver sinais claros. Tomemos como exemplo os tufões: a sua época ativa começa agora mais cedo e termina mais tarde, e estamos a assistir a super tufões mais frequentes e intensos. Esta é uma consequência direta do aquecimento dos oceanos.
Se continuarmos a não fazer nada, estes fenómenos extremos intensificar-se-ão ainda mais, ameaçando vidas, economias e ecossistemas. Por conseguinte, temos de proteger o oceano para atenuar as alterações climáticas e também melhorar as nossas capacidades de previsão.
O nosso grupo de investigação descobriu o papel fundamental das ondas oceânicas na modulação da intensidade dos tufões. Isto já levou a grandes melhorias na previsão de tufões - dando-nos melhores ferramentas para nos adaptarmos a um clima em mudança.
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