Sábado – Pense por si

Mariana Sottomayor
Mariana Sottomayor
18 de abril de 2020 às 08:00

Sr. Presidente, ponha uma máscara por favor!

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Edição de 26 de agosto a 1 de setembro

O que temos em Portugal, do que precisamos para vencer a crise e um apelo a Marcelo Rebelo de Sousa: salve-nos da Direção Geral de Saúde

O que temos em Portugal?

Temos um país que teve a sorte de ter sido atingido mais tarde pela pandemia já patente nas televisões, e em que as forças vivas do país começaram a fechar escolas e instituições acabando por pressionar o governo a tomar as medidas óbvias de confinamento, a reboque da situação.

Temos uma DGS e uma Comissão de Especialistas que consideraram desnecessárias as primeiras medidas de confinamento tomadas pelo Governo, demonstrando uma ignorância inaceitável em relação às proporções explosivas da situação.

Temos uma DGS que, a 6 de março, já em plena pandemia mundial*, "não desaconselha as visitas aos lares", decretando uma sentença de morte a uma percentagem elevadíssima dos nossos idosos e transformando cinicamente em verdugos os seus filhos, netos e cuidadores. Todos os dias constatamos os resultados nefastos e crescentes desta sentença, com contaminação e mortalidade galopantes nos lares de idosos. No entanto, quando a Senhora Diretora deu tão brilhante orientação, já a França e Itália tinham proibido as visitas, e qualquer pessoa que não tivesse uma limitação cognitiva severa, ouvisse as notícias, e se dignasse refletir sobre elas, seria capaz de tirar tal ilação.

*Ainda não declarada pela também inepta OMS, mas já patente aos olhos de todos.

Temos uma DGS sistematicamente atrasada nos critérios de aplicação de testes, dando espaço para que a transmissão se avolume, notoriamente dentro dos próprios hospitais e dos lares. Note-se que não há ainda ordem, muito menos execução, de testagem sistemática a toda a população de doentes/utentes dos hospitais e dos lares.

Temos uma DGS que, na ausência de orientações consequentes, deixou que a doença se instalasse nas populações hospitalares, as de maior risco, de onde seguramente provém uma boa parte da letalidade que observamos. Houve diretrizes e contra-diretrizes sobre os procedimentos a seguir nos hospitais, tudo a conta-gotas, numa demonstração notória, mais uma vez, de total impreparação. Dê-se como exemplo o uso de máscaras em meio hospitalar. Primeira diretriz, com vários dias de casos hospitalizados crescentes*: não é necessário usar máscaras, elas não protegem o pessoal da saúde contra a contaminação (o que já de si é falso, ver abaixo). Eis senão quando descobrem, surpresa das surpresas, que existia pessoal de saúde positivo, que andava a contaminar doentes, desgraçados utentes hospitalares que, para além da condição enferma que já tinham, levaram em cima com um COVID-19 oferecido pelo hospital, toma lá! Então, por força das circunstâncias, lembrou-se a DGS, espante-se a rapidez e argúcia do raciocínio, que as máscaras impedem que os positivos contaminem os seus semelhantes, e que, dedução brilhante, podia haver positivos entre o pessoal de saúde. Passou-se então à diretriz de que todo o pessoal de saúde deveria usar máscara! Mas, atenção, para a/os cuidadores dos idosos nos lares, que têm a uma enorme proximidade física com os utentes, e contactam muitos utentes diariamente, não houve qualquer diretiva.

* Note-se, primeiros casos de uma doença altamente contagiosa, com até duas semanas de incubação, pelo que não é preciso ser epidemiologista para se prever que, quando é detetado um caso, a doença já está seguramente disseminada. Para mais quando já se tinha visto acontecer exatamente isso não em um, mas em pelos menos três países vizinhos, e em muitos mais não tão próximos.

