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Antigo agente de artistas como Slow J, Tomás Martins mudou de vida. Fundou uma marca porque os artistas não conhecem os seus direitos, e não há plano para se fazer ouvir a nossa música lá fora, relata.
Tomás Martins licenciou-se em Direito, mas foram as artes a apaixoná-lo em primeiro lugar: foi bailarino, dinamizador cultural na sua vila-natal de Oeiras, e logomanagermusical, agenciando figuras de peso na indústria nacional comoSlow J, Papillon e Charlie Beats. A sua formação, no entanto, manteve-o atento àquilo que faltava aos artistas com quem contactava: conhecimento legal sobre os seus direitos e responsabilidades na promoção da sua arte. Para divulgar o conhecimento que angariou, criou uma plataforma, O Criador, que aos poucos foi dando a origem à ideia de profissionalizar a atividade.
Fá-lo esta semana com o lançamento de uma empresa de publishing, gestora da propriedade intelectual dos artistas - as ideias e composições por trás das gravações que ouvimos. O tema tem gerado negócios milionários nos últimos anos, à medida que alguns dos maiores artistas do mundo negociam ou batalham pelos direitos das suas canções - como quando Bob Dylan vendeu o seu catálogo de canções (direitos de publishing) à Universal em 2020, antes de negociar os direitos das suas gravações com a Sony, em 2022. A tensão entre direitos de publishing e gravação também esteve na origem da disputa entre Taylor Swift e a Big Machine Records, dona das gravações dos seus primeiros seis álbuns - disputa que conduziu a artista a regravar quatro dos seus álbuns.
Lançada oficialmente esta terça-feira, 21 de janeiro, a To Be Honest é uma publisher e gestora de direitos de autor que já representa, além de Slow J e Papillon, artistas como Richie Campbell, ProfJam, T-Rex e Valete. Acredita que os artistas portugueses não estão a ter a atenção que merecem, devem estar mais informados e precisam de ser divulgados de outra forma no estrangeiro - como aconteceu com Running Up That Hill (A Deal With God), a canção de Kate Bush que a devolveu ao topo das tabelas mundiais 37 anos após o seu lançamento, depois de ser incluída na banda sonora da série Stranger Things.
Qual a diferença entre um publisher musical e uma editora discográfica?
Quando estamos a ouvir uma música na rádio, estamos na verdade a ouvir duas coisas. A primeira é a gravação, associada às editoras discográficas, cujo objeto de exploração é o registo físico, o chamado "master recording" [gravação principal]. Por outro lado, está a ser reproduzida uma ideia, chamada obra, que é o objeto de exploração de uma empresa de publishing. Portanto, estamos a ouvir a gravação e a obra que ela contém. É por isso que a rádio tem de pagar duas licenças por cada música que passa: uma aos donos da gravação, normalmente editoras discográficas, e outro à SPA [Sociedade Portuguesa de Autores], entidade de gestão coletiva dos direitos de autor, que depois divide esse valor entre os publishers e os artistas.
Qual é o cenário atual de gestão de direitos autorais em Portugal?
Em Portugal, grandes editoras como a Sony, a Universal e a Warner estão presentes de forma muito direta. Já no panorama do publishing, a Warner Chappell, Universal Publishing e Sony Publishing são operadas a partir de Espanha, em representações ibéricas. Isso leva a que haja uma fraca representação dos direitos dos artistas portugueses. Os artistas não estão devidamente informados sobre o valor da sua propriedade intelectual, e muitos acabam por ser geridos pela SPA, que gere uma grande quantidade de artistas. Os artistas estão altamente focados nas músicas que saíram e vão sair, e a música que saiu há dois anos já está no limite da capacidade de ser explorada comercialmente. Tudo isto leva a um subdesenvolvimento da área do publishing em Portugal, a desvalorização da propriedade intelectual e aproveitamento dessa ignorância por alguns players da indústria.
Qual a importância dos publishers neste cenário?
Seria difícil ou impossível cada autor de cada música que passa na rádio ir reivindicar o seu dinheiro. As entidades de gestão coletiva estão lá para receber esse valor e redistribui-lo de forma equitativa por todos os artistas. Mas é impossível a SPA dar conta de todos os autores, pelo que os publishers servem de intermediários entre a SPA e os autores.
Se uma produtora audiovisual quiser usar uma música num filme, esta gestão tem de ser feita de forma individual, tem que ser negociada diretamente com o autor. Se o autor não está inscrito na SPA, o negócio não pode ser feito. Uma entidade como um publisher pode estar em contacto com as produtoras de forma mais próxima, bem como junto de marcas, agências e audiovisuais que precisem dessa música para jogos, séries, filmes. Para qualquer produtora de filmes ou de séries, falar de direitos de autor é um inferno: vão preferir contratar alguém para fazer música de raiz do que passar pela burocracia dos direitos de autor, que pode demorar meses a concluir. É uma questão de tornar o processo mais eficiente e menos moroso, é um problema muito funcional.
