Os contratos começaram a ser executados, mas o Estado moçambicano começou a atrasar-se nos pagamentos, apesar de os trabalhos decorreram no terreno. Segundo o relatório de contas da Municípia, em 2019 só receberam 30% do cliente. A empresa escreveu que a sua parceira moçambicana (Municípia MZ) "entrou em rutura de tesouraria em diversas situações, o que originou a impossibilidade de usar a sua conta bancária".
A Municípia alega que teve necessidade de transferir dinheiro para Moçambique para pagar contas. A situação continuou em 2020 e 2021. Nesse relatório de 2019, era dito à página 79: "A Municípia [efetuou] transferências de adiantamento para o gerente da sociedade [Edson Borges], devidamente registadas." Tinham sido €661.145. Em 2020, as transferências totalizavam já €781.880, e em 2021 chegaram a €1.098.592.
Na auditoria externa, e na fase de contraditório, a Municípia passou a alegar que "não se vislumbram razões para a invocação de que a Municípia MZ teria entrado em rutura financeira". Também invocou que é "objetivamente falsa" a afirmação de que houve transferências para Edson Borges.
Os auditores recordaram o que Municípia escreveu nos seus relatórios de contas no passado e, no caso de Edson Borges, "foram disponibilizados pela Municípia documentos que demonstram terem existido transferências para duas contas bancárias de Edson Borges no montante de €31.200 em adição a um número elevado de transferências de fundos através de serviços de envio de dinheiro - Western Union ou Moneygram para Edson Borges (no montante de €86.587,79)".
Embora os auditores admitam esta tipo de pagamentos e transferências, "atentos os motivos invocados para a sua realização, bem como a responsabilidade solidária estabelecida no âmbito dos respetivos concursos públicos e contratualmente assumida pelas consorciadas perante as entidades adjudicante", levantam no entanto alguns problemas neste fluxo de dinheiro, que não parece estar concluído. Ou seja, há dinheiro que não regressou à origem.
Diz a auditoria que "não foi possível comprovar no extrato contabilístico das contas bancárias o recebimento do montante €76.160,59 relativo à devolução pela Municípia MZ de remunerações pagas pela Municípia". Mais ainda, "de acordo com os registos contabilísticos da Municípia", esta tem a receber da Municípia MZ, à data do relatório (junho de 2024), "um saldo de €466.672,21".
Assim, "a Municípia MZ não conseguiu reembolsar a totalidade dos adiantamentos à Municípia; caso não reembolse o saldo de €466.672,21 a Municípia deverá reconhecer uma imparidade". Os auditores dizem ainda que "a Municípia deveria ter realizado uma análise de risco financeira e implementar ações de mitigação relativamente à incapacidade da Municípia MZ fazer face às suas obrigações dentro do consórcio".
Como resumiu a este propósito António Perez Metelo, ex-jornalista, deputado municipal em Oeiras pela Coligação Evoluir Oeiras (Livre, BE e Volt), "uma imparidade é quando se reconhece que a dívida é incobrável" (ver sessão da Assembleia Municipal de Oeiras de 23 de julho de 2024, onde se discutiu a auditoria, a partir dos 1'10''50).
Numa reunião do executivo de 3 de julho de 2024, onde a auditoria foi falada, Duarte Mata (que substituiu Carla Castelo nessa reunião) referiu que "é bastante relevante em que a Municípia MZ não conseguiu reembolsar até à atualidade os adiantamentos da Municípia, no valor de quase meio milhão de euros, e portanto, há dinheiro que vai daqui e que, em último caso, quem o coloca na percentagem correspondente à participação são os munícipes de Oeiras, que depois vão cobrir as falhas da empresa se houver imparidades mais à frente".
A esse propósito, refira-se que as empresas municipais não podem apresentar resultados negativos, o que obriga os acionistas a cobrir qualquer défice. Em 2020, por exemplo, no auge dos negócios em Moçambique, a empresa apresentou um resultado líquido negativo de €1.596.118, o que obrigou os acionistas (ao abrigo da lei que regula as empresas municipais) a transferirem quase o mesmo valor para reequilibrar contas. Só a Câmara de Oeiras, e por ser a principal acionista, teve de injetar €867 mil.
A contestação
A questão dos fluxos financeiros entre a Municípia e a Municípia MZ, bem como o papel de António Fernandes, serão o principal foco dos procuradores do Ministério Público (fica por esclarecer para já por que é quer foram fazer buscas á Câmara de Oeiras, uma vez que não é lá a sede da Municípia).
O artigo da SÁBADO de 2023 aflorava outros assuntos, também abordados na auditoria externa, como a compra e venda de equipamento entre a Municípia e a Municípia MZ, ou o contrato de consultoria que António Fernandes fez, a título pessoal, com uma entidade pública moçambicana ao mesmo tempo que era funcionário da Municípia.