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O que são os "grooming gangs" e porque o escândalo está a abalar o Reino Unido

Diogo Barreto
Diogo Barreto 09 de janeiro de 2025 às 16:53
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O Partido Conservador, a direita mais radical britânica e Elon Musk estão a utilizar uma rede de abuso sexual para atacar o primeiro-ministro britânico e o seu governo.

Um escândalo sobre uma rede de exploração sexual montada por homens de origem paquistanesa no Reino Unido está a criar pressão sobre o governo de Keir Starmer. Apesar do caso ser público há mais de uma década, voltou a ser amplamente discutido no arranque deste ano à boleia de duas reportagens e da agenda política de Elon Musk.

Na semana passada, a líder do Partido Conservador, Kemi Badenoch, apelou à realização de uma investigação a nível nacional ao "escândalo de gangues de violadores" de meninas no Reino Unido, considerando que "2025 tem de ser o ano em que as vítimas começam a obter justiça", lançando assim uma plataforma para a oposição ao governo. Mas a restante direita quer também ocupar o espaço de liderança.

A rede de exploração

Em causa está uma rede de grooming (aliciamento sexual de menores por parte de adultos) de milhares de jovens meninas, maioritariamente menores brancas, de famílias pobres ou destruturadas. De acordo com a investigação, os membros da rede encontravam raparigas adolescentes, pré-adolescentes ou mesmo crianças, socialmente vulneráveis e seduziam-nas. Depois de as iniciarem na vida sexual, eram drogadas e alcoolizadas e vendidas sexualmente a homens. Em Rotherham e em Rochdale, foi comprovado que os homens responsáveis por seduzir e desviar meninas brancas pré-adolescentes para este esquema eram muçulmanos britânicos de origem paquistanesa, o que tem alimentado o discurso anti-imigração e anti-islâmico no Reino Unido. 

A imprensa britânica noticiou em 2014 que em Rotherham pelo menos 1.400 crianças foram abusadas ao longo de um período de 16 anos. Em Telford, pelo menos mil raparigas foram alvo de abusos. O caso de Rotherham levou à criação da Operação Stovewood, por parte da Agência Criminal britânica, a NCA, que tem vindo a investigar este crime há vários anos. 

Os investigadores da NCA debruçaram-se sobre factos ocorridos entre 1997 e 2013, tendo registado já 1.376 crimes, identificado 1.080 sobreviventes e detido 209 indivíduos. Mas esta investigação abriu outras semelhantes e estima-se que haja dezenas de milhares de vítimas destas redes. Vinte pessoas foram até agora condenadas por crimes relacionados com as investigações.

Alguns dos violadores terão cumprido penas mínimas e estarão em liberdade nas mesmas comunidades em que viviam. Mas as condenações continuam a acontecer. Em junho de 2024 a imprensa britânica dava conta da condenação de sete homens em Rotherham por uma série de abusos de duas raparigas menores, ambas sob proteção dos Serviços Sociais.

Apesar da detenção e condenação de vários dos agressores, suspeita-se que as redes de sedução e de desvio de menores para abuso e prostituição continuem ativas.

Porque voltou à ribalta o caso?

Uma reportagem da GB News e outra do The Telegraph com tons críticos à forma como foram conduzidas as investigações aos casos e à resposta dada depois dos crimes se tornarem públicos, foram publicadas a semana passada. O Telegraph cita um relatório independente de 2022, encomendado pelo anterior governo, que indicava haver "um nervosismo em relação à raça… a roçar a relutância em investigar crimes cometidos por aquilo que foi descrito como a comunidade ‘asiática’" e o medo de "iniciar um ‘motim racial’".

O Telegraph escreve ainda que Jess Phillips, a ministra que tem a cargo a pasta da violência sexual do Reino Unido, se recusou a lançar um inquérito nacional sobre os abusos sexuais levados a cabo por gangues em Oldham, uma zona nos subúrbios de Manchester. Phillips disse que competia às autoridades locais investigarem as denúncias, o que tem sido amplamente criticado.

Apesar dos casos de violação e da rede montada para os promover serem públicos há mais de uma década, o tema voltou às lides graças às redes sociais, principalmente ao X (antigo Twitter). O dono da rede social, Elon Musk, foi um dos impulsionadores da polémica.

