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Parlamento aprovou. Agora eutanásia está nas mãos de Marcelo

SÁBADO 29 de janeiro de 2021 às 14:55

Se o Presidente da República promulgar a lei, Portugal será o quarto país na Europa, e o sétimo no mundo, a despenalizar a morte medicamente assistida.

O Parlamento aprovou esta sexta-feira, em votação final global, a despenalização da morte medicamente assistida. A lei, que resultou dos projetos aprovados, na generalidade, em fevereiro de 2020, foi aprovada com os votos de grande parte da bancada do PS, do BE, PAN, PEV, Iniciativa Liberal e 14 deputados do PSD e votos contra do CDS, Chega e PCP. No total foram 136 votos a favor, quatro abstenções e 78 votos contra - tanto o PS como o PSD deram liberdade de voto aos seus deputados.

Na votação, o PSD dividiu-se: 56 deputados votaram contra e 14 a favor, entre eles o líder do partido, Rui Rio. No PS, uma larga maioria votou a favor da lei, mas nove deputados votaram contra, entre eles Ascenso Simões, José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto.

Entre as abstenções, duas foram do PS e outras tantas do PSD.

E agora Marcelo?
Na sequência da aprovação, a lei vai seguir, dentro de dias, para o Palácio de Belém para decisão do Presidente da República, que terá três opções: vetar, enviar para o Tribunal Constitucional ou promulgar.

Se o Presidente promulgar a lei, Portugal será o quarto país na Europa, e o sétimo no mundo, a despenalizar a eutanásia.

Durante a campanha eleitoral, Marcelo Rebelo de Sousa foi diversas vezes questionado sobre o que fará com a lei mas respondeu sempre que precisava, primeiro, de conhecer o diploma.

O que prevê a lei?
A lei prevê que só podem pedir a morte medicamente assistida, através de um médico, pessoas maiores de 18 anos, sem problemas ou doenças mentais, em situação de sofrimento e com doença incurável. É também necessário confirmar várias vezes essa vontade. 

MÁRIO CRUZ/LUSA

O pedido de morte medicamente assistida só pode ser feito pelo próprio, através de um médico, com salvaguardas da avaliação por comissões técnicas, conforme as soluções propostas pelos partidos. 

A lei garante ainda a objeção de consciência para os médicos e enfermeiros.

Atualmente, a prática da eutanásia em Portugal, embora não exista um crime com esse nome, pode ser punida por três artigos do Código Penal: homicídio privilegiado (artigo 133.º), homicídio a pedido da vítima (artigo 134.º) e crime de incitamento ou auxílio ao suicídio (artigo 135.º), E as penas variam entre um a cinco anos de prisão para o homicídio privilegiado, até três anos para homicídio a pedido da vítima e de dois a oito anos para o crime de incitamento ou auxílio ao suicídio.

Quem estava contra?
Mais de 50 profissionais de saúde juntaram-se à campanha "Eutanásia? Não contem comigo", em contestação à aprovação da nova lei que regula esta prática.
A aproximação da votação em plenário da lei da eutanásia levou 53 profissionais de saúde, entre os quais médicos, enfermeiros e psicólogos, a associarem-se à campanha do movimento cívico "Stop Eutanásia".

A campanha "Eutanásia? Não contem comigo" surge "em pleno contexto pandémico, com novos máximos diários de vítimas e novas infeções, com o SNS em colapso a nível nacional, e os 'heróis da linha da frente' exaustos e já a operarem em condições limite", refere o grupo de profissionais de saúde em comunicado, acrescentando que "estarão ao lado dos mais frágeis e dependentes dos seus cuidados".

"Esta campanha conta com rostos de profissionais de saúde, médicos, enfermeiros e outros, para afirmar o seu não à legalização da eutanásia. O Stop eutanásia, fortemente aliado com os 'combatentes' pela vida, dá corpo a esta iniciativa com divulgação nas redes sociais e junto dos deputados", refere o comunicado.

Doze instituições privadas prestadoras de cuidados de saúde apelaram hoje a uma intervenção do Presidente da República para impedir a legalização da eutanásia, que dizem ignorar pareceres e desrespeitar os profissionais e instituições que combatem a covid-19.

"Apelamos uma última vez aos deputados para que revejam a sua posição no momento de votar a lei em plenário e, se estes persistirem nos seus intentos, ao Senhor Presidente da República para que faça o que estiver ao seu alcance para travar a legalização da eutanásia em Portugal", referem as 12 instituições em comunicado hoje divulgado.

O comunicado é subscrito pela União das Misericórdias Portuguesas, Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, Cáritas Portuguesa, CUF, Universidade Católica Portuguesa, Refúgio Aboim Ascensão, Instituto das Irmãs Hospitaleiras e Instituto São João de Deus.

Outras instituições signatárias são a Federação Portuguesa das Associações das Famílias de Pessoas com Experiência de Doença Mental, Salvador Mendes de Almeida, Ponto de Apoio à Vida -- Associação de Solidariedade Social e Casa do Gaiato -- Lisboa.

"Numa hora sombria da história de Portugal, quando o país regista desde há duas semanas mais de duas centenas de mortes por dia, vítimas de covid-19 e no momento em que todos temos a responsabilidade de salvar vidas e de cuidar de vidas, na Assembleia da República (...) um grupo maioritário de deputados fez aprovar em sede de Comissão Parlamentar de Direitos Liberdades e Garantias uma lei da Eutanásia", refere o comunicado.

"Num momento em que milhares de pessoas, inúmeras instituições, num esforço sobre-humano diário, cuidam os doentes e pessoas vulneráveis e frágeis, dando tudo para salvar vidas, a aprovação da Eutanásia representa, também, um desrespeito para com todas estas pessoas", adianta.