É só um problema de burocracia, então?
Outro problema é o facto de os artistas em Portugal sentirem que existe um teto na capacidade da música portuguesa ser ouvida lá fora. Há muitos dogmas que nos têm impedido de exportar uma sonoridade portuguesa e atual. Fora do fado, praticamente não há exportação da música portuguesa. Há novas avenidas que se podem abrir lá fora se conseguirmos aglutinar artistas à procura de inovar e desenvolver a nova sonoridade portuguesa: o novo disco do Slow J, Afro Fado, a música do T-Rex, que é um sucesso em Angola, ou o Richie Campbell têm alto potencial de exportação.
É um problema de escala - um artista grande em Portugal é um peixe pequeno num país como o Brasil. Toda a estratégia de exportação tem estado assente em ir a conferências, ou fazer digressões em pequenos espaços lá fora. Estas estratégias têm sido muito pesadas para os artistas, é preciso pagar passagens aéreas, ter comitivas de 20 pessoas, e a taxa de risco é grande, a nossa sensação é que somos uma gota num oceano. Através do publishing, se uma música do Slow J puder passar numa série internacional e ser reconhecida lá fora, o esforço é muito menor e a recompensa muito maior.
Acredita que as editoras discográficas estão a explorar os artistas?
Acredito que conhecimento é poder, e assinar um contrato é uma responsabilidade que tem de ser levada muito a sério. Acredito que em algumas situações possa haver esse aproveitamento: as editoras podem estar confortáveis com o facto de o artista não saber o que está a assinar. Se eu souber os meus direitos e tiver noção do que estou a alienar, a probabilidade de o contrato não me favorecer é muito menor.
As editoras são negócios, têm os seus direitos a proteger, o seu objeto de exploração, e vontade de chegar a negócios o mais vantajosos possível para eles. Por outro lado, a longo prazo é do interesse da editora criar uma dinâmica com que o artista esteja confortável. Se isto acontecer, as relações entre os artistas e as editoras podem ser benéficas para ambas as partes. A minha ideia é também conseguir servir de consultor e conselheiro para estes momentos em que [os artistas] vão assinar contratos, para perceberem os impactos, a contrapartida, o que estão a ganhar e a perder.
Como entrou no mundo da música?
Eu estudei Direito, mas tenho um percurso ligado à dança, e por isso uma ligação muito própria com a música, bastante pessoal e física. Criei uma associação cultural e comecei a fazer produções e exposições em Oeiras. Acabando o curso, sem saber como me iria posicionar, voltou de Londres o João Coelho [Slow J], um amigo de longa data, que queria começar a fazer música, e comecei como manager dele em 2015. Passei por todo o desenvolvimento da carreira do João enquanto manager de um artista independente, o que me deu noção do processo criativo e de todo o processo logístico que rodeia - lançamento, marketing, distribuição, direitos, videoclipes.
Foi aí que percebeu que havia um problema com a indústria?
Fui tendo contacto com vários artistas e colaboradores do Slow J, alguns até já estabelecidos, que não tinham noção da sua propriedade intelectual e não sabiam geri-la, delegavam nas editoras tudo o que fosse executivo - era um grande problema de falta de informação e noção.
Em 2020 decidi criar um canal, @ocriador.pt, para explicar aos artistas os seus direitos e como poderiam viver da arte deles. Recebi perguntas de artistas que andam há 20 anos nisto e não percebem a diferença entre direitos de autor e direitos conexos. E percebi que realmente havia aqui uma necessidade de fazer isto de forma honesta, transparente, simples, porque muitas vezes isto é complexificado por teias de jargão jurídico. Estive dois anos a estudar e desenvolver esta ideia, outros dois anos a reunir o catálogo e falar com os artistas, a preparar-me para lançar esta empresa.
Em que áreas vai atuar To Be Honest?
Sou um gestor de direitos de obras e gravações, estou a assumir um papel de representação enquanto a empresa está em fase de start-up. Na prática, faço o trabalho que um publisher faz, mas legalmente as obras pertencem totalmente aos artistas que represento.
Este trabalho implica uma relação muito próxima com estes artistas: a ideia não é ir buscar mais dinheiro, mas garantir que se abrem as portas para se encontrar a ligação certa entre a música e o meio, como aconteceu com a música da Kate Bush em Stranger Things [Running Up That Hill (A Deal With God)]. A música fala com o universo daquela série, e acrescenta àquela cena uma importância e um valor enormes. A compreensão do calor e do impacto da música nestes contextos pode ser trabalhada de uma forma que é mutuamente benéfica, que gera valor tanto para o artista quanto para o dono de um café ou uma produtora que está a fazer um filme.
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