Spinumviva e apartamentos em Lisboa: 8 perguntas ainda sem resposta clara de Montenegro
A mais do que provável ida para eleições não apaga a necessidade de esclarecimentos sobre a atividade da pequena empresa dos Montenegro, os valores cobrados, o peso da consultoria - ou as dúvidas sobre o financiamento da compra de dois apartamentos na capital.
As iminentes eleições legislativas provocadas pelo caso da Spinumviva, a pequena empresa familiar dos Montenegro, transportaram o centro do debate sobre o assunto para a política partidária - mas não apagaram a necessidade de serem dadas respostas às perguntas sobre a atividade da empresa e à sua ligação ao primeiro-ministro (que, até aqui, não deu uma conferência de imprensa ou uma entrevista sobre o tema). Esta ligação, tal como outras dúvidas sobre a compra de dois apartamentos a pronto em Lisboa, serão necessariamente escrutinados a caminho da quase certa campanha eleitoral. Abaixo estão oito questões por esclarecer.
Quanto pagam os restantes clientes ainda ativos pela consultoria prestada pela Spinumviva?
A Solverde, pertencente ao grupo económico da família Violas, foi a única firma que divulgou publicamente, ao jornal Expresso, quanto paga ainda (entretanto anunciou o fim da colaboração) mensalmente à consultora familiar dos Montenegro: 4.500 euros. A Spinumviva, num comunicado não assinado, indicou mais clientes ativos: o Colégio Luso Inglês do Porto (também dos Violas), o grupo metalomecânico Ferpinta (no qual Luís Montenegro desempenhou cargos remunerados até se candidatar à liderança do PSD, em 2022), o retalhista Rádio Popular (onde também teve um cargo, menor, até maio de 2022) e a firma Lopes Barata (grossista de medicamentos). No debate da moção de censura do Chega, a 21 de fevereiro, Luís Montenegro indicou que a faturação deste ano da Spinumviva rondará 170 mil euros.
Que serviços exatos são prestados a cada um desses clientes?
O cruzamento de quanto pagam os clientes (ver pergunta anterior) com os serviços exatos – a Spinumviva divulgou uma lista genérica de serviços, sem explicar o que faz para quem e a que preço – é importante porque permite despistar eventuais transferências excessivas de empresas privadas para a esfera patrimonial do primeiro-ministro.
Quanto pesaram e pesam as atividades de consultoria no volume de negócios anual total da Spinumviva desde 2021?
Nas primeiras respostas ao Correio da Manhã, a 14 de fevereiro, e no primeiro debate de moção de censura, há duas semanas, o primeiro-ministro centrou as atividades da empresa na gestão de património rural herdado e em atividades futuras ligadas à viticultura, ao turismo rural e, eventualmente, a uma start up tecnológica. A consultoria não foi o primeiro foco das notícias, nem das reações do primeiro-ministro. É importante, para escrutinar a linha argumentativa do primeiro-ministro e para compreender a real natureza da Spinumviva, perceber quanto da faturação anual da empresa dependeu do negócio de consultoria para clientes angariados por Montenegro.
Quem gere as relações institucionais com os clientes desde que Montenegro é líder do PSD e, sobretudo, primeiro-ministro?
Luís Montenegro declarou no seu registo de interesses que foi sócio-gerente da Spinumviva entre 21 de janeiro de 2021 e 30 de junho de 2022 (saiu quando conquistou a liderança do PSD). Em meados de 2022 um dos filhos de Montenegro era ainda menor de idade e o outro tinha 20 anos. Carla Montenegro, que tem dois cursos superiores, trabalha há vários anos na área social em Espinho. É importante perceber – por causa do requisito de exclusividade exigido pela lei ao primeiro-ministro – quem geriu o relacionamento comercial com os clientes.
Há clientes, além dos que ainda estão ativos, a quem a Spinumviva tenha prestado consultoria na área da proteção de dados quando Luís Montenegro já era primeiro-ministro?