Temos uma DGS que, tendo primado pela total e absoluta ausência de emissão de medidas preventivas adequadas, no momento certo, é acometida de uma inspiração alucinatória e propõe um cordão sanitário na cidade do Porto, quando vê num dia, mercê aliás dos caprichos da inépcia da recolha de dados, os valores desta cidade duplicarem. Mais uma vez, um total desconhecimento da operacionalidade e viabilidade dos procedimentos sanitários, mais uma clara demonstração de que a DGS e a sua Diretora pairam numa realidade onírica digna do universo Saramago.

Temos uma Diretora da DGS que, para além da gravidade do acima descrito, protagoniza situações de um surrealismo e irracionalidade inexcedíveis, como quando tem assomos de rigores extremos para abrir uma garrafa de água e logo a seguir beber a mesma água por um copo que tem ainda maior risco de estar contaminado; ou ainda quando entra para um elevador de 1 metro quadrado com mais 3 pessoas e aplica como medida de segurança ficarem todos de costas. Se por acaso alguma das pessoas que subiu naquele elevador fosse positiva, a probabilidade de todos os restantes terem ficado contaminados era enorme, senão absoluta, de costas ou não de costas!

Do que precisamos para vencer a crise?

(já comprovado à saciedade por uma série de países que o Ocidente parece não considerar dignos de usar como exemplos)

  1. Testagem em massa de TODOS, mas TODOS os suspeitos próximos e longínquos, das comunidades inteiras de maior risco, das mais expostas, e das que têm maior risco de contaminarem um grande número de pessoas. Deveria ser prioridade absoluta dos governos investir o que for necessário na capacidade de fazer testes, confiscar a capacidade produtiva das empresas nacionais que possam produzir o material e reagentes necessários, montar laboratórios por todo o país, montar laboratórios móveis que se desloquem à regiões mais remotas e testar, testar, testar. Não falta know-how e voluntários nos centros de investigação, falta dimensão e reagentes, e esta tem que ser a prioridade do governo!
  1. Rastreio rigoroso de todos os contactos próximos e longínquos, alerta a todos os locais por onde passaram os positivos, uso de aplicações, telefones, o que seja, seguida de quarentena e isolamento rigoroso dos contactos.

  1. Isolamento total dos doentes que não necessitam de hospitalização, em edifícios dedicados, para que não contaminem toda a família, e os mais próximos, que depois contaminam as respetivas famílias e assim por diante. Mais uma vez, o investimento atual em hotéis e instituições de alojamento (pousadas da juventude, etc.) para isolar os doentes que não são graves pode permitir um reativar da economia que poupará muito mais dinheiro.

  1. Uso generalizado de máscaras, o ato mais simples, possivelmente o mais eficaz, mas também o mais sonegado por todas as autoridades sanitárias dos países pós-desenvolvidos com argumentos totalmente irracionais. Veja-se: está provado que muito dos assintomáticos e pre-sintomáticos positivos têm cargas virais elevadas nas fossas nasais/garganta e emitem por isso aerossóis/gotículas contaminadas e altamente contagiosas, cada vez que respiram, falam ou pigarreiam. Ninguém sabe quantos assintomáticos ou pre-sintomáticos existem, mas visto que a doença pode ter duas semanas de incubação já contagiosas, e que os estudos existentes apontam para a possibilidade de pelo menos um em cada dois contaminados nunca desenvolver a doença mas ser contagioso, temos seguramente uma população de contagiosos inconscientes do seu estado que pode ser muito superior à dos caso conhecidos num dado momento. Todos, OMS, DGS, e quem mais se digna opinar sobre as máscaras, afirma que estas, mesmo as mais simples, são eficientes para impedir a transmissão da doença a terceiros por quem é positivo. Permanece um mistério porque não determinam o uso obrigatório de máscaras! Muito especialmente pelos funcionários de supermercados, farmácias, e take-aways alimentares! As gotículas e aerossóis produzidas por um funcionário de atendimento assintomático-positivo, parado no mesmo sítio todo o dia, formam uma nuvem à sua volta que se mantém em suspensão no ar e vai pousando paulatinamente sobre a sua bancada, as suas mãos e os produtos de dezenas ou até centenas de pessoas que atende ao longo do dia, com consequências fáceis de prever!

