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Cartazes do Chega "são apelos ao ódio e à violência" e podem ser ilegais

Tiago Neto 29 de outubro de 2025 às 07:00

Oito associações ciganas avançam com queixa no Ministério Público por cartazes de André Ventura com frases contra minorias e especialistas alertam para responsabilidades criminais. O líder do Chega desvaloriza e refere que a "Justiça tem mais que fazer".

A colocação de cartazes de campanha de André Ventura, candidato às próximas eleições presidenciais apoiado pelo Chega, está a gerar controvérsia devido ao teor das mensagens exibidas. Em causa estão frases como "Os ciganos têm de cumprir a lei" e "Isto não é o Bangladesh", visíveis em alguns municípios, nomeadamente no da Moita, que suscitaram reações de associações da comunidade cigana e de representantes diplomáticos estrangeiros.
andré ventura chega TIAGO PETINGA/LUSA
Oito associações ciganas anunciaram que vão apresentar queixa no Ministério Público contra os responsáveis pela afixação dos cartazes, considerando que as mensagens configuram discurso de ódio e incitamento à discriminação racial. As mesmas organizações ponderam ainda interpor uma providência cautelar para exigir a remoção imediata dos anúncios, alegando que violam princípios constitucionais de igualdade e dignidade humana.
Contactado pela SÁBADO, o constitucionalista Pedro Bacelar de Vasconcelos entende que a situação pode ter enquadramento criminal. “[A colocação destes cartazes] é crime porque são apelos ao ódio e à violência”, afirmou, sublinhando que é necessário apurar “como é que foram afixados e permanecem expostos”, o que implica responsabilidades “de quem os afixou, dos proprietários dos outdoors e das entidades públicas, nomeadamente municípios e forças de segurança, que têm a obrigação de reprimir este tipo de conduta”.
Segundo o jurista, os cartazes “configuram violência moral relativamente a minorias e estrangeiros” e “preenchem os quadros constitucionais da discriminação como o racismo, a xenofobia, o discurso de ódio e incitamento à violência”. Bacelar de Vasconcelos acrescenta ainda que a polémica “nada tem que ver com liberdade de expressão” e que “o debate público em torno deste tipo de mensagens representa um retrocesso civilizacional”. O presidente da Câmara Municipal da Moita, Carlos Albino (PS), também reagiu à polémica, defendendo a intervenção das autoridades competentes. Em declarações à TSF, o autarca afirmou que “o Ministério Público deve intervir” e acrescenta que esta questão "não padece de queixa por parte da Câmara Municipal da Moita ou outra entidade qualquer". Carlos Albino apontou ainda a André Ventura, afirmando que "quando se fala que certas pessoas têm de cumprir a lei, todos temos de cumprir a lei, sejamos alentejanos, beirões, lisboetas, alfacinhas, moitenses. A lei é para todos cumprirem, não é só para um determinado grupo. Os ciganos têm de cumprir a lei, mas não são só os ciganos, os elementos do Chega também", concluiu.
André Ventura defende cartazes polémicos contra minorias e Bangladesh Rui Paulo Sousa/Facebook
Questionado pelos jornalistas na terça-feira, 28 de outubro, André Ventura, reafirmou que não tenciona retirar os cartazes da sua campanha dirigidos à comunidade cigana, a imigrantes e ao Bangladesh, apesar das críticas generalizadas e das queixas já apresentadas à Comissão Nacional de Eleições (CNE). “Vivemos num país livre. Os adversários em democracia não se vencem calando-os ou retirando cartazes, mas com debate e confronto de ideias”, afirmou o líder do Chega, citado pela Lusa. Ventura acusou ainda os seus críticos de hipocrisia democrática, dizendo que “os amigos de Abril, os de cravo na mão, falam de liberdade até ao fim, mas quando não gostam da palavra querem prisão e retirada de cartazes”.
Questionado sobre o apelo do secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, à intervenção do Ministério Público, respondeu ironicamente: “Querem que o Ministério Público prenda o líder da oposição? Acham que é essa a imagem que queremos dar do País?”. O dirigente negou ainda que as mensagens da campanha tenham caráter racista, argumentando que "racismo é termos minorias que não trabalham, vivem à custa dos outros e obrigam os portugueses a sustentá-las", e insistiu que a sua candidatura "representa os portugueses e mais ninguém".
A investigadora Joana Cabral, especialista em estudos sobre extremismo e desigualdades sociais, afirmou à Lusa que estes cartazes são mais um episódio num processo prolongado de "teste à resistência das instituições democráticas” portuguesas. Segundo a académica, algumas forças políticas têm vindo a "explorar, de forma sistemática, a plasticidade, a flexibilidade e até a inutilidade das instituições” perante manifestações de caráter “discriminatório, racista e xenófobo”, como as que agora visam a comunidade cigana e os imigrantes do Bangladesh. Joana Cabral sublinha que este tipo de estratégia "não surge de repente", mas resulta de uma continuidade previsível. “Estes testes estão a ser feitos há muito tempo”, referiu, lembrando que o fenómeno começou por se consolidar nas redes sociais, transformadas num “canal de naturalização e legitimação” de narrativas de ódio, e depois se estendeu ao parlamento, onde estes discursos “encontraram palco e espaço de amplificação”. A académica destacou ainda a "inoperância total" da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, que, segundo afirma, "há muito tempo deixou de funcionar de forma eficaz". Na sua análise, os cartazes em causa não são apenas incidentes isolados, mas parte de "um projeto político deliberado e articulado a nível internacional", do qual "muitos responsáveis políticos têm consciência e perante o qual escolheram não agir". Essa falta de resposta, conclui, “torna-os cúmplices da normalização do racismo na esfera pública”.
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