Secções
Entrar

Dos EUA à Europa: O que esperar da presidência de Donald Trump?

Débora Calheiros Lourenço 20 de janeiro de 2025 às 07:00

O republicano toma posse como presidente dos Estados Unidos esta segunda-feira. Luís Tomé, especialista em relações internacionais, teme por exemplo que a solução para a Ucrânia acabe por favorecer a Rússia.

Donald Trump toma posse esta segunda-feira, dia 20 como o 47.º presidente dos Estados Unidos. O até agora 45.ºvai ser o primeiro condenado a liderar a Casa Brancae o segundo presidente a regressar à Casa Branca depois de ser derrotado numas eleições, juntando-se a Grover Cleveland. Os discursos de abertura estãoprogramados para as 14h30 (9h30 hora local), no edifício do Capitólio.  

Há cerca de um ano, Trump afirmou que seria um "ditador" mas apenas durante as primeiras 24 horas do seu mandato. O republicano já partilhou com os senadores que está a preparar cerca de cem ordens executivas para o primeiro dia da sua administração, tentado apagar a agenda de Biden da Casa Branca. Durante uma entrevista à Time em novembro, afirmou: "Eu consigo desfazer quase tudo o que ele fez através de uma ordem executiva e no dia um, muito será desfeito".  

Luís Tomé, diretor do departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma, explica à SÁBADO que "algumas coisas podem ser realmente suspensas ou alteradas no primeiro dia, mas muitas têm que ir à Câmara dos Representantes e ao Senado". 

O investigador acredita que Trump "está numa posição muito confortável porque tem uma maioria confortável nas duas câmaras do Congresso e no Supremo Tribunal" e esta situação é vista como uma vantagem para conseguir implementar o Project 25 "nos primeiros dois anos do mandato, antes das eleições intercalares". Apesar de o republicano nunca ter admitido estar relacionado com o projeto do The Heritage Foundation, é esperado que vá cumprir muitos dos pontos propostos.  

Durante o seu mandato é também esperado que Trump se foque sobretudo na política interna do país olhando "mais para dentro e menos para a política externa". Ainda assim, não deixa de ser essencial sublinhar que "vai deixar de existir uma frente de democracias contra as autocracias, algo em que Biden se apoiava muito" especialmente devido à proximidade de Trump de atores globais como Xi Jinping ou Putin, não tendo também "qualquer problema em interferir em eleições em países alheios".  

Guerra na Ucrânia acaba nas primeiras 24 horas? 

Durante a campanha, Donald Trump prometeu acabar com a guerra na Ucrânia "no primeiro dia" do seu mandato: "Se eu for presidente vou acabar com a guerra num dia, 24 horas. Vai acabar, vai acabar de certeza". No debate presidencial de setembro garantiu ainda: "Vai estar garantido ainda antes de me tornar presidente. Quando for presidente eleito irei falar com um e com o outro [Zelensky e Putin] e vou conseguir juntá-los". 

No entanto desde as eleições já reconheceu, mesmo sem o dizer abertamente, que pode ter sido demasiado ambicioso e passou de conseguir um "acordo rápido" para "resolver" o conflito deixando cair as metas temporais. Já o general Keith Kellogg, futuro enviado para a Ucrânia, já referiu que a sua meta é alcançar um acordo "nos primeiros 100 dias".  

Luís Tomé acredita que Trump tenha a capacidade de "fechar a paz", mas é preciso entender o que esta paz pode implicar: "Acabar a guerra sem interessar as medidas em que essa paz é alcançada", o que pode favorecer "a Rússia". 

"Nós temos como princípio que é ilegítimo que um país use a força para invadir e roubar território a um país vizinho. O que acontecia até agora era que os aliados do Ocidente diziam à Ucrânia que iriam manter o seu apoio durante o tempo que fosse preciso, e o que se vai passar agora é que ou a Ucrânia aceita a paz nos termos de Trump, mesmo que implique a perda de território, ou perde o apoio dos Estados Unidos". Caso se aplique o segundo cenário, "terá de ser a Europa a garantir o apoio".  

União Europeia só e "frágil"

Luís Tomé acredita que a União Europeia pode ter "problemas sérios" durante a segunda estada de Trump na Casa Branca, ligados à "concretização de um plano trumpiano na Ucrânia" e uma "enorme pressão para aumentar as despesas com a defesa de uma forma para a qual não estamos preparados".  

Além da dificuldade que será "conseguir dialogar de forma coesa com o novo inquilino da Casa Branca", a Europa vive "uma série de fragilidades internas" que dificultam também a sua posição. "Politicamente os dois principais países da UE são atualmente uma incógnita e quando a Alemanha e a França se decidirem o resto da União vai atrás." Além disso, existem também várias situações relacionadas com a NATO, mais concretamente com a Turquia, que podem deixar a situação ainda mais frágil. "A Turquia é um cavalo de Tróia dentro da NATO devido à sua relação próxima com a Rússia, tal como a Hungria, mas assume agora uma nova função devido ao seu envolvimento com a Síria", conflito que "divide dois aliados americanos, a Turquia e Israel". O país que liga a Europa à Ásia está ainda em conflito com a Grécia e o Chipre.  

