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Rabo de Peixe: nome de terra, nome de negócio

António Pedro Costa 22 de outubro de 2025 às 21:58

António Pedro Costa, antigo Presidente da Câmara da Ribeira Grande, ex-deputado regional e antigo presidente da junta de Rabo de Peixe escreve sobre o documentário da CMTV e sobre a série.

Estreou recentemente a , e com ela, mais uma onda de lançamentos, produtos e eventos à boleia do sucesso televisivo. Por exemplo, no festival literário “Folhas de Outono”, foi apresentado um novo livro sobre os bastidores da série. Parece legítimo e talvez até inevitável que o fenómeno cultural traga consigo curiosidade, atenção mediática e oportunidades comerciais. O que não deixa de ser inquietante é a forma como muitos ganham com o nome de uma terra que, durante décadas, foi sinónimo de esquecimento, pobreza e marginalização.
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Rabo de Peixe, uma nobre vila da ilha de São Miguel, passou de nota de rodapé a título principal. Só que, enquanto se vendem livros, t-shirts, passeios turísticos e até cocktails com o nome da terra, permanece a dúvida: quem, de facto, está a lucrar com tudo isto? Será o povo de Rabo de Peixe? Ou será que, mais uma vez, são os de fora de costas voltadas para a comunidade quem enchem os bolsos? Custa ver um açoriano que deveria ter outra sensibilidade a seguir o mesmo caminho, usando o nome da minha terra como moeda, quando noutras versões internacionais da série optaram por títulos mais genéricos, como Mar Branco. Lá fora, protege-se a imagem da vila. Cá dentro, explora-se. E no meio de tudo isto, quem ajuda, realmente, o povo de Rabo de Peixe? Quem investe na educação dos jovens, na formação profissional, na dignificação da pesca, no apoio às famílias? Quem trabalha, sem câmaras nem aplausos, para que a terra deixe de ser apontada como a mais pobre de Portugal? Há também quem escolha o caminho mais difícil, o da verdade, o do compromisso com a sua terra e com as pessoas que nela vivem. É o caso do , que tem surgido como uma voz lúcida, sensível e corajosa no meio de tanto ruído mediático. Enquanto muitos se limitam a cavalgar a onda do sucesso da série, Ruben propõe uma reflexão mais profunda, mais honesta e, acima de tudo, mais útil. No seu trabalho [série transmitida na CMTV], Ruben não se limita a repetir os chavões sobre Rabo de Peixe. Vai mais fundo. Fala da realidade da vila com conhecimento de causa e com amor pela sua terra. Vai mais longe ainda: explica que o caso da droga do italiano foragido não foi encontrada em Rabo de Peixe, como muitos pensam, mas sim na Bretanha e que ele se refugiou na Achadinha — outras freguesias, outra história, mas que a série e o sensacionalismo ajudaram a colar indevidamente à imagem da martirizada vila de Rabo de Peixe. Precisamos de mais “Rubens”. Jovens que falem com orgulho e dor, com conhecimento e responsabilidade, sobre os lugares onde nasceram. Jovens que escolham contar as histórias reais, que muitas vezes não dão audiências, mas que ajudam a construir futuro. Porque não basta filmar Rabo de Peixe, é preciso vivê-lo. E é aí que está a diferença entre fazer negócio com o nome da terra e lutar, verdadeiramente, por ela. Ruben é prova de que há outro caminho. Que a promoção de uma vila como Rabo de Peixe não tem de vir embrulhada em estereótipos nem em dramas de exportação. Pode vir da boca de quem lá vive, com verdade, sem filtros, e com um compromisso que não se compra: o de querer ver a sua terra finalmente de pé, e não apenas no ecrã. Seria bom que, depois de tanto lucro, sobrasse algo mais do que apenas da má fama que não alimenta. Que o nome da terra sirva para a erguer, e não apenas para vender séries ficcionadas.
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