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Assédio no jazz. Arquivado inquérito contra o pianista João Pedro Coelho

Lusa 27 de fevereiro de 2025 às 19:39

"Não foi apresentada queixa no prazo legal para o efeito", alega o Ministério Público para justificar o arquivamento. "É uma injustiça muito grande que por questões temporais o caso não siga para a frente", afirma denunciante Liliana Cunha.

O inquérito aberto após a denúncia da DJ Liliana Cunha contra o pianista João Pedro Coelho foi arquivado por a queixa ter sido apresentada mais de um ano após o alegado crime ter acontecido.

AP Photo/Rebecca Blackwell

De acordo com fonte oficial do Ministério Público, em resposta a um pedido da Lusa, "o inquérito conheceu despacho de arquivamento porque, estando em causa crime semipúblico, não foi apresentada queixa no prazo legal para o efeito".

A DJ Liliana Cunha, conhecida no meio artístico como Tágide, fez no início de novembro do ano passado uma denúncia nas redes sociais, identificando o pianista dejazzJoão Pedro Coelho como o alegado agressor.

Depois de denunciar publicamente o seu caso, a artista apresentou queixa na PSP contra João Pedro Coelho, acusando-o de violação e 'stealthing' (não-utilização ou retirada de preservativo sem consentimento do/a parceiro/a), numa situação alegadamente ocorrida em maio de 2023.

Pouco depois de a denúncia ter sido tornada pública, o músico refutou as acusações e reclamou "total inocência", através das redes sociais.

Em dezembro, o Ministério Público confirmou à Lusa que tinha sido aberto um inquérito, que estava em investigação no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP), mas não esclarecia os crimes pelos quais o pianista de jazz estava a ser investigado.

Em Portugal, as queixas por violação têm de ser apresentadas no prazo de um ano após a ocorrência do alegado crime e o 'stealthing' não é considerado crime.

Em declarações à Lusa, Liliana Cunha lamenta que o processo não chegue sequer a tribunal, "à parte de ouvir as testemunhas, de ouvir os dois lados, tentar entender o que se passou".

Para a artista, "é uma injustiça muito grande que por questões temporais o caso não siga para a frente, e a pessoa em causa fique ilibada de qualquer eventual sanção ou o que quer que seja que lhe fosse imputado".

"As vítimas precisam de imenso tempo para expor o assunto, e por vezes até para se aperceberem que foram vítimas", afirmou.

Embora o inquérito tenha sido arquivado, o empenho de Liliana Cunha mantém-se: "A parte de consciencialização do 'stealthing' é muito importante e vai continuar, nesta campanha de ativismo".

Na sequência da denúncia que fez, foi lançada em 16 de novembro uma petição 'online', com os signatários a pedirem uma alteração da lei portuguesa para criminalizar o 'stealthing' como "uma violação do consentimento sexual", de modo a que as vítimas tenham "um processo claro para oficializar a denúncia e buscar justiça".

Em quatro dias foram angariadas as 7.500 assinaturas necessárias para que seja discutida no parlamento.

De acordo com a artista, a petição deve ser entregue na Assembleia da República em março.

A denúncia pública de Liliana Cunha levou outras pessoas a partilharem histórias de assédio e abusos no meio artístico português.

Ao longo dos últimos quatro meses, Liliana Cunha contabilizou cerca de 180 denúncias de assédio e abuso, tanto sexual como moral e de poder, de violação e de agressão, relativas a mais de 75 pessoas do meio artístico, a larga maioria homens e incluindo trabalhadores de instituições de ensino.

De todas as denúncias, dez passaram a queixas apresentadas às autoridades.

O número de denúncias chega agora em menor número do que nas primeiras semanas, mas "o canal de denúncias continua aberto" e várias pessoas têm partilhado as suas histórias com Liliana Cunha, muitas vezes sem nomearem o nome do alegado agressor, "por medo".

Quando as primeiras denúncias vieram a público, a associação Plateia lamentou a inexistência de uma plataforma de recolha de queixas e de um sistema de "proteção eficaz" das vítimas, defendendo uma mudança estrutural, que ajude na prevenção e promova alterações legislativas.

Na mesma altura, outras associações contactadas pela agência Lusa manifestaram preocupação e apontaram a necessidade de reforço de medidas.

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) apelou para que as denúncias fossem levadas a sério e que não desaparecessem "na espuma dos dias", a Associação Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento (MUTIM) e a Associação para as Artes Performativas em Portugal (Performart) pediram canais oficiais, apropriados e eficazes para denúncias de abusos e assédio no setor.

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