Lei da Nacionalidade. Advogada acusa Governo de "não acautelar os processos em curso"
Os deputados vão discutir as propostas de alteração à Lei da Nacionalidade, sob críticas de advogados e juízes. Raquel de Matos Esteves refere à SÁBADO que considera "excessivo" o aumento do prazo para o pedido de nacionalidade e deixa críticas ao impedimento de reagrupamento familiar, até nos casos onde são comprovados os meios de subsistência.
Na semana passada o Conselho de Ministros aprovou quatro diplomas relativos à Lei da Nacionalidade e Estrangeiros que vão esta quarta-feira ser discutidos na Assembleia da República. Apesar de as alterações ainda não terem sido aprovadas, oChega já referiu que está disponível para negociare o PSD admite fazer "alterações" para garantir aconstitucionalidade das propostas, muitas são as críticas que têm sido deixadas por associações de imigrantes e advogados que trabalham na área.
A advogada Raquel de Matos Esteves partilha com a SÁBADO que compreende "a necessidade de alterações", devido à pressão causada pelas "muitas pessoas que estiveram à procura de serem legalizadas num curto espaço de tempo devido à facilitação de entrada", mas tem dúvidas de que "era necessário fazer tudo ao mesmo tempo" ou que "as medidas vão ter os resultados que se procura".
"Uma coisa é decidirmos que queremos ter novas regras, outra é não acautelar os processos que estão em curso ou aquelas pessoas que têm estado a tentar entregar os documentos, sem sucesso porque o sistema não está a funcionar", critica a especialista em imigração. Raquel de Matos Esteves afirma ainda que as intenções do Governo estão a ser faladas a nível internacional e que "mancham a imagem do País".
Uma das principais mudanças é a alteração do número de anos que um imigrante tem de estar a residir legalmente em Portugal antes de ter acesso à nacionalidade, passando a haver um prazo de sete anos para os cidadãos dos países lusófonos e de dez anos para os restantes. Esta alteração é algo "muito difícil de aceitar para todas as pessoas que investiram para se tornarem cidadãos portugueses e estavam a chegar ao final do prazo", revela a especialista antes de considerar: "Um aumento pode ser normal, mas passar ao dobro do tempo parece-me excessivo".
Raquel de Matos Esteves refere também que não é compreensível que o tempo só comece a contar depois da obtenção do título de residência uma vez que "o tempo de espera é muito longo por delongas infindáveis das autoridades, culpa do Estado português, e o ano passado tinha sido decretado que o tempo de espera deveria ser descontado do processo de nacionalidade".
Sobre a constitucionalidade das medidas a advogada ressalva que não é constitucionalista, mas que é "ensinado logo no primeiro ano de Direito que uma lei prejudicial não pode ter retroativos", ou seja, que as pessoas que já iniciaram o seu processo não podem ver alterado o prazo de espera. Até porque a especialista não considera que seja correto "dizer que uma pessoa não tinha uma legítima expectativa de conseguir a nacionalidade portuguesa no dia em que foi apresentado o Programa do Governo".
"Pessoas que fizeram o teste de português e ainda não têm o resultado não têm uma legitima expectativa? Pessoas que fazem os cinco anos em agosto não têm uma legitima expectativa?", questiona. É precisamente por isso que Raquel de Matos Esteves tem passado os "últimos dias a gerir as expectativas dos clientes e a tentar mantê-los calmos".
A especialista considera que "tem de haver um período transitório" e deixa um pedido: "Gostava que o Governo apresentasse algum tipo de estudo ou fundamento técnico em que estas medidas se basearam".
Reagrupamento familiar
"O quê que se diz a uma família composta por um pai, uma mãe e um filho menor em que o pai tem direito a um visto de trabalho, o menor tem direito a reagrupamento familiar e a mãe tem de ser deixada de fora?", questiona Raquel de Matos Esteves. A especialista considera que esta é outra das principais falhas das propostas do Governo que "protegem os menores, mas fazem escolher entre continuar com a mãe e vir com o pai", especialmente porque se aplica a famílias que comprovam que têm meios de subsistência e que, por isso, "não vão depender do Estado".
Ainda assim admite, mais uma vez, que poderiam ter sido feitas algumas alterações e exemplifica: "O reagrupamento familiar podia ser feito nos consulados antes das famílias imigrarem, provando logo que cumprem todos os requisitos".
Leitão Amaro garantiu, quando anunciou as propostas do Governo, que os imigrantes que têm acesso ao visto de "altamente qualificados" vão continuar a ter acesso ao reagrupamento familiar, mas isso não significa que todos aqueles que vêm com um contrato de trabalho e estudos possam ter acesso à medida, uma vez que "entre as pessoas qualificadas nem todos pedem os vistos de altamente qualificados, porque só inclui algumas profissões e impõe critérios muito específicos", entre eles "a necessidade de trabalharem para terceiros, deixando os investidores de fora", explica a advogada.
Apesar da possibilidade de reagrupamento familiar ser agora apenas suspensa, Raquel de Matos Esteves denuncia que "nos últimos dois anos foi quase impossível conseguir vagas para reagrupamento familiar": "A AIMA não está a abrir vagas e foi até já dito pelo Governo que estas vagas foram propositadamente suspensas, contra a lei".
O reagrupamento familiar está regulado por uma diretiva da União Europeia, de 2003, e tem como objetivo que familiares de cidadãos de países terceiros que residem legalmente na UE se juntem a eles no país onde residem. Este é um direito que deve ser garantido a cônjuges; filhos menores, incapazes ou solteiros que estudam em Portugal; ascendentes em 1º grau a cargo do residente; e irmãos menores sob tutela.
Sendo este um direito garantido pela União Europeia, Portugal não pode recusar-se a conceder o reagrupamento familiar, mas "posicionamo-nos no limite máximo", tal como explica a advogada. Isto significa, tal como é descrito no site do Governo, que: "Exige-se dois anos de residência legal", "restringe-se o pedido de reagrupamento de pessoas que estejam em território nacional a menores; os maiores terão de o pedir fora do território nacional e ser sujeitos a deferimento pelas autoridades portuguesas", "obriga-se a que o alojamento seja adequado e que os meios de subsistência sejam adequados, sem incluir prestações sociais", "sejam previstas medidas de integração para a família, designadamente, aprendizagem da língua, e frequência do ensino obrigatório, para os menores".
Uma parte importante da questão é que foi eliminado o regime atual de deferimento tácito, o que Raquel de Matos Esteve considera errado uma vez que as famílias vão estar dependentes de "dois anos de espera mais" e, depois disso, "se o Estado não cumprir os nove meses do prazo estipulado para que seja tomada uma decisão a única opção que têm é continuar à espera".
Processos contra a AIMA perdem urgência
Um dos pontos que a especialista em processos de imigração considera que está "escondido" entre as alterações propostas pelo Governo é a alteração da urgência com que as ações judiciais contra a AIMA estão a ser tratadas.
"Devido ao grande número de incumprimentos da AIMA, começou a haver uma enormidade de ações judiciais contra a AIMA que estão a ser tratadas com caráter de urgência pelos tribunais, o que cria uma pressão e faz com que muitas das audiências sejam agendadas antes da decisão do tribunal", refere a advogada antes de alertar que "nas propostas do Governo vem escondido que estes processos contra a AIMA não possam ser considerados urgentes e passem a processos civis, o que faz com que possam demorar anos até que haja uma decisão".
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