O tema chegou ao X no início de 2025 e rapidamente Musk lançou o seu ataque (e como tem acontecido sempre que Musk lança um ataque na rede social, o mesmo é repetido centenas de milhares de vezes por dezenas de milhares de contas). Musk tem republicado acusações de que o Partido Trabalhista estará a tentar proteger o seu líder. "No Reino Unido, os crimes graves como a violação, necessitam do serviço do procurador para a polícia poder acusar os suspeitos. Quem liderava o CPS quando os gangues de violadores puderam explorar jovens raparigas sem enfrentar a Justiça? Keir Starmer", escreveu Musk na rede social X. "Starmer deve sair e enfrentar acusações pela sua cumplicidade no pior crime em massa da história da Grã-Bretanha", escreveu ainda o multimilionário.

Starmer foi o diretor do Ministério Público do Reino Unido entre 2008 e 2013. Foi durante o seu mandato que foram conhecidos os primeiros relatórios para o caso e as primeiras condenações de violadores. O atual primeiro-ministro lembrou isso mesmo recentemente, afirmando ter "atacado de frente" os gangues.

O relatório

O Relatório Independente aos Abusos de Menores, publicado em 2022, apontou falhas a várias agências governamentais na proteção das menores, maioritariamente oriundas de famílias pobres. Concluía que muitas tinham sido abusadas em casas pertencentes ao Estado e que são atribuídas a famílias com baixos rendimentos.

Mas havia também denúncias de que estas menores eram aliciadas em bares de shisha (bares onde se fuma narguilé) e em táxis. No relatório são citadas vítimas que dizem ter sido obrigadas a realizar fetiches sexuais.

Os autores apontam os dedos não só às agências de proteção de menores, mas também às autoridades que investigaram alguns dos casos por terem desvalorizado a gravidade dos mesmos.

Em 2012, quando já dirigia o departamento dedicado aos crimes públicos há quatro anos, Keir Starmer admitiu que a entidade abandonara algumas destas vítimas, referindo a decisão de retirar a acusação contra um suspeito de violação, em 2009, quando havia provas suficientes para deduzir uma acusação.

"Em vários casos que nos foram apresentados, particularmente envolvendo grupos, há claramente uma questão de etnia que deve ser compreendida e abordada. Como procuradores, não nos devemos esquivar disso. Mas se formos honestos, é a abordagem das vítimas, a questão da credibilidade, que fez com que esses casos não fossem processados no passado. Houve uma falta de compreensão", reconhecia o atual primeiro-ministro britânico em 2012.

A direita britânica em busca da liderança

Os líderes da direita britânica têm tentado controlar a narrativa do ataque ao governo de Starmer, mas têm também tentado ganhar espaço entre si. Kemi Badenoch, a líder dos Conservadores, tem apelado repetidamente a um "inquérito nacional completo sobre o escândalo dos gangues de violação" e a condenações duras.

O governo conservador encomendou um inquérito de anos sobre o abuso sexual de crianças, que foi concluído em 2022 e que resultou nalgumas condenações - e que é citado pelo Telegraph. Mas Nigel Farage tem-se apresentado como a "verdadeira" oposição na Grã-Bretanha, afirmando que em 14 anos o Partido Conservador falhou em atacar o problema das violações.

Farage tem elogiado amplamente Musk na esperança de que o dono do X apoie publicamente o seu partido, o Reform. "Ele vai ajudar-nos imenso porque é uma figura heróica, especialmente para os jovens que realmente admiram este homem", afirmou Farage sobre Musk no canal GB News, na sexta-feira passada.

Mas Musk tirou-lhe o tapete ao apoiar Tommy Robinson, um dos membros da direita radical com maior visibilidade no Reino Unido que está a cumprir uma pena de prisão de 18 meses depois de ter admitido estar a desrespeitar o tribunal ao repetir falsas acusações sobre um refugiado sírio. Dois dias depois, Musk afirmava: "O Partido Reformista precisa de um novo líder. Farage não tem o que é preciso".

A reação do Governo

A ministra do Interior britânica, Yvette Cooper, afirmou na segunda-feira que o Reino Unido vai endurecer a lei sobre o abuso e a exploração sexual de crianças, na sequência das acusações feitas ao seu governo. Yvette Cooper afirmou que o governo britânico irá também legislar no sentido de tornar o grooming um fator agravante nos crimes de abuso sexual de crianças e introduzir uma base de dados única sobre abuso de crianças. "Todos nós temos a responsabilidade de proteger as nossas crianças. Os autores dos crimes devem ser punidos e julgados e as vítimas e sobreviventes devem ser protegidos e apoiados", acrescentou Cooper.

Foi igualmente anunciada a criação de um painel de vítimas e sobreviventes para trabalhar com o governo no desenvolvimento de propostas e planos, além do Relatório Independente aos Abusos de Menores publicado em 2022, cujas recomendações não foram implementadas até à data.

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