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Arquivos Secretos: Trump diz que “tudo será revelado” sobre JFK

Vanda Marques
Vanda Marques 02 de fevereiro de 2025 às 10:00
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O presidente norte-americano já tinha autorizado a desclassificação de parte dos arquivos e agora vão ser divulgados novos documentos. Será que vão terminar as teorias da conspiração? O especialista em política internacional, Germano Almeida, diz que esta é uma estratégia de Trump para desviar atenções.

A 22 de novembro de 1963, a visita do então presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, a Dallas transformou-se num dos momentos mais marcantes do século XX. Ao lado da sua mulher, a elegante Jackie, o democrata acenava à multidão que o recebia eufórica. Em breve, o carro descapotável onde seguiam iria transformar-se num local de um crime. 

Os três disparos que se ouviram às 12h30 foram fatais. O presidente foi atingido no pescoço e no rosto e ficou a sangrar, no colo da mulher Jackie. Trinta minutos depois, JFK estava morto. O choque tomou conta da América e o presidente Lyndon B. Johnson, que tomou posse pouco depois, criou a Comissão Warren para investigar o caso.

O homicida Lee Harvard Oswald foi preso 80 minutos depois do crime. Estranhamente, o ex-fuzileiro foi morto dois dias depois por Jack Ruby, um homem com relações à máfia. Logo nunca foi julgado. O que só aumentou as teorias da conspiração sobre quem estava por trás da morte de JFK. 

A mãe do assassino, Marguerite Oswald, sempre manteve a sua versão de que o seu filho era inocente. Aliás, ela tentou provar que o filho, que assassinou o 35º presidente dos Estados Unidos, era um agente da CIA e que foi usado para esconder algo muito maior. Ela chegou a ser interrogada na Comissão Warren onde defendeu que o filho era o bode expiatório do caso. "Quem pode provar que ele não era um agente da CIA? Ele não iria dizer que é um agente da CIA, e o governo não vai dizer que era", argumentou.

No entanto, as versões sobre o que estava por trás deste crime não se ficaram por aqui. A famosa teoria da "bala única", defendia que o tiro que atingiu Kennedy e também o governador do Texas, John Connally, não poderia ter sido apenas um. Teriam de ter sido dois tiros diferentes. Apesar das hipóteses levantadas, as conclusões oficiais apontarem para que Oswald tivesse atuado sozinho.

Mas a versão oficial não agrada à maioria dos norte-americanos que continuam a não acredita que Lee Harvey Oswald tivesse agido sozinho. Aliás, uma sondagem da Gallup, de 2013, indicava que 61% não acreditava na versão oficial.  

O facto do Arquivo Nacional dos Estados Unidos ter mais de 5 milhões de páginas de registos fechados não ajudou. Contudo, desde o fim da década de 90 que têm vindo a ser desclassificados e partilhados com o público. No site é possível consultar uma parte e em 2017 Trump desclassificou mais documentos.

Em janeiro, assim que tomou posse decidiu tornar públicos mais documentos. Aliás, o atual presidente norte-americano ordenou ainda que documentos sobre outros dois famosos homicídios fossem desclassificados. Falamos do reverendo Martin Luther King a 4 de abril de 1968, e do irmão de JFK, o senador Robert F. Kennedy, assassinado a 6 de junho de 1968. 

Mas com uma guerra na Europa, uma crise no Médio Oriente, problemas económicos, por que motivo Trump decidiu anunciar este facto como se fosse um assunto de extrema importância? "Uma das dimensões do fenómeno Trump é explorar algumas ideias mais básicas do imaginário americano e alimentar as teorias da conspiração para sustentar que está do lado do povo e afronta o "poder obscuro"", explica à SÁBADO Germano Almeida, especialista em política internacional.

E vai mais longe: "As mortes dos Kennedy, sobretudo a de JFK, mas também a do irmão Bobby, entram em todos os ítens. 'Muitas pessoas esperaram por este momento durante longas décadas. Tudo será revelado', anunciou Trump. Está aqui tudo, dentro da narrativa populista que ele explora: ele chega para dar às pessoas o que até agora estaria a ser escondido." Mas entre os documentos, os que estão a gerar mais interesse são os de JFK. Afinal estamos mais perto de terminar com as especulações? Conheça o que pode ser encontrado nos arquivos.

Porque é que Trump quer desclassificar os documentos sobre o homicídio de JFK?

O presidente dos EUA defende que existe interesse público e que todos os documentos relacionados com o assassinato de JFK devem deixar de ser secretos. Ao longo dos anos têm sido desclassificados vários registos, mas nunca houve uma decisão para libertar tudo. Além disso, o público ficou sempre a questionar-se por que motivo não foram logo desclassificados todos. Ficava sempre a pairar uma suspeição de que estavam a esconder alguma coisa. Por isso, desta vez vão ser disponibilizados cerca de mais quatro mil documentos. 