Uma das perguntas feitas mais vezes pelos partidos da oposição (que enviaram listas com questões para o gabinete do primeiro-ministro) tem sido sobre os clientes para quem a consultora já vendeu serviços. Além dos clientes atuais – que são a informação mais relevante – é relevante perceber para que clientes trabalhou a pequena consultora que o primeiro-ministro criou um ano antes de assumir a liderança do PSD, sobretudo se ainda tinham contratos ativos quando Montenegro já era primeiro-ministro. O líder do Governo divulgou ao Correio da Manhã, em fevereiro, que a Cofina (anterior proprietária do jornal e da SÁBADO) fora cliente.
Por que razão o primeiro-ministro não indicou logo à entrada para o cargo os impedimentos que tem com as empresas e os setores que continuam a transferir dinheiro para a sua esfera patrimonial?
Luís Montenegro assumiu no Parlamento que pediria sempre escusa em assuntos relacionados com a Solverde, uma das empresas suas clientes – e cujos donos têm uma relação de amizade, conhecida, com o primeiro-ministro. Sobre a Solverde e as restantes empresas: pediu internamente algum tipo de escusa? Essas escusas foram comunicadas a quem?
Porquê usar uma conta caucionada para comprar um apartamento?
Outra frente de dúvida sobre as decisões patrimoniais de Luís Montenegro está relacionada com os dois apartamentos que o casal Montenegro (um T1 por 401.269 euros) e os filhos (um T1 por 313.854 euros, incluindo impostos) compraram no final do ano passado em Lisboa. As compras foram feitas a pronto pagamento, sem registo de créditos nas escrituras, revelou o Correio da Manhã a 1 de Março. O jornal noticiou que o primeiro-ministro, numa atualização à declaração patrimonial entregue na Entidade para a Transparência (EpT), deu baixa de 75.206 euros no seu património financeiro (uma aplicação em ações) e que passou a declarar um passivo de 100 mil euros ao BCP. Nas respostas ao jornal, Montenegro diz que o passivo é de 200 mil euros e que consiste numa "conta corrente caucionada". Este é um instrumento tipicamente usado por empresas, através do qual o banco permite o acesso a dinheiro (neste caso até 100 mil euros segundo o registo na EpT ou 200 mil euros, segundo o que garante o primeiro-ministro) mesmo que não esteja disponível, cobrando juros (uma taxa anual que pode chegar a 12% no BCP) pelos valores financiados a descoberto. O primeiro-ministro tinha liquidez suficiente para comprar o T1 a pronto, segundo a declaração consultada pela SÁBADO em 2024 – sobra a dúvida sobre por que usou este instrumento e de onde sairá o dinheiro para saldar a dívida (que, tipicamente, é de muito curto prazo neste tipo de instrumento).
De onde veio o resto do dinheiro para a compra das casas?
Se o primeiro-ministro tiver usado todos os 200 mil euros da conta caucionada sobram cerca de 126 mil euros por explicar. Luís Montenegro respondeu que saíram de contas de familiares, incluindo da sua mulher – o problema, como explicou a EpT à Visão, é que a conta da mulher tinha de ter sido incluída na declaração de património (a menos que o dinheiro já fosse dela antes do casamento ou que tenha sido herdado). Primeira pergunta: vai corrigir a declaração ou o dinheiro corresponde a uma situação de "bens próprios"? E no caso dos filhos – pessoas no perímetro direto do primeiro-ministro – o dinheiro para o T1 de 300 mil euros foi uma doação em vida do primeiro-ministro, da sua mulher ou de outro familiar? As perguntas são relevantes para escrutínio dos fluxos patrimoniais que justificam a compra de 715 mil euros a pronto em imobiliário (nota para contexto: Montenegro declarou 129,4 mil euros brutos de rendimento em 2023 e aplicações financeiras de 530 mil euros).
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