Às portas da Amazónia e com mais de 400 anos de história, ergue-se uma cidade rodeada de ilhas. Terra de açaí e pororoca, carimbó e círio de Nazaré, Belém é a capital do brega, recebeu a COP 30 e é a casa do mais recente hotel português no Brasil.
Friedrich Merz é o atual chanceler alemão. Esteve nos últimos dias de outubro deste ano em Belém do Pará, no Brasil, a participar na Cimeira de Líderes, que antecedeu a COP 30, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. No regresso à Alemanha, num discurso em Berlim, durante uma conferência dedicada ao comércio, Merz apontou ao coração de milhões de brasileiros: “Perguntei a alguns jornalistas, que estiveram comigo no Brasil na semana passada, quem gostaria de ficar lá. Ninguém levantou a mão. Todos ficámos contentes por regressar à Alemanha, sobretudo daquele local onde estávamos.” O chanceler referia-se a Belém, capital do estado do Pará, uma das portas de entrada na Amazónia, local onde esteve cerca de 24 horas.
Não se sabe ao certo o que terá visto e experienciado Friedrich Merz em Belém que lhe possa ter desagrado tanto. Ou se não escolheu bem quem o acompanhou na viagem. Ou se os dois dias de reuniões foram tão intensos que não lhe permitiram conhecer a cidade. Talvez tenha sido pelas temperaturas elevadas, como estranhou o governador do Pará. Helder Barbalho deixou um recado nas entrelinhas: “Quem ajudou a aquecer o planeta questiona o calor da Amazónia.” O Presidente do Brasil, Lula da Silva, foi mais direto: “Ele, na verdade, deveria ter ido a um boteco no Pará, devia ter dançado no Pará e provado a culinária do Pará, porque ia perceber que Berlim não oferece 10% do que oferece o estado do Pará e a cidade de Belém.” A SÁBADO Viajante esteve em Belém do Pará, poucos dias antes da chegada do chanceler. Fomos a um boteco, dançámos e provámos a culinária local. Herr Merz, nós gostávamos de lá voltar.
O pretexto da viagem foi a abertura do Vila Galé Collection Amazônia (assim manda a grafia local). O hotel levou 11 meses a ser construído na frente ribeirinha de Belém. A inauguração do 13º hotel do grupo português no Brasil aconteceu poucos dias antes do início da COP 30, estando já em soft opening desde a segunda semana de outubro, quando decorreu em Belém uma das maiores festas religiosas do mundo - o Círio de Nazaré.
Foram quase 30 milhões de euros de investimento para recuperar três armazéns (património histórico local) no Porto Futuro, na frente da Baía de Guajará. Até ao momento do descerrar a placa comemorativa (pelo governador do Pará e pelo fundador do grupo Vila Galé, Jorge Rebelo de Almeida), houve trabalhos de última hora a decorrer, mas quando a banda filarmónica local invadiu a receção, a tocar para os mais de 500 convidados, foi tudo esquecido e começou a festa. Artistas locais, forças vivas da cidade, jovens e menos jovens vestidos a preceito, conviveram até às primeiras horas da madrugada. Haveria mais festa, música e dança nos dias seguintes, mas cada coisa a seu tempo.
Belém existe desde 1616, quando os portugueses que ocupavam o território ali construíram o Forte do Presépio. Era então um pequeno povoado colonial com o nome de Feliz Lusitânia. Localidade e fortificação acabaram por mudar de nome. Hoje é Forte do Castelo do Senhor Santo Cristo ou, simplesmente, Forte do Castelo, onde, todos os dias, ao fim da tarde, as muralhas recebem visitantes em busca do pôr do sol sobre a baía do Guajará.
