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As ondas de calor vieram para ficar. E países mais pobres estão em maior risco

Diogo Barreto
Diogo Barreto 03 de maio de 2023 às 08:00
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Estudo calculou quais as zonas do globo em maior risco de sofrer com ondas de calor e incentiva governos a tomar medidas para minimizar efeitos dos aumentos de temperatura.

As alterações climáticas não vão afetar de forma igual e simultânea todas as regiões do globo. Um novo estudo analisou quais as regiões do globo que estão em maior risco de ser afetadas por ondas de calor extremo devido às alterações climáticas e concluiu que são aquelas que têm menos condições para enfrentar as alterações que vão sofrer mais.

O estudo, levado a cabo por uma equipa da universidade de Bristol e publicado a 24 de abrilna revista científica Nature Communications, afirma que as ondas de calor intenso dos próximos anos vão ter efeitos particularmente devastadores nos países e regiões mais empobrecidas do globo. Os cientistas analisaram dados de temperaturas registadas ao longo dos últimos 60 anos, bem como previsões baseadas em modelos matemáticos e a partir desta análise criaram um modelo que ajuda a calcular a probabilidade de se verificarem ondas de calor extremo, bem como os locais onde essas ondas podem acontecer. Segundo os resultados, Afeganistão, Papua Nova Guiné e América Central (Guatemala, Honduras e Nicarágua) são os pontos do globo com maior risco de experienciar ondas de calor extremo nos próximos anos.

Uma onda de calor caracteriza-se por vários dias consecutivos de calor intenso. É um fenómeno atmosférico que pode acontecer em qualquer altura do ano, desde que a temperatura seja superior a 5ºC ao período de referência.

Segundo o estudo, o aumento rápido da população nestes países e o acesso limitado a cuidados de saúde e a reservas energéticas são fatores que dificultam a capacidade de enfrentar os aumentos de temperaturas.

"Há evidências de que essas regiões podem enfrentar uma grande onda de calor e não estariam preparadas para isso", refere Dann Mitchell, professor da Universidade de Bristol, no Reino Unido e coautor do estudo, em comunicado.

Os autores do estudo sublinham que o Afeganistão está em especial risco devido não só ao aumento considerável das temperaturas nos próximos anos, mas também devido à situação económico-social que afeta o país. O estudo refere que a população crescente - e que se prevê que continue a crescer nos próximos anos - e as condições socio-económicas de maior parte dos habitantes tornam a população afegã particularmente vulnerável.

Os autores sublinham que ondas de calor costumam ter efeitos imediatos e também a longo prazo, quer nas pessoas que a sofrem, quer nos vários setores de atividade do país, começando pela agricultura, o que influencia a nutrição populacional. É ainda referido que insolações e exaustões por calor podem desencadear uma ampla gama de sintomas perigosos, incluindo dores de cabeça, tonturas, náuseas e perda de consciência, entre outros e que, em casos extremos, podem mesmo levar à morte.

Os cientistas deram particular relevo a alguns eventos de calor extremo como o de Lytton, British Columbia, onde as temperaturas atingiram os 50 graus Celsius em junho de 2021, quebrando o recorde anterior em quase 5 graus. Segundo os autores do estudo, estas temperaturas não se teriam registado sem as alterações climáticas das últimas décadas.

No relatório recomenda-se aos governos que se preparem para eventos de calor que vão muito além das temperaturas atuais, como a redução das horas de trabalho para trabalhadores ao ar livre, ou a criação de áreas frescas em pontos urbanos, além de continuarem a combater as alterações climáticas através da redução da poluição.

Várias regiões já registraram temperaturas sem precedentes este ano, quer na América do Sul, Ásia e até na Europa. Em Mora registaram-se 36,9º C no dia 27 de abril, um novo recorde de temperatura máxima para o mês de abril em Portugal. Até então, o valor máximo extremo para o mês de abril tinha sido registado em 1945, no Pinhão, distrito de Vila Real. Nesse ano as temperaturas em abril subiram até aos 36ºC.

O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) informou que a semana passada uma massa de ar quente com origem no norte de África e transportada na circulação de um anticiclone localizado junto à Península Ibérica está a atingir Portugal continental.Também Espanha enfrenta esta onda de calor, tendo-se registado um recorde de temepratura em Andaluzia em abril.

Esta massa de ar quente originou "valores de temperatura muito acima da média para a época do ano, em especial da máxima e na região Sul, onde a anomalia prevista para quinta-feira" esteve entre 10º a 15ºC acima da norma climatológica.

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