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O peso da moda: no Natal o consumo dispara e muito do que é devolvido... é destruído

Em 2024, cada português gerou cerca de 25 kg de resíduos têxteis. E, especialmente pelo Natal, o consumo não dá sinais de abrandamento. Falámos com Susana Fonseca, da associação ZERO.

Com o aproximar do Natal aumenta o stress e também o consumo de vários tipos de produtos. Na última sexta-feira de novembro, dia da popular Black Friday, “a moda foi o setor que mais cresceu, com uma variação de quase 184% no número de compras em comparação com todo o mês de novembro”, dizem os dados nacionais fornecidos pelo SIBS Analytics. Falámos com a vice-presidente da associação ZERO, Susana Fonseca, sobre consumo de roupa, o desperdício, a consciência ambiental e até sobre o que acontece quando devolvemos a uma loja uma camisola que nos fica apertada.

Natal em Lisboa
Natal em Lisboa Mariline Alves

Os dados da associação têxtil europeia Euratex são também feitos de contradições. No último relatório anual, lançado em setembro, ficamos a saber que 71% dos consumidores dizem-se preocupados com o ambiente quando compram produtos de vestuário. Mas apenas 3% confessam ter pagado mais por produtos mais sustentáveis. E o setor do têxtil é preciso ser olhado com atenção: em dezembro, mês embalado pelo Natal, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) divulgou uma publicação onde se lê que o consumo de têxteis, “tecido da vida quotidiana”, é na União Europeia o “fator que tem o quarto maior impacto no ambiente e nas alterações climáticas, a seguir aos alimentos, à habitação e à mobilidade”. É ainda “o terceiro em termos de utilização dos recursos hídricos e dos solos e o quinto em termos de utilização de matérias-primas primárias e de emissões de gases com efeito de estufa”. Outro dado que nos deve manter alerta é o facto Portugal ter registado, em 2024, 252 mil toneladas de têxteis nos resíduos urbanos, o que se traduz em cerca de 25 kg por habitante (considerando 10 milhões de residentes).

A produção de fibras sintéticas permitiu triplicar, nos últimos 50 anos, a produção global de têxteis, representando atualmente 60-70% de todos os têxteis vendidos por todo o mundo. Só em 2022, a UE importou 11 milhões de toneladas, com o vestuário a representar 45% do bolo. É um mercado altamente globalizado, com regras que mudam em várias fronteiras e que têm pressionado a União Europeia (UE) a tomar algumas medidas e algumas das estratégias para mitigar o impacto ambiental passam por um regulamento relativo ao ecodesign de produtos, que introduz um passaporte digital com informações sobre origem ou composição, para compras mais conscientes, ou a obrigatoriedade dos municípios, desde o início de 2025, fazerem recolha seletiva de têxteis.

“Quando devolvem o produto, ele nunca mais volta ao mercado”

“A ciência mostra que estamos completamente desequilibrados em termos da utilização dos recursos, face aquilo que o planeta nos pode fornecer de forma equilibrada, ou seja, sem perturbar os seus equilíbrios e as suas dinâmicas”, diz Susana Fonseca, numa conversa com a SÁBADO por telefone. A vice-presidente da ZERO, associação dedicada ao ambiente, revela que um estudo recente concluiu que “oito em dez portugueses acham que devíamos dar mais importância a questões ambientais do que às questões económicas”, ou seja, “compreendemos e concordamos no sentido em que o ambiente é o que suporta a nossa vida”. Mas parece faltar ainda um grande caminho entre o pensar e o fazer. “Não podemos apenas preocupar-nos com as questões ambientais e percebemos que são importantes até para a nossa existência e para o nosso bem-estar e depois continuar a fazer as mesmas coisas que fazíamos antes."

Mas há algumas armadilhas no caminho da sustentabilidade e algumas até são bem intencionadas. É o exemplo da possibilidade de deixarmos roupa em contentores disponíveis na rua ou mesmo em lojas de algumas marcas, que “até oferecem vales para as pessoas comprarem mais, continuando a alimentar o modelo”, diz Susana Fonseca, alertando que “as pessoas ficam descansadas, porque agora até têm onde colocar a roupa”. Problema? “Nós neste momento estamos a ter um problema gravíssimo: nós não temos como escoar”. Desde o início do ano que os municípios são obrigados a ter recolha seletiva de têxteis, mas “sem qualquer tipo de financiamento para o fazer”. A ZERO concorda com o sistema, mas considera que “quem tem que pagar é quem coloca os produtos no mercado”, ou seja, as marcas.

O problemas são diversos. Por um lado, a enorme quantidade de têxteis, na sua maioria de fibras sintéticas, e a dificuldade em reciclar, uma vez que a roupa mistura várias fibras. Por outro, a baixa qualidade dos produtos. “Numa abordagem que queiramos defender a reutilização, quando temos roupas de baixa qualidade, obviamente é muito mais difícil estimular a sua segunda utilização, porque não tem qualidade”, sublinha a ambientalista.

Acresce a questão dos marketplaces internacionais, com produtos baratos que não estão adaptados à legislação europeia, “nomeadamente em termos da presença de substâncias químicas perigosas”. Susana Fonseca defende que “é importante que  tenhamos um bocadinho de consciência do que estamos a fazer com o nosso dinheiro”, principalmente porque a mensagem que estamos a passar é “eu não quero saber, eu quero é comprar o mais barato”. “Enquanto cidadãos temos que perceber que temos um papel a desempenhar e temos que começar, se calhar, a pensar um bocadinho porque é que aqueles preços são tão baratos”, desafia.

EPA/Andy Rain

A propósito do Natal, embora não haja dados sobre picos de consumo em Portugal nesta época específica (além dos divulgados pela SIBS sobre a Black Friday), Susana Fonseca diz que podemos esperar pelos dados para ficarmos sustentados e preocupados, mas acredita que “já sabemos o suficiente”. “Basta ver o que é ir às compras nessa altura ou sair de casa”, sublinha. Com um problema que se verá acentuado no mês de janeiro: as devoluções. E aqui entra mais uma questão: “muitas vezes quando se devolve o produto, ele nunca mais volta ao mercado e é destruído”.

“O sistema está organizado de tal forma, valoriza-se tão pouco os recursos, que é quase mais eficiente não voltar a pôr o produto no mercado. Um produto que é devolvido, supostamente terá que ser verificado e todo esse procedimento, muitas vezes é menos atrativo para as marcas e para os marketplace do que simplesmente destruir. Tudo isto são estratégias que, do ponto de vista de uma gestão sustentável de recursos, são um desastre completo”, lamenta, sobre um modelo de produção e consumo com consequências negativas, que “são exacerbados durante o período de Natal”.

A ZERO desafia os consumidores a serem mais críticos em relação “ao que nos tentam vender” e resistir à “máquina brutal” do marketing que nos alicia com as coisas bonitas e baratas. Uma máquina que opera ao longo do ano, “em particular nesta fase”, que “é muito agressiva, passando a mensagem de que nós, se compramos qualquer coisa, vamos ser melhores, vamos ser mais qualquer coisa do que já somos. É como se nós fôssemos insuficientes”, diz. “E isso é uma das maiores falácias que existe”.

Não querendo colocar toda a responsabilidade nas mãos do consumidor, e considerando importante responsabilizar quem produz, Susana Fonseca explica que “quanto mais compramos, mais as marcas se sentem empoderadas para continuar exatamente com o mesmo modelo que têm até agora, porque não estamos a mostrar com as nossas escolhas que queremos algo diferente”. E talvez seja preciso mudar a mensagem: “Nós sabemos que o ambiente muitas vezes não é um estímulo suficiente para as pessoas mudarem o seu comportamento. Temos de tentar aqui encontrar outros argumentos que possam, de algum modo, fazer eco naquela pessoa. De algum modo, fazê-la perceber que faz sentido fazer algo diferente.”

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