Quem é Leão XIV? O que pensa o papa americano? O jornalista Christophe Henning tenta responder a estas questões e ficamos com mais pistas. Mas ainda há muito por saber sobre Prevost
"Uma das suas qualidades é justamente essa forma de reserva discreta e atenta de um homem que não se intromete, que não se põe em bicos de pés, mas cuja personalidade irradia uma bondade tingida de autoridade natural." É desta forma que o Cardeal Jean-Paul Vesco, que esteve presente no conclave que elegeu Leão XIV, descreve o novo papa no prefácio do livro que acaba de chegar às livrarias. Leão XIV - o sucessor inesperado apresenta-se como a primeira biografia do novo Papa e foi escrita pelo jornalista francês, especializado em religião, Christophe Henning. O perfil do cardeal Robert Prevost tornou-se conhecido nos dias seguintes à sua eleição e apesar de ser uma escolha surpreendente, ficámos a conhecer a vida privada do norte-americano através das reportagens nos EUA e também no Peru, onde viveu. O facto de ser muito discreto também não ajuda para desvendarmos mais detalhes sobre o novo Sumo Pontífice.
Christophe Henning traça o perfil de Robert Prevost, de 69 anos, com algumas histórias familiares, mas muitas surgiram nas notícias que se seguiram à eleição. Por exemplo, as recordações dos irmãos sobre o facto de sempre ter querido ser padre e ainda que brincava às missas e fazia altares na tábua de passar a ferro foram bastante partilhadas. "Algumas crianças gostam de brincar às guerras e ser soldados? Ele, queria brincar a ser Padre", contou o irmão John Prevost aos jornalistas.
O pai do papa era de origem francesa e italiana. Foi diretor de escola, e serviu como tenente da Marinha dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. A mãe, de origem espanhola, era bibliotecária e era conhecida como Millie. Como escreve o jornalista no livro: "era uma daquelas mulheres que asseguram o bom funcionamento de uma paroquia catolica, uma presenca constante na escola. Membro do coro, foi presidente da Sociedade do Rosário."
A família vivia no bairro de South Side, a sul de Chicago. Só em 1949 é que conseguiram ter uma casa de tijolo, revela. Ficamos a saber pelo irmão John que Robert adorava conduzir. "Quando chegou ao liceu, o passatempo favorito do meu irmão era guiar. Adorava estar ao volante." Os três irmãos estudaram num colégio dirigido pelos religiosos de Santo Agostinho e aos 14 anos Robert decidiu entrar no seminário.
O irmão John recorda que "vinha nas férias de verão, nas férias de Natal durante o liceu e a universidade, depois voltava para a sua ordem." No final do livro, o jornalista partilha uma lista com a cronologia de uma vida dedicada à religião. Em 1981, faz os votos solenes e um ano depois estuda Direito Canónico na Universidade Pontifícia São Tomás de Aquino e a 19 de junho de 1982 é ordenado padre. Depois segue-se a missão na América Latina.
Como escreve o jornalista do jornal La Croix: "Essa primeira experiência junto dos fiéis e dos pobres marca-o profundamente, embora exerça a função administrativa de Chanceler de uma Prelatura territorial remota, em Chulucanas. Em 1987 é chamado de volta aos Estados Unidos, responsável pelas vocações e as missões na província agostiniana de Chicago. Mas muito depressa regressa por dez anos ao Peru, onde é ao mesmo tempo professor de Direito Canónico, juiz eclesiastico e diretor do Seminário Diocesano de Trujillo, uma das mais povoadas cidades do Peru." Aliás, os anos que passa no Peru marcam o Papa de tal forma que, no primeiro discurso enquanto líder da Igreja Católica, dirige-se em espanhol ao povo de Chiclayo, no Peru: "onde um povo fiel acompanhou o seu Bispo, partilhou a sua fé e tanto lhe deu".
Em novembro de 2014, o Papa Francisco nomeia-o Administrador Apostólico da Diocese de Chiclayo, no Peru, e um ano depois torna-se bispo. Robert Prevost sempre foi frontal sobre os temas que o preocupavam, como se explica no livro ao citar um discurso que partilhou no site religioso Expresión: "Peço igualmente às autoridades sociais e políticas que procurem manifestar essa dimensão da paz que vem de Deus,que trabalhem juntas e procurem nesse sentido este dom da paz, da ressurreição, a paz da Páscoa, que não chega senão quando estamos prontos, dispostos a viver a fé, que é o grande dom destes dias." A aproximação ao papa foi aumentando e quando é chamado a Roma e nomeado novo Prefeito do Dicastério para os Bispos vai referir que: "Sabe que estou muito feliz no Peru. Quer decida nomear-me ou deixar-me onde estou, ficarei contente; mas se me pedir que assuma um novo papel na Igreja, aceitarei." Mas como irá contar o Monsenhor Edinson Farfán Córdova, que lhe sucedeu à cabeça da Diocese de Chiclayo: "Ele ama Chiclayo, foi aqui que aprendeu tudo o que hoje vai partilhar com o mundo".
Nas 136 páginas do livro, só os primeiros capítulos são dedicados à biografia deste norte-americano, e o que torna o livro diferente é o facto de compilar os discursos de Leão XIV conhecidos até à data. Por exemplo, as primeiras palavras que dirigiu aos fiéis na varanda da Basílica de São Pedro e a primeira homilia na missa com os cardeais, no dia 9 de maio. Depois junta a mensagem que passou ao jornalista Andrea Tornielli, do Vatican News, quando foi nomeado Prefeito do Dicastério para os Bispos, em 2013. Prevost disse: "Considero-me ainda um missionário. A minha vocação, como a de qualquer cristão, é a de ser missionário, proclamar o vangelho onde quer que estejamos. A minha vida mudou muito, é certo: tenho a oportunidade de servir o Santo Padre, de servir a Igreja, hoje, aqui. […] Terminei a minha missão no Peru, após oito anos e meio de Episcopado e quase vinte anos de missão, para começar uma outra, em Roma."
