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Álcool, ausência de um punhal, baleado e espancado. O que MP apurou das circunstâncias da morte de Odair Moniz

Diogo Barreto
Diogo Barreto 29 de janeiro de 2025 às 20:11
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Acusação refere que Odair foi atingido com dois tiros disparados a curta distância e posteriormente agredido com um bastão quando já estava no chão. Acusação não refere que Odair empunhava uma faca.

O Ministério Público (MP) acusou de homicídio o agente da PSP que disparou sobreOdair Monizna Cova da Moura, na Amadora. Na acusação, o MP refere que já depois de Odair ter sido atingido com dois tiros e estar prostrado no chão, um outro agente desferiu-lhe um golpe com o bastão extensível. Acusaçãodesmente ainda Direção Nacional da PSP que escreveu em comunicado que tinha sido encontrado um punhal na posse de Odair

No início da acusação informa-se, como tinha avançado a CNN e confirmou a SÁBADO, que o MP extraiu uma certidão para investigação autónoma depois de suspeitar que houve falsificação no auto de notícia elaborado pela PSP relativamente à morte de Odair Moniz, na Amadora. O auto é assinado pelo agente suspeito de ter feito os disparos, mas a linha do tempo mostra que o mesmo foi escrito enquanto o arguido estava a  ser ouvido pela Polícia Judiciária (PJ). O documento foi elaborado às 14h55 de 21 de outubro de 2024, em nome do agente. No entanto, este começou a ser ouvido pela PJ às 14h40 e a diligência prolongou-se até às 18h, o que impossibilitava que tivesse sido o polícia a descrever o que se passou na Cova da Moura.

De acordo com a acusação, na madrugada de 21 de outubro de 2024, pelas 5h25, dois agentes da PSP avistaram um carro a sair do interior do Bairro Alto da Cova da Moura, dirigindo-se para a estrada que liga a Buraca à Damaia. Ao avistar o carro onde estavam os agentes, o condutor mudou a trajetória, pisando um traço contínuo, seguindo em direção ao interior da Cova da Moura.

Os agentes, depois de terem testemunhado a infração de trânsito, iniciaram a perseguição e deram ordem de paragem através das sirenes luminosas no topo do carro, mas Odair desobedeceu e acelerou de forma a fugir. 

A acusação do MP diz que na fuga, Odair colocou a vida de cidadãos em risco ao seguir em alta velocidade por uma artéria movimentada do bairro. Depois de Odair entrar na "Rua Principal, colocando a vida e integridade física de quem circulava na artéria em risco", os agentes decidiram desligar a sirene e abrandar a perseguição para não colocarem em risco os cidadãos. Passados alguns instantes, o condutor que fugia das autoridades despistou-se e embateu contra vários carros. Nesta altura os agentes pediram, via rádio, apoio policial, que só viria a chegar depois de Odair ter sido baleado. 

Saído do carro, o agente que ia no lugar do passageiro disse a Odair, que tinha entretanto também abandonado o seu carro: "Polícia, mãos na cabeça, deita no chão", tendo repetido a ordem ao mesmo tempo que sacava a arma do coldre e colocava uma munição na câmara, apontando a arma às pernas de Odair. Enquanto isto acontecia, o agente que ia a conduzir saía do carro e dirigiu-se a Odair. Terá tentado prender as mãos do civil que "levantou o braço para o impedir". Os dois envolveram-se numa altercação física com a vítima a tentar fugir das autoridades mesmo depois de ter recebido um golpe do bastão extensível.

O arguido acabou por fazer um disparo para o ar e, como Odair não obedeceu, foi disparado um segundo tiro. Quem estava na rua começou a fugir depois de ouvir os disparos e Odair tentou passar pelos dois agentes.

Nessa altura, Odair terá atingido o arguido com um murro na cara. Em reação, para conseguir criar distância, o agente disparou um tiro que atingiu o seu agressor no lado esquerdo do tórax. Estaria a uma distância entre os 20 e os 50 centímetros do seu alvo, refere o MP.

Depois de ser atingido, Odair permaneceu de pé e o agente recuou, ficando a uma distância inferior a um metro de distância (entre os 75 centímetros e um metro). Fez mais um disparo que atingiu Odair nos genitais e na perna direita. Depois do homem cair ao chão, o outro agente desferiu uma pancada no corpo com o bastão extensível e imobilizou.

De acordo com a acusação, Odair morreu na sequência do primeiro disparo.

Depois de investigada a bolsa de Odair as autoridades encontraram vários cartões, chaves, uma embalagem de vaselina, uma meia de criança, vários papéis e um molho de notas.

Perto do local onde Odair morreu, foi encontrado um punhal com 25 centímetros de comprimento, com 15 centímetros de lâmina serrilhada e um cabo em plástico preto, com as inscrições na lâmina onde se lia "Macho". Mas as autoridades não conseguiram, através dos testes de ADN, ligar este punhal a Odair. 

A acusação refere que o agente sabia que, ao disparar, poderia ferir letalmente a vítima. 

Depois de serem realizados exames toxicológicos ao sangue de Odair, confirmou-se a presença de álcool e drogas no seu organismo ("revelaram a presença de etanol na concentração de 1,98 g/l e canabinóides (Delta 9-tetrahidrocanabinol), na concentração de 1 ng/ml", lê-se no despacho de acusação. 

Na sequência da morte de Odair registaram-se tumultos no bairro do Zambujal e noutros bairros da Área Metropolitana de Lisboa, tendo sido queimados e vandalizados autocarros, automóveis e caixotes do lixo. Um condutor de autocarro sofreu inclusive ferimentos graves depois do veículo que conduzia ter sido incendiado. Além do processo judicial, estão a decorrer na Inspecção-Geral da Administração Interna e na PSP processos de âmbito disciplinar.

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