O Pará é um dos nove estados brasileiros por onde se estende a Amazónia, floresta que ocupa cerca de um terço da América do Sul. A capital é composta por um conjunto de 42 ilhas fluviais, além de todo o território terrestre, e foi a sua localização que contribuiu para o desenvolvimento da região. É uma das portas de entrada para a Amazónia e tem no historial corridas ao ouro e extração massiva de borracha. É uma cidade de vaivém, de serviços, ocasionais e permanentes, com alma vincada de cidade portuária. No mercado mais famoso, junto às águas do rio Guamá que chegam à baía, há estrelas da companhia, como o açaí, as castanhas (de caju e do Pará) e o peixe. O Ver-o-Peso tem nome singular e quase 400 anos de atividade. Vale cada minuto da visita. Utensílios de cozinha e de eletrónica, roupa e poções para o mau-olhado, virilidade e afasta-sogras, legumes, especiarias, fruta e cachaça, vendedoras e compradores do jogo do bicho, DJs de bicicleta, pregadores do fim do mundo, turistas e locais, de sacos de plástico na mão e mochilas apoiadas no peito, gente que se cruza à procura de qualquer coisa. Vemos tudo a partir dos bancos altos do boteco da esquina. Duas águas e duas cervejas geladas para combater o calor e a humidade ajudam a passar o tempo enquanto o mercado vai afrouxando o ritmo. Nas bancas de peixe ainda há pirarucus e outros peixes com nomes difíceis de pronunciar. Já dançámos, já nos sentámos num boteco. Falta, como disse o Presidente Lula, provar a culinária do Pará e nem é preciso andar muito.
Um dos motivos que mais gente leva ao mercado Ver-o-Peso é a restauração. Sobre as águas e encostados ao mercado estão dezenas de pequenos restaurantes especializados em peixe frito com açaí. Pode até parecer uma combinação estranha, mas o fruto de cor roxa proveniente da palmeira que lhe dá nome é quase obrigatório nestas paragens. Sabe diferente daquilo a que se pode estar habituado em Portugal e também a textura é menos espessa. Exceto se, como fez a senhora sentada na mesa ao lado do Cleydi 41 (um dos restaurantes), começar a encher de açúcar, farofa e tapioca a tigela de açaí. Com o peixe frito a acompanhar.
Há outro mercado na cidade, a seis quilómetros de distância, que oferece uma realidade completamente distinta da cidade. O Mercado de São Brás data de 1911, esteve vários anos ao abandono e, hoje, os seus três pavilhões e 3.000 metros quadrados, são dos pontos mais trendy da cidade. Os edifícios entre a arte nova e o neoclássico têm agora lojas contemporâneas com produtos da região, restaurantes de cozinha local e internacional e área de exposições. Menos ruidoso e autêntico, é uma excelente alternativa para quem não se quer meter no olho do furacão. No entanto, é na Cidade Velha que encontramos as melhores razões para ficar. Por lá está o Complexo Feliz Lusitânia, que compreende museus, palacetes, casarões e a Catedral da Sé, de onde parte, no segundo domingo de outubro, a procissão do Círio de Nazaré. É assim desde 1793, juntando agora mais de 2 milhões de fiéis neste dia.
A cidade das mangueiras, por ter cerca de 12 mil destas árvores, tem uma forte componente de Belle Époque na sua arquitetura, com os palacetes, as grandes praças e as ruas calcetadas. Tem também uma outra face, mais descuidada, poluída e potencialmente perigosa. É uma realidade de tantas outras cidades, desta e de outras dimensões maiores. Faz parte da experiência.
Na Cidade Velha vai também poder encontrar o Parque Mangal das Garças e um restaurante que parece ter tudo de positivo: localização, ambiente e qualidade da comida. É o Casa do Saulo, no histórico Palacete das Onze Janelas. Mais uma boa opção para ver o Sol a despedir-se sobre as ilhas, que estão quase sempre presentes no dia a dia de Belém. Equivalem a 65% do território e estão à mão de semear. A do Combú fica a 20 minutos de lancha rápida e tudo muda. À medida que o barco se afasta do porto e a cidade vai ganhando dimensão e camadas, com o skyline a alterar-se de uma pitoresca Belém junto ao rio para uma metrópole com milhão e meio de habitantes, 71 bairros e fraco saneamento básico. Tudo parece diferente e fazer sentido, apesar de esta visão de grandeza voltar a perder força quando a lancha encosta no cais de madeira da ilha do Combú. A pequena plataforma alberga uma escada para o piso superior da construção palafítica que é um dos muitos bares e restaurantes da ilha. Quase todos oferecem os mesmos serviços: de passeios na floresta a incursões de barco pelos canais, visita às povoações, almoços inesquecíveis e um suave batismo de selva. Nas mesas, volta o açaí em tigela. Desta vez, optamos pela caipirinha de jambu, uma erva anestesiante da Amazónia. A boca fica dormente, o sabor é invulgar, mas bom.