Os desafios da Igreja e os últimos dias de Francisco
Em janeiro de 2023, o Papa Francisco torna-o Arcebispo e Prefeito do Dicastério para os Bispos, ou seja, passou a ser o responsável pela nomeação dos Bispos do mundo. Prevost teve de voltar a Roma e rapidamente se adaptar ao Vaticano. Descrito como calmo e rigoroso, uma espécie de "Diretor de Recursos Humanos da Igreja Universal" e que, pouco depois tem mais uma mudança na sua carreira: é nomeado Cardeal.
Ficamos a saber mais detalhes do conclave no livro. Uns são públicos - foi com quatro votações que foi eleito. Mas o 267º papa terá sido eleito com os votos de 132 cardeais. Como refere Christophe Henning, Leão XIV é considerado um "reformador moderado", mas "atento aos mais desfavorecidos, sensível à piedade popular e, também, muito certamente, à escuta, aberto ao diálogo."
Christophe Henning destaca ainda os 12 trabalhos que o novo papa terá pela frente. A lista inclui: a atenção aos pobres, continuar a lutar contra a pedofilia, manter o caminho da "sinodalidade", o lugar das mulheres na Igreja, o polémico debate do celibato, encontrar espaço para os tradicionalistas, a reforma da Cúria, a gestão cada vez mais transparente das contas - o Papa Francisco um "saneamento das finanças do Vaticano" - e o acolhimento dos casais homossexuais.
Na biografia, há espaço para percorrer a lista dos famosos cardeais considerados como os favoritos - dos quais Robert Prevost nunca fez parte. Mas como salienta o autor, "Quem entra Papa no Conclave, sai dele Cardeal." Os papabili não costumam vencer. Prevost não sendo a escolha óbvia, como refere no prefácio o cardeal Jean-Paul Vesco, começou rapidamente a surgir como a melhor escolha: "O nome do Cardeal Prevost, repetido boletim atrás de boletim aberto, enche pouco a pouco toda a Capela Sistina."
Agora resta saber a quem temas o Papa vai dar mais atenção. O irmão John Prevost deu algumas pistas e uma delas é o apoio aos migrantes. "Não quero falar por ele, mas penso que ele estima que os Estados Unidos caminham na direção errada em matéria de imigração, que é uma injustiça total. São antes de mais nada seres humanos e, portanto, devem ser tratados como tal. A guerra, isso então… Não sei como vai gerir isso. E uma situação muito difícil, pois faça o que fizer, vai forçosamente ofender alguém."
Mas o autor da biografia não se esquece de mencionar algumas das polémicas em Prevost se viu envolvido. Terá "permitido o acolhimento de um religioso condenado por agressão sexual a menores num priorado agostiniano situado perto de uma escola primária. Num segundo caso [de abuso sexual], relativo a factos que remontavam a vários anos antes e revelados em 2022, quando Monsenhor Prevost era Bispo da diocese de Chiclayo, não teria tomado as medidas necessárias. A diocese afirmou, por seu lado, que o processo tinha sido transmitido a Roma."
A herança de Francisco e os novos desafios
O cardeal argentino foi eleito aos 76 anos e, como defende Christophe Henning, tinha urgência em resolver os problemas da Igreja Católica. Além das questões financeiras, também a Curia foi reformada por Francisco. Em março de 2022 o Papa publicou a Constituição Apostolica Praedicate Evangelium [Proclamai o Evangelho], elaborada para substituir a Pastor Bonus, de João Paulo II. O novo texto tinha como objetivo "instaurar uma governança mais flexível da Curia" e deixar de ser um organismo de controlo centralizador e passar a estar mais centrado nos Bispos.
A preocupação com o escândalo da pedofilia foi uma constante. "Francisco recebeu e ouviu as vítimas de abusos sexuais, que tinham sofrido agressões que remontavam por vezes a dezenas de anos e tinham provocado traumas profundos e duradouros. Ao permitir procedimentos mais rápidos e disponibilizar documentos, até ao ponto de levantar o segredo pontifical no caso de violência sexual e abuso de menores cometidos por membros do clero, o Papa encorajou os inquéritos a respeito dos Padres e Bispos em causa."
Outra herança que Leão XIV recebe é a preocupação com o ambientalismo que Francisco sempre demonstrou. Como escreve o autor da biografia: "o Papa torna-se ainda mais insistente em favor do abandono das energias fósseis, do desenvolvimento sustentável e da ecologia integral, pondo em causa os países ricos pouco propensos a preocupar-se com a urgência climática. Uma questão central para o futuro da humanidade, de que o novo Papa, na esteira do seu predecessor, não se poderá desinteressar."
Há grandes expetativas em relação a este papa e o próprio jornalista, apresentador na RCF Radio Notre Dame, e autor de numerosas obras sobre a vida na Igreja Católica, descreve-o como "sereno, sorridente, o Papa poliglota, oriundo de uma família que mistura as culturas, é sensível à história milenar, ao tesouro que é a Igreja."
Resta saber como vai lidar com os "seis desafios à escala mundial" que vai enfrentar, segundo o autor da biografia. No livro, Christophe Henning alerta para a necessidade do acolhimento dos migrantes, do diálogo com o Islão ou do crescente antissemitismo. Será um Papa do apaziguamento ou mais um conservador? Ao fim de um mês de papado a esperança mantém-se no trabalho deste homem simples.
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