Assim sendo, a turbulência já existente dentro da UE vai apenas aumentar com a presença de Donald Trump. Luís Tomé recorda que "Trump apoiou o Brexit": "É um aliado que nos quer dividir".  

Trump vai "rebentar o inferno do Médio Oriente"?

Na passada quarta-feira, 15, o Hamas e Israel anunciaram um acordo para um cessar-fogo que entrou em vigor no domingo, um dia antes da tomada de posse de Donald Trump. Está prevista uma pausa inicial de seis semanas e a troca de dezenas de reféns israelitas por prisioneiros palestinianos, existindo até já um plano para um cessar-fogo permanente. 

Apesar de o acordo ter sido atingido ainda na administração de Biden e de o democrata "o ter apresentado como uma vitória e um legado, há uma guerra interna nos Estados Unidos porque muitas pessoas próximas de Trump se estão a vangloriar pelo acordo". A realidade é que nas negociações em Doha, no Qatar, além da equipa de Biden esteve também Steve Witkoff, um empresário judeu que foi nomeado por Trump como enviado especial para o Médio Oriente e fez com que Benjamin Netanyahu quebrasse o shabat para discutir o acordo. 

Por isso, Luís Tomé acredita que "foi um trabalho um pouco dos dois" e um acordo que permitiu a Netanyahu fazer um "dois a um, terminar uma relação tensa com Biden e agradar a Trump". Agora é preciso saber se o cessar-fogo "é a sério". Depois das eleições de novembro Trump ameaçou "rebentar o inferno do Médio Oriente" e apesar de um cessar-fogo fazer diminuir a probabilidade de tal acontecer, o professor catedrático acredita que este mandato vai ser marcado por "uma linha muito maior de apoio a Israel, sem críticas à atuação do país como temos visto a administração Biden a fazer".  

Já o Irão "vai ficar sob maior pressão, tanto diplomática como económica". Porém, "falta saber se esta pressão irá incluir ataques diretos a infraestruturas nucleares e estratégicas". O Irão vive um momento crítico uma vez que "vários aliados do eixo da resistência [como o Hezbollah, Hamas e Síria] estão mais fracos".  

Aproximação à China?

O professor catedrático acredita que "o foco agora vai ser na região do Indo-Pacífico, especialmente na China". Nesta região, Luís Tomé considera que "vamos ter muitas continuidades relativamente à administração Biden": "O apoio a Taiwan vai manter-se".  A diferença pode surgir através da aplicação do slogan de Trump America First, América primeiro: significa que "Trump vai meter os interesses americanos em primeiro lugar, apesar de manter o apoio a Taiwan, vai manter a relação com a China e evitar qualquer confronto direito".  

Enquanto "Biden referiu que se a China usasse a força em Taiwan responderia com força", "Trump disse que não entraria num confronto direto com a China em Taiwan porque não queria demonstrar todas as suas armas", o que marca uma diferença entre o passado e o futuro presidente norte-americano. Já a China garantiu que qualquer ataque teria uma resposta direta, o que pode levar Trump, "a troco de boas relações com a China, a abrir mão de Taiwan, como já aconteceu nos anos 70". 

Luís Tomé crê ainda que acordos que foram celebrados em 2024 por Biden e Xi Jinping vão cair: um exemplo é o acordo em que os dois líderes concordaram que "tudo o que esteja relacionado com o manuseamento de armas nucleares deve ser gerido por humanos, evitando a inteligência artificial", "algo que não se vai manter".  

O professor acredita também que se vai "acentuar a competição tecnológica pelos chips e pelos materiais raros", corrida que neste momento a China está a vencer e que pode justificar o interesse de Trump pela Gronelândia.  

O que vai acontecer nos Estados Unidos?

Luís Tomé alerta que "os Estados Unidos podem tornar numa democracia iliberal, algo muito parecido com a Hungria". Esta questão das democracias iliberais surge em países onde "a vitória eleitoral democrática é vista pelo líder como algo que lhe concede o direito de fazer um país à sua imagem".  

Neste contexto, "o dirigente máximo fala sempre em nome do povo e posiciona-se contra outros atores políticos do ‘sistema’". Trump pode criar uns EUA à sua imagem de forma fácil porque "é o seu Partido Republicano porque o apoia e é feito à sua imagem", "domina todos os setores: o legislativo, executivo e judicial". A nível interno, a gestão das fronteiras tem sido uma das principais bandeiras de Trump, já assim o foi no seu primeiro mandato: o país tem onze milhões de imigrantes em situação irregular. 

"Eu quero fechar a fronteira", afirmou Donald Trump em dezembro de 2023 sobre os seus planos para o primeiro dia de regresso à Casa Branca. Em julho do mesmo ano garantiu: "No primeiro dia da presidência Trump vou restaurar a proibição de viagem, suspender as admissões de refugiados, parar com a realocação e manter os terroristas fora do nosso país".  

Trump também prometeu lançar "a maior operação de deportações em massa" da história dos Estados Unidos.  

Artigos Relacionados
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela