Sábado – Pense por si

João Carlos Barradas
João Carlos Barradas
13 de dezembro de 2025 às 08:00

No topo do mundo

São cada vez mais escassas as expectativas de progressão profissional com aumento de rendimentos e melhores condições de trabalho nas presentes condições do mercado laboral.

Portugal alcandorou-se ao «topo da Europa e do mundo», alumiado por um chefe de governo que promete salário mínimo de «1 500 ou 1 600 euros» e o salário médio nos «2 500, 2 800 ou 3 000 euros».

Assevera Luís Montenegro que irá calendarizar estes aumentos quando «tivermos os alicerces para isso» e, ante grevistas ingratos, felicitou-se pelo aumento de 2,4 % do PIB, fortemente impulsionado pelo turismo, a inflação residual (2,2% em Novembro) e até a valorização de 20,9% da diminuta bolsa portuguesa, associada a uma taxa de desemprego inferior a 6%, que levaram The Economist a eleger Portugal como a melhor economia de 2005.

Goza, portanto, Portugal de «elevadíssima reputação e credibilidade na Europa e no mundo», certifica Montenegro.

Entretanto, ficámos também com os dados do Banco de Portugal que contabilizou 2,5 milhões de pensionistas pagos por regimes públicos, ou seja 23% da população.

Em 2024, a pensão média mensal de velhice situava-se em 645 euros – 80% do salário mínimo –, ainda que metade dos pensionistas recebesse menos de 462 euros.

As esperadas disparidades e desigualdades por sexo e região são assinaladas no estudo que constata, todavia, evolução positiva com «convergência gradual entre géneros, o aumento da idade efectiva de reforma, o peso dos pensionistas que prolongam a vida activa — os quais auferem, em média, pensões mais elevadas — e o facto de a pensão inicial não representar, em média, uma quebra significativa de rendimento para os que transitam diretamente do mercado de trabalho».

O estudo assinala, ainda, que «as regras de cálculo das pensões, em articulação com o sistema fiscal, atenuam a desigualdade face à distribuição dos salários».

A confiança no sistema público de pensões e na sua sustentabilidade implica, contudo, uma solidariedade intergeracional que o envelhecimento demográfico, com custos acrescidos de assistência e saúde, e a queda da natalidade põem em causa.

São cada vez mais escassas as expectativas de progressão profissional com aumento de rendimentos e melhores condições de trabalho nas presentes condições do mercado laboral.

Um pacote laboral que, desprezando formação profissional, privilegia precariedade contractual e outsourcing, e assenta no pressuposto de que daí resultarão aumentos de produtividade em benefício da força de trabalho é de duvidosa valia para a mão-de-obra, sobretudo, se estiver fora da esfera de emprego estatal.

As camadas mais jovens que procuram trabalho, com remunerações adequadas a qualificações que, cada vez mais frequentemente, justificam rendimento superior a salário mínimo, dificilmente obtêm garantias de permanência e progressão no emprego, ultrapassada a fase de estágio de formação.

Segurança laboral que possibilite, no mínimo, acesso a crédito para encetar uma vida autónoma é uma quimera para a maioria que até aos 35 anos aufere salário médios mensais inferiores a 1 000 euros.

O investimento pessoal em formação profissional e académica continua a justificar-se com um diferencial significativo: jovens adultos (entre 25 e 34 anos) com formação superior recebem, em média, mais 73% do que o salário médio de quem tem apenas o ensino secundário.

Os baixos valores das remunerações obstam, contudo, a aceder a níveis de consumo compatíveis com os padrões de comportamento, prestígio e reconhecimento sociais prevalecentes.

«Meu Deus como é bom morar No modesto primeiro andar A contar vindo do céu».

Hoje, nem vislumbre da «minha alegre casinha».

Frustração, ansiedade e desconsideração por um sistema alheio às expectativas de quem ainda mal começou a fazer pela vida gera necessariamente atitudes de protesto, contestação ou fuga pela emigração.

No topo do mundo sente-se, também, a vertigem dos abismos.

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