As instituições referem ainda que a aprovação foi contra pareceres de ordens profissionais do setor da saúde, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e "de milhares de cidadãos e de várias entidades da sociedade civil". 

As instituições garantem que "continuarão a defender a vida em todas as suas formas e etapas", através do apoio e segurança aos mais idosos, dos cuidados continuados e paliativos, cuidados de saúde, cuidados especiais, a mães e pais em dificuldades e a crianças e jovens.

"Continuaremos a trabalhar para uma sociedade mais justa e mais igual em que todos tenham igualdade de oportunidades. Continuaremos a estar presentes na construção da nossa sociedade com uma cultura de vida e de vida com qualidade", concluem.

Também mais de uma dezena de associações consideraram inaceitável e inconstitucional a lei da eutanásia pela possibilidade de exclusão da família dos procedimentos de antecipação da morte de um dos seus membros. Em comunicado, 14 associações de apoio à família adiantam ter enviado uma posição conjunta sobre o assunto a Marcelo Rebelo de Sousa, a pedir uma audiência, e ao presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, com pedido de distribuição a todos os deputados.

As associações entendem que a lei da eutanásia não prevê a participação, envolvimento e informação obrigatórios dos familiares do doente no procedimento administrativo de antecipação da morte deste, limitando a possibilidade de os profissionais de saúde, caso o doente não os autorize, a contactarem/dialogarem com os familiares deste.

Por isso, consideram que a lei "viola expressamente, entre outras disposições, o artigo 67.º da Constituição da República Portuguesa, não sendo conforme com o nível de tutela e proteção da família e das famílias previsto na lei fundamental do país".

Segundo as associações, na lei da eutanásia é feita uma única referência à família ou familiares do doente, a propósito dos deveres dos profissionais de saúde estabelecendo-se que os médicos e outros profissionais de saúde que intervenham no procedimento de antecipação da morte (só) têm o dever de dialogar com os familiares do doente que pede para morrer se para tal forem autorizados pelo doente.

No mesmo documento, as associações sublinham que "não é aceitável" que "os familiares mais próximos do doente que pede para morrer possam vir a ser surpreendidos e confrontados com a morte do seu familiar, sem terem hipótese de ajudar, apontar outro caminho ou, no limite, de o acompanhar nesse momento."

"Isto é tanto mais difícil de aceitar quando se sabe que, muitas vezes, a família pode estar, de alguma forma, associada à própria decisão do doente de avançar para a antecipação da própria morte: pensemos, por exemplo, nas angústias ligadas a ser um "peso para a família" (ou outras semelhantes), que só com intervenção dos familiares podem ser ultrapassadas ou resolvidas", destacam.

No entender das associações, "um Estado que aprova e promove políticas de prevenção do suicídio e que tem a obrigação constitucional e legal de prestar cuidados de saúde primários, continuados e paliativos a todos os cidadãos que deles necessitem, não pode excluir a família de um procedimento que pode (e é destinado) a terminar a morte de um dos seus membros".

A posição é subscrita pela Associação Família e Sociedade, Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger, Associação de Defesa e Apoio à Vida de Aveiro, Associação de Defesa e Apoio à Vida de Coimbra e Associação de Defesa e Apoio à Vida de Viseu. A Associação Famílias Diferentes, Associação Famílias, Centro de Orientação Familiar, - Confederação Nacional das Associações de Família, Famílias Novas, Fundação LIGA, Infamília e Novamente - Associação de Apoio aos Traumatizados Cranioencefálicos e suas famílias são outras das signatárias.

Um grupo de 21 presidentes de câmara, do PSD, PS e independentes, assinaram um manifesto contra a aprovação da lei da eutanásia, que deverá ter votação final na Assembleia da República, na sexta-feira, foi hoje anunciado.

Os autarcas, entre eles Rui Moreira (Porto), Carlos Carreiras (Cascais), Almeida Henriques (Viseu), Humberto Brito (Paços de Ferreira), Ricardo Rio (Braga), defendem uma "reconsideração sobre tão fraturante matéria" e opõem-se a "uma lei que permita a eutanásia", pelo que isso significa destruir "a política de solidariedade intergeracional que conduz a "uma negligência social que ninguém aproveita".

PSD tentou, mas não conseguiu adiar votação final da lei
Os sociais-democratas propuseram, na quinta-feira, mas não conseguiram adiar "por algumas semanas" a votação final global da despenalização da morte medicamente assistida.

Adão Silva, líder parlamentar do PSD, afirmou que seria desejável afastar a votação de uma lei como a da eutanásia, que "tem a ver com estas questões da vida e da morte", do atual momento de pandemia que "é verdadeiramente tenebroso" com as mortes por covid-19. Ao lado do PSD esteve o CDS que, através do líder parlamentar, Telmo Correia, se afirmou chocado por, num momento de epidemia, "em que o país bate recordes em número de mortes, quando estão a morrer mais de 300 pessoas, muito deles idosos", o que o "parlamento tenha para aprovar e oferecer aos portugueses seja a eutanásia".

Contra o adiamento, na conferência de líderes, esteve o Bloco de Esquerda, e o deputado José Manuel Pureza atacou a iniciativa do PSD que considerou que "roça o abjeto". Inês Corte Real, líder parlamentar do PAN, considerou não fazer sentido e ser "desonesto estar a invocar um momento extremamente difícil do país do ponto de vista sanitário para confundir os óbitos na covid-19 com o processo legislativo que visa permitir a eutanásia a pessoas que estão em sofrimento". Também José Luís Ferreira, do PEV, defendeu não haver "qualquer motivo para adiar" a votação final global da lei.

Com Lusa.

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