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Violência contra mulheres. “Ainda há muito caminho por fazer” para reduzir o abuso digital

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Jovens entre os 14 e os 16 anos são das que estão mais expostas a violência sexual digital.

O dia 25 de novembro assinala o Dia Mundial para a Eliminação de Violência contra Mulheres e num mundo cada vez mais digital, a violência online afeta mulheres de várias faixas etárias, mas com uma maior incidência nas mais jovens. 

“Ainda há muito caminho por fazer” no que toca aos mecanismos para minimizar a violência digital contra mulheres
“Ainda há muito caminho por fazer” no que toca aos mecanismos para minimizar a violência digital contra mulheres iStockphoto

Segundo o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) intitulado “Estimativas da prevalência da violência contra as mulheres”, uma em cada três mulheres, ou seja, cerca de 840 milhões em todo o mundo, já foi vítima de violência física e ou sexual por parte de um parceiro íntimo ou por parte de outra pessoa pelo menos uma vez da vida. 

Só no último ano, 316 milhões de mulheres foram vítimas de violência física ou sexual por parte de um parceiro íntimo. Segundo dados da OMS, o processo na redução deste tipo de violência tem sido lenta, com um declínio anual de apenas 0,2% desde o início dos anos 2000. 

A violência digital contra mulheres, que tem como objetivo “humilhar, controlar ou intimidar”, como descreve Inês Marinho, ativista e criadora da associação Não Partilhes, que apoia sobreviventes de violência sexual baseada em imagens, pode incluir atos de “comentários misóginos, ameaças, perseguição online (stalking), divulgação não consensual de imagens íntimas, criação de conteúdo íntimo falso com recurso a inteligência artificial” ou “cyberflashing”.   

Partilha de imagens sem consentimento

À SÁBADO, Carolina Soares, gestora da Linha Internet Segura e coordenadora da Unidade de Cibercrime da APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, explica que a violência digital é “um fenómeno que pode ter facetas diferentes” e uma das mais visíveis é a da partilha de imagens íntimas. E nessa partilha, as mulheres são afetadas de forma desproporcional pela forma como “a imagem da mulher é encarada em geral”, defende Carolina Soares.

Mesmo em situações em que a fotografia em causa possa ter sido tirada de forma consentida, "existe a partilha com um terceiro” por parte do recipiente e há até situações em que entram em grupos de partilha de pornografia no Whatsapp, Telegram ou ainda para sites pornográficos. Por norma, as imagens circulam em sites "pequenos" e que conseguem fugir aos regulamentos adotados pela Comissão Europeia para combater este flagelo.

Outro flagelo é a criação de imagens íntimas com mecanismos de Inteligência Artificial (IA). A especialista da APAV revela que “muitas pessoas consideram que por ser uma imagem de IA não conta”, daí existirem casos que podem não ser relatados uma vez que não existe a certeza “se se tipifica como crime”. São as raparigas menores que estarão mais expostas a este tipo de violência, “entre os 14, 15, 16 anos e depois no início da idade adulta”, refere .

Ainda, Inês Marinho refere a existência de plataformas como a TakeItDown ou a StopNCII “que permitem carregar imagens próprias e criar um registo que impede, ou remove rapidamente” a divulgação não consensual de imagens.  

O ciber-bullying sexualizado

A sexualidade indesejada é também outra vertente de violência digital à qual as mulheres estão mais expostas, ou o “bullying sexualizado”, ou seja, quando um utilizador publica imagens, mesmo num contexto não-sexual e outros utilizadores "sexualizam" a imagem. 

Muitas vezes, as imagens podem “ir parar a chats ou fóruns, aplicações de encontros ou de acompanhantes, com o número de telefone ou rede social dando a entender que a pessoa está disponível para esse tipo de interação” sexual. Esta situação pode obrigar a vítima  a arranjar um novo número de telefone ou criar uma página numa rede social nova.

Outra forma de abuso digital que ocorre mais em ambiente escolar é a classificação entre pares, ou seja, páginas de redes sociais de escolas onde “fazem sondagens ou fazem classificações a alunas ou espalham boatos” e incide mais sobre raparigas “cujo objetivo é difamar ou de devassa”. 

Violência doméstica digital

Mesmo na violência doméstica pode haver um aspeto de violência digital, refere a especialista da APAV, com “contornos de controlo de equipamentos” mas também a instalação de “spyware” para haver um controlo do conteúdo que a vítima está a consumir e a produzir. 

Questionada sobre métodos que podem ajudar a prevenir casos de violência digital contra mulheres, Carolina Soares acredita que “programas de prevenção podem ajudar e os governos têm um papel importante porque têm o poder de decidir essas medidas preventivas” mas que é necessário trabalhar em questões como “a empatia e o respeito”. “É necessário estabelecer parâmetros, trabalhá-los desde cedo para que mais tarde possa ajudar a prevenir” este tipo de situações, explica a especialista. 

Num ponto de vista “macro”, como considera, Carolina menciona que existem regulamentos que a Comissão Europeia “está a avançar”, nomeadamente dos Serviços Digitais, que apresentam medidas “direcionadas para crianças e para a IA”. Por um lado definem “muitas das métricas em torno do conteúdo ilegal”, que varia de país para país, mas este regulamento só é aplicável “no seu estado maior, às maiores plataformas” como a META. Muitas das plataformas pornográficas onde vão parar as imagens partilhadas sem consentimento, “não se inserem na definição [traçada pela Comissão Europeia]” ou seja, as medidas não são aplicáveis. 

O combate

“Há um foco no conteúdo e não no contexto maior de violência”, afirma Carolina Soares, especialmente em casos de perseguição, acrescentando que “ainda há muito caminho a fazer junto das plataformas”. Também é importante dar meios e mecanismos às autoridades competentes “para conseguirem fazer o seu trabalho de forma célere na obtenção de provas". 

À SÁBADO Inês Marinho refere ainda que a prevenção deste tipo de violência passa antes demais pela “educação sexual e pela literacia digital: saber nomear a violência, identificar riscos, pedir ajuda e conhecer os mecanismos de denúncia”. A ativista refere que apesar de existirem mecanismos a nível nacional e europeu, “é necessário reforçar a fiscalização, obrigar plataformas e motores de pesquisa a atuar com mais rapidez e garantir que ferramentas de IA respeitam regras claras sobre produção e circulação de conteúdos íntimos falsos”.   

Existem sinais de alerta de que alguém próximo de si pode estar a sofrer de violência digital ou outras formas de abuso. Carolina Soares chama a atenção para uma “inibição de participação em contexto de grupo ou sociais, alterações de comportamento de inibir ou desinibir em excesso, perturbações alimentares ou distúrbios de sono”. E chegar a estas pessoas é essencial para combater o fenómeno social. São pequenas mudanças que talvez quem esteja fora do círculo mais próximo não repare mas se notar é importante “estar junto da pessoa, mesmo que não tenha pedido diretamente e gerar ao máximo um escudo protetor em volta da pessoa” mas também “dar espaço” pois cabe à vítima partilhar a situação no seu próprio tempo.   

A criadora da Associação Não Partilhes acredita que a melhor forma de mostrar apoio é “oferecer um espaço seguro e sem julgamento” mas caso não se sinta preparado, “entidades como a Associação Não Partilhes ou a APAV, podem orientar, dar apoio psicológico e legal e ajudar na gestão de conteúdos abusivos”.   

Notícia atualizada às 8h29

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