Outra opção, é visitar a ilha de Marajó. Já teve outros nomes, como Marinatambal (indígena) ou Ilha Grande Joannes (colonizadores europeus), mas é como a atual Marajó que desperta a atenção dos visitantes da região, significando algo como emaranhado de caminhos. A vegetação é exuberante, com destaque para açaí, buriti e várias plantas medicinais, além de extensas áreas de manguezal, No passeio a Marajó vai poder também percorrer os canais de barco, visitar fazendas de búfalos, mergulhar na cultura local e deixar-se levar pela gastronomia local, com pratos à base de peixe e carne.
Se ainda tiver tempo, vá conhecer a mítica pororoca, o encontro das águas do rio Amazonas com o oceano Atlântico. De barco, moto de água ou avião, o fenómeno é visível, mas dizem que a melhor forma de conhecer a onda é surfá-la. Não foi o nosso caso, muito menos o do chanceler alemão.
O regresso a Belém, ao fim da tarde, leva mais tempo. Mudamos da lancha rápida para um barco médio de passageiros, maior e mais lento. Numa hora regressamos aos cais renovados junto ao Vila Galé Collection Amazônia para um merecido jantar com caldeirada local, peixe grelhado, carnes e frutos exóticos. Depois, haverá DJ junto à piscina, Gabriela Hebling, antiga concorrente de um reality show brasileiro, cantora, percussionista e artista plástica.
A melhor explicação é ouvir Gaby Amarantos, para ficar com uma ideia do ritmo e do contexto. Esta atração pela batida vem de outros tempos, quando a população negra deu início a festas de batucada e devoção afro-brasileira, como os sambas noturnos ou o bumba meu boi.
Foi uma interação cultural de gente de todo o mundo, já que a partir da década de 1870, o Ciclo da Borracha trouxe riqueza. Até aos anos de 1920, Belém liderava no campo das tecnologias da época, como foi o caso do Cinema Olympia (desde 1912 e ainda ativo) ou o Theatro da Paz, em plena Praça da República. Hoje, tem as suas dores de crescimento, como a maioria das capitais estaduais sul-americanas. A disparidade económica e social vê-se nas ruas, lado a lado com património histórico e cultural, dos edifícios às danças e ao folclore. Belém não é para meninos. Nem é para vir com o tempo contado e uma agenda preenchida. Nenhum destino o é, se quisermos dar uma opinião com valor acrescentado. A capital do Pará não é um caso de amor à primeira vista, mas tem qualquer coisa de desafiante e terno que vale a pena tentar descobrir. Tem uma certa aura, uma estrelinha.
FICAR
Vila Galé Collection Amazônia
Tem 227 quartos, inspirados em mulheres célebres como Fernanda Torres, Natália Correia ou Cleópatra. O hotel de cinco estrelas tem 6.000 m2, dois restaurantes, Clube NEP para os mais novos, bar, spa, piscinas exterior e interior e salas de eventos. Quarto duplo com pequeno-almoço a partir de €157.
VISITAR
Ilha de Marajó
Fica a cerca de duas horas de viagem de barco de Belém do Pará (a partir de €9 por percurso) e é uma ilha fluvial, considerada uma das maiores do planeta (mais de 40 mil km2 de área). Foi aqui que os Marajoaras viveram entre os anos 400 e 1400, uma sociedade matriarcal que se dedicava à cerâmica e ao cultivo de mandioca. A vegetação é exuberante; na fauna, a diversidade continua, com macacos, tamanduás, jacarés, cobras, tartarugas e mais de 400 espécies de aves.
Em 24 horas
Foi o tempo que o chanceler alemão esteve na cidade. Daria para visitar o Complexo Feliz Lusitânia, almoçar no mercado Ver-o-Peso, ir, à tarde, ao Museu das Amazônias e esperar pela noite na Estação das Docas
A não perder
Amazônia
A exposição póstuma de Sebastião Salgado é uma joia em Belém ao alcance de todos. O Museu das Amazônias fica no Porto Futuro, e apresenta cerca de 200 fotografias do génio brasileiro da imagem, além de vídeos e muita informação sobre os povos e os fenómenos amazónicos.
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