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Miguel Pavão pede ação ao Governo para "estancar a hemorragia" da emigração de profissionais e resolver os problemas de uma classe que pode ser "um recurso útil" no SNS.
O recente estudo “Diagnóstico à Profissão 2025” confirmou aquilo que há muito a Ordem tem vindo a pedir: a necessidade de a tutela de olhar para os médicos dentistas. Os profissionais estão cansados da instabilidade salarial, queixam-se da falta de condições e de proteção social, além de pedirem, há muito, uma carreira no SNS. Por isso, muitos decidem emigrar. Nesta altura 7 por cento dos dentistas portugueses exercem a profissão no estrangeiro - França, Espanha e Reino o Unido são os destinos preferenciais -, alguns deles em exclusividade.
O bastonário Miguel Pavão não esconde que está "preocupado". E não apenas com a perda de médicos para outros países. "A emigração é um escape para a situação que se atingiu em Portugal. Os colegas mais jovens não têm capacidade de encontrar emprego, o mercado está saturado. Tenho o exemplo de médicos que tentaram abrir consultórios e que tiveram de os fechar, optando por ir para o estrangeiro."
Alguns durante o curso já se preparam para a mudança de país; lá fora o mercado é mais apetecível em termos salariais. Segundo o mesmo relatório, há dentistas no estrangeiro a auferir mais de 10 mil euros por mês brutos, valores incomportáveis para quem está em Portugal, onde muitos destes profissionais trabalham por conta de outrém. Como contrariar isto? "O primeiro-ministro disse que os jovens já não optam por ir para fora, mas as medidas ainda são parcas. Há isenção do IRS para os mais jovens e a diminuição da tributação para os que estão fora há mais de cinco anos e que decidam regressar, mas exige-se mais."
Desperdício de recursos
O bastonário lamenta que os sucessivos Governos não olhem para os médicos dentistas "como um recurso útil". "A Medicina Dentária mantém-se como um parente pobre e distante da saúde. Os médicos dentistas podem ser recurso útil, têm capacidades de fazer grandes intervenções, muitas vezes são a primeira fonte de contacto com a população, acabam por acompanhar um conjunto de valências de outras doenças. Os Governos sucessivos desperdiçam um conjunto de profissionais que podem receitar, podem passar uma certidão de óbito... Há dentistas em zonas tão remotas do país onde por vezes nem existe uma farmácia."
Durante a pandemia estes profissionais ajudaram no atendimento de chamadas na linha de SNS24, estiveram 1.400 dentistas na linha da frente. "A Ordem propôs ao Governo reativar esse mecanismo, deram-nos indicação de que era para avançar, mas até hoje não aconteceu nada. Há um desperdício em relação à Medicina Dentária, temos médicos que podiam ser mais bem utilizados. Se houvesse uma reforma de fundo, até podíamos fazer uma formação complementar, em dois ou três anos, que nos habilitaria como médicos de Clínica Geral..."
As atenções na Saúde não podem estar apenas centradas nas emergências (...) Tem de aparecer um ministro que perceba a questão da saúde oral.Miguel Pavão, bastonário da ordem dos médicos dentistas
As propostas da Ordem normalmente têm boa aceitação, mas depois... "Caem no vazio", lamenta Miguel Pavão. "São inúmeros os documentos que mandamos para a tutela e sobre os quais não obtemos resposta. As ordens profissionais são os braços armados para melhorar a saúde e o desenvolvimento do país. Falamos em situações de alterações legislativas que às vezes ficam sem resposta. Por exemplo, durante muitos anos tínhamos a possibilidade de passar certificados de incapacidade temporária, mas em 2024 houve uma legislação que alterou isso. Agora temos médicos dentistas que querem passar uma certidão - por infeções graves ou outros problemas - e não podem. Estamos há um ano à espera, já falei com a ministra várias vezes sobre isto."
Miguel Pavão admite que "quem está na tutela da Saúde tem a cabeça atolada" mas... "As atenções na Saúde não podem estar apenas centradas nas emergências, tem de haver uma mudança de paradigma. O que falta? Vontade política! Tem de aparecer um ministro que perceba a questão da saúde oral. O ministro anterior, o dr. Manuel Pizarro, prometeu uma portaria que mexia no cheque dentista em inúmeros aspetos mas nada foi feito. Agora querem fazer outra. Não há coerência porque as pessoas mudam. Esta ministra da Saúde é trabalhadora, mas tem sido muito fustigada por inúmeras matérias."
O exemplo da Madeira
Na Madeira há um "Portugal idílico" no que diz respeito à saúde oral. Os dentistas têm uma carreira equiparada aos outros médicos, estão nos cuidados de saúde primários, há um regime de convenção com os médicos do privado... "E a Ordem é ouvida", congratula-se o bastonário. "Estive recentemente na Madeira para reunir com a secretária Regional ds Saúde e disse-lhe que sempre que lá vou, conseguimos concretizar medidas de saúde oral."
E por que razão isto acontece apenas numa região autónoma? "Por ter tido governos muito estáveis, a Madeira sai favorecida, não há zigue-zagues. O facto de não terem havido alterações sucessivas não trouxe alterações nas políticas da saúde."
No Continente a saúde Oral "é sempre vista pelo setor privado". "O Presidente da República tem falado em pacto de regime, que deviam ser assumidas linhas estratégicas, que independentemente de se mudar ou não o regime deviam manter-se as linhas de atuação. Mas a saúde oral é sempre vista pelo lado do setor privado."
E "não estamos a falar de investimentos brutais". Segundo Miguel Pavão, o cheque dentista representa apenas "16 milhões de euros". "Se fosse criada uma carreia SNS para 150 dentistas, o Estado gastaria cerca 4 milhões de euros/ano para estes profissionais terem uma carreira equiparada à dos médicos."
Ministros que não percebem
O bastonário sente que falta um ministro que perceba a importância da saúde oral. "Investir em saúde oral traz benefícios em múltiplas doenças. Traz retorno noutro âmbito, não há uma visão reformista. Quem ocupa a pasta da saúde está com a cabeça no imediato. Os ministros que têm vindo para Saúde não percebem do 'metier' da saúde oral. Tem de haver um ministro que tenha um plano de ação. Isso até está contemplado no programa do Governo, mas até acontecer alguma coisa..."
Estancar a hemorragia
Sete por cento de emigrantes em 14 mil médicos com cédula ativa no nosso país parece pouco, mas Miguel Pavão sabe que esse número vai aumentar, e muito, se nada for feito. "Estes dados são de um inquérito feito à classe, mas o número deverá ser maior. E há outra questão, 45 por cento dos que emigraram fizeram-no há mais de 5 anos, significa que dificilmente quererão voltar. Esta semana falei com alguns colegas que já estavam há 12 ou 13 anos em Inglaterra, um deles comprou uma clínica na Gafanha da Nazaré mas não consegue suportar os custos. Está a ir 15 dias por mês a Inglaterra. Isto demonstra a precariedade a que a profissão chegou. Há aqui um desfasamento entre ser europeu em Portugal ou no centro da Europa. Esta tendência não é fácil de atenuar mas os Governos têm de ir mais longe. Estamos a sofrer uma hemorragia do nosso capital humano."
E há novos mercados a surgir. O bastonário revela-nos que começa a haver procura de médicos dentistas portugueses no Médio Oriente, por parte de países como a Arábia Saudita e Dubai. "Este ano tivemos a Nova Zelândia numa reunião da nossa Ordem, também estão a tentar atrair médicos dentistas portugueses. A globalização traz este desafio. A retenção de talentos merece atenção para que esta fuga de cérebros seja mitigada."
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