Foi em 2017 que foram desclassificados cerca de 17 mil documentos, durante o primeiro mandato de Trump. Mas o presidente foi criticado por não ter posto em prática a sua teoria de total transparência, ao referir que os documentos seriam libertado ao longo de três anos. Parece que desta vez quis despachar logo este assunto. Mas será que mesmo essencial? "Não vejo que vantagem isto possa ter. Se algo relevante já deveria ter-se sabido, já o teríamos sabido há décadas. Estas desclassificações apenas desfocarão ainda mais o foco que devemos ter sobre várias decisões altamente danosas para os americanos e para o mundo que Donald Trump já fez desde 20 de janeiro passado", conclui Germano Almeida.

O que é que os documentos já revelaram?

São milhões de documentos da CIA e do FBI que se encontram no site do National Archives e até hoje os investigadores, curiosos e políticos não descobriram nenhum facto que tenha alterado a história oficial. Segundo a NBC, uma das revelações mais interessantes até agora do arquivo era a notícia de que um agente da CIA tinha lido a correspondência de Oswald um ano antes do assassinato. Nem isso alterou a conclusão das autoridades, de que foi Oswald sozinho a engendrar o plano para matar JFK.

Quem quiser procurar outro tipo de factos terá de esperar pelo menos 60 dias até estarem acessíveis. E, na verdade, segundo revelou a NBC só 3% dos documentos ainda não são conhecidos. Especialistas norte-americanos não acreditam que se consiga revelar algum facto capaz de mudar a História. Germano Almeida concorda. "Sinceramente, não creio que seja um tema minimamente relevante para os dias que correm. Já passaram várias décadas, o mundo está muito diferente e o Presidente dos EUA devia ter outras prioridades e outras preocupações."

A desclassificação dos arquivos vai pôr fim às teorias da conspiração ou vão surgir mais?

Até hoje e desde 1963, as hipóteses que foram colocadas em cima da mesa para perceber o que aconteceu naquele dia são muitas. Os números são claros, segundo o procurador Vincent Bugliosi já foram associados ao assassinato de JFK 42 grupos diferentes, 82 assassinos e 240 pessoas suspeitas do seu envolvimento.

Germano Almeida defende que conhecer-se a verdade vai ajudar a esclarecer o caso. No entanto, as motivações do atual presidente dos EUA são outras. "Trump quer alimentar [as teorias da conspiração], não tem a mínima intenção em esclarecer. Aliás, a desclassificação em nada esclarece: o que pôde ter sido investigado foi-o em tempo útil. Não se ter sabido, na altura, quem matou JFK revela que estamos perante um caso em que há muito para alimentar em especulação do que propriamente para esclarecer. Trump gosta de projetar a ideia de que o deep state (estado profundo) mente e esconde, manipulando as peças na sombra e à custa do "povo". Há nesta decisão de Trump apenas e só a intenção de mostrar à sua base que ele, agora no poder, vai desmontar esse suposto deep state." 

Aliás, o jornalista que tem um programa no canal Now e analisa a política norte-americana há mais de 20 anos, defende que a intenção será criar mais teorias. "Temo que as revelações públicas dos arquivos recoloquem na agenda mediática e na discussão pública temas que poderão nunca ter vindo a ser totalmente clarificados e, mais do que revelações ou certezas, sobrevenham essencialmente dúvidas e suspeitas. E, sim, pode ter esse efeito de apenas contribuírem para aumentar o número de teorias da conspiração."

Quais são as teorias da conspiração mais faladas?

Uma das hipóteses mais debatidas é que o homicídio teria sido ordenado pelos russos. Isto porque Lee Harvey Oswald, depois de deixar os Fuzileiros, desertou para a cidade de Minsk, na União Soviética. Outra versão, está relacionada com crise da Baía dos Porcos, portanto as relações com Cuba eram tudo menos pacíficas. Logo, teria sido Cuba a orquestrar o assassinato. E Oswald tinha ligaçoes ao regime de Fidel Castro: participou num grupo a favor do regime castrista nos EUA.

A relação dos irmãos Kennedy e a máfia sempre assombrou o passado da família. Os rumores relacionavam JFK e o seu pai a Sam Giancana, um famoso mafioso de Chicago, que contribuiu para a sua campanha presidencial. O que tinha mudado? O irmão do presidente, Robert Kennedy, era na época procurador-geral e estava apostado em acabar com o crime organizado.

Outra teoria era que a CIA, o FBI e um grupo composto por diferentes agentes, como grandes empresários, estavam tão descontentes com a postura do presidente em relação à crise com Cuba e à Guerra no Vietname que o queriam matar. Nenhuma delas se veio a comprovar verdadeira.

O que escondem os arquivos sobre Robert Kennedy e Martin Luther King?

Morreram cinco anos depois de JFK e também existem várias teorias sobre os casos. Quanto ao senador, irmão do ex-presidente dos EUA, o seu filho já veio a público revelar que acreditava que a CIA estava envolvida no caso. Alias, Germano Almeida explica que esta opinião terá contribuído para a decisão de Trump em desclassificar os documentos. "Robert Kennedy Jr., que foi fundamental no triunfo eleitoral de Trump a 5 de novembro passado, é filho do Bobby Kennedy e após assinar essa ordem executiva, Trump pediu que entregassem uma cópia a Robert Kennedy Jr.", conclui.  Quanto a Martin Luther King também surgiram rumores de que o FBI, a CIA e a máfia o queriam morto. Será que os documentos vão revelar algo mais? Teremos de esperar até estarem todos disponivéis.