Banco de Portugal quis mais 500 milhões para Novo Banco, Passos Coelho rejeitou
Governo em 2014 não autorizou valor que daria "margem adicional" ao Novo Banco, revela o director de supervisão do Banco de Portugal, que elogiou o papel "enérgico" do regulador no caso BES.
O Banco de Portugal quis que a injeção pública no nascimento do Novo Banco, em 2014, fosse de 5,4 mil milhões de euros, mas o Governo rejeitou essa possibilidade e viabilizou apenas o estritamente necessário para o banco cumprir rácios – ou seja, um valor 500 milhões de euros abaixo daquilo que o supervisor defendia para dar mais "conforto" à instituição que emergia então das cinzas do BES. A revelação foi feita hoje no Parlamento por Luís Costa Ferreira, director do departamento de supervisão do Banco de Portugal hoje e à data da resolução do BES.
Costa Ferreira confirmou que esteve presente numa reunião no Ministério das Finanças com a então ministra Maria Luís Albuquerque, na qual esteve também o então vice-governador Pedro Duarte Neves. A reunião, explicou hoje Costa Ferreira, "teve exactamente" o objectivo de informar a ministra sobre o valor que o Banco de Portugal queria que fosse injectado no nascimento do Novo Banco. "O Banco de Portugal tinha decidido que o banco precisava de mais 500 milhões de euros – e a resposta [da ministra] deu origem à afectação de 4.900 milhões de euros", explicou.
Durante a inquirição, a deputada Mariana Mortágua citou uma ata do conselho de administração do Novo Banco, de 14 de Agosto de 2014, na qual está escrito que a dotação de capital inicial do banco era insuficiente e que essa necessidade tinha sido comunicada repetidamente ao Banco de Portugal. Costa Ferreira confirmou que os 500 milhões que o Banco de Portugal queria somar à injeção serviam para "dar uma margem adicional", mas que o Governo na altura rejeitou. A pressão política para não canalizar fundos públicos para a banca era forte.
Logo no ano seguinte se tornou claro que a injecção de capital – feita com um empréstimo público de 3,9 mil milhões de euros ao Fundo de Resolução – não seria suficiente para manter o banco a cumprir rácios de solvabilidade. Costa Ferreira explicou que os 4,9 mil milhões estimados inicialmente tiveram por base as avaliações em relatórios anteriores e não numa reavaliação da qualidade e valor dos activos do BES que ficaram no Novo Banco. "Era o montante necessário para cumprir os rácios mínimos com um "buffer" [almofada] mínimo", explicou. A auditora PwC estimaria meses depois um valor semelhante de necessidades financeiras.
A supervisão foi "particularmente enérgica e assertiva"
Costa Ferreira foi chamado à comissão de inquérito porque liderou o departamento de supervisão no último ano de vida do BES. Numa declaração inicial deu o tom para o que seria a sua linha de argumentação ao longo da audição: a ação do Banco de Portugal foi "particularmente enérgica e assertiva". A palavra "enérgica" fora usada noutro sentido na audição anterior, a João Costa Pinto, o coordenador do relatório secreto sobre a atuação do Banco de Portugal, que deixou duros reparos à falta de assertividade do regulador sobre o BES. Para Costa Ferreira, contudo, o regulador foi o mais assertivo que poderia ter sido.
Os deputados foram tentando confrontar o director de supervisão com sequências de factos que ilustram a suavidade, hesitação e excessivo formalismo com que o Banco de Portugal foi abordando o banco liderado por Ricardo Salgado, inserido num conglomerado familiar complexo e com holdings sedeadas no exterior. Costa Ferreira não se desviou um milímetro da linha, tendo citado um acórdão de um tribunal no qual se refere que não podia exigir ao Banco de Portugal mais do que o que foi feito.
A argumentação de Costa Ferreira foi sempre de carácter formal: o Banco de Portugal agiu com base na informação que tinha e que era fornecida pelo BES e pelas auditoras do BES e só em 2013 pôde descobrir os problemas financeiros no banco e no conglomerado de empresas que financiava. Questionado sobre as auditoras, Costa Ferreira não apontou o dedo ao seu trabalho – também sobre o Banco Nacional de Angola, o supervisor angolano da banca, descreveu como "boa" a relação com o Banco de Portugal, apesar de este supervisor ter sido um obstáculo repetido aos pedidos da contraparte portuguesa.
Porta giratória motiva perguntas
Costa Ferreira saiu do Banco de Portugal no final de 2014, o ano da resolução do BES, e foi para auditora e consultora PwC. Em 2017 regressou, a convite de Elisa Ferreira, para o cargo que deixou – um movimento de porta giratória comum no supervisor. Este trânsito entre instituições foi motivo de várias perguntas dos deputados, com Costa Ferreira a confirmar que tinha estado em projectos de consultoria na PwC para praticamente todos os bancos da praça – o serviço, explicou, era o de apoiar os bancos no sentido de perceberem como implementar as complexas regras de regulação bancária.
Questionado sobre se esse papel não representa um conflito de interesses com o que desempenha agora – à frente do departamento que supervisiona esses bancos para os quais foi consultor – Costa Ferreira rejeitou a tese, apontou que passou pelo crivo das regras internas do Banco de Portugal e juntou que a ação e as propostas que o seu departamento faz à administração do regulador são tomadas por várias pessoas e não só por si.
Esta foi a segunda audição da comissão de inquérito à gestão do Novo Banco, na qual os deputados procuram perceber a origem das perdas enormes que em três anos absorveram a maioria da garantia do Fundo de Resolução de 3,9 mil milhões de euros.
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