Mas as máscaras simples não impedem só os positivos de contaminar terceiros, elas também protegem de contaminação quem as utiliza, mesmo as mais simples, como não poderia ser, dada a forma como ocorre a contaminação? Não será uma proteção total se a proximidade com alguém contaminado for grande e demorada, mas é seguramente uma excelente proteção para complementar o distanciamento que, só por si, não está demonstrado em sítio nenhum ser eficaz no caso da transmissão do COVID-19. No entanto a DGS, e a OMS de resto, continuam a ser ambíguas em relação ao uso das máscaras, como se não estivéssemos na epidemia mais mortífera que já conhecemos, com gente a morrer por todos os lados e com medidas de confinamento em vias de conduzir à bancarrota a generalidade do mundo. Para que vamos usar máscaras, nesta situação? É uma medida de prevenção e precaução de que não precisamos mesmo nada! Menos ainda, quando sabemos que os países que adotaram o uso sistemático de máscaras têm o surto epidémico controlado, muitas vezes sem a adoção das medidas de confinamento e paragem económica draconianas que tivemos que adotar.

"Às armas" forças vivas do país!

Claramente não temos ainda o que é preciso para vencer a crise, nem para lá caminhamos, ou muito devagar e com muitos tropeções!  Por isso temos todos que pegar nas armas e avançar. Na ausência de atuação consequente do governo e DGS, têm as forças vivas da sociedade nacional que tomar a iniciativa! Muitas já estão na frente, autarquias, centros de investigação, associações, empresas, mas têm todas que se mobilizar, unir, focar e exigir os apoios imprescindíveis para vencer a propagação do vírus e o desafio económico.

-Autarcas, muitos têm sido heróis e inexcedíveis na situação, não deixem de pressionar o governo como têm feito, tentem encontrar soluções de isolamento para os doentes não hospitalares, promovam associações e brigadas de apoio aos lares, incentivem e apoiem os cientistas e empresários das vossas autarquias e regiões a tomar iniciativas como as descritas abaixo, imponham o uso de máscaras pelo menos por todos os funcionários dos estabelecimentos comerciais abertos.

-Cientistas, médicos e verdadeiros especialistas, gritem para que se teste, se rastreie, se isole e se usem máscaras, usem todas as influências, conhecimentos e meios para fazer ouvir a vossa voz! Peçam financiamento ao governo, bancos, autarquias e ao povo através de campanhas de crowdfunding, e avancem para a montagem de laboratórios de testagem de grande capacidade! E para o desenvolvimento de aplicações úteis para o rastreio e alerta de potenciais disseminações e contaminações. 

-Empresários e empreendedores, metam pés ao caminho e mãos na massa, exijam também financiamento ao governo, bancos, autarquias, ao povo através de campanhas de crowdfunding, e reconvertam-se ou inventem-se do nada empresas para produzir todos os materiais e reagentes que precisamos para os testes, equipamento de proteção, máscaras, e tudo o que mais seja necessário. É essencial produzir máscaras para TODOS os habitantes! As máscaras não precisam de ser cirúrgicas, porque é que os nossos têxteis não fabricam máscaras de tecido, laváveis (e não descartáveis), com logótipos para os funcionários das empresas? Porque não inventam luvas com um tecido que permita a desinfeção repetida sem atingir a pele, e possam ser lavadas e continuamente reutilizadas?

-Cidadãos, organizem-se em associações de voluntários para apoiar os lares, os que ficaram sem salário e os que devem ficar isolados e não têm quem os abasteça.

-Comece-se a trabalhar no desenho de planos racionais e lógicos (tudo o que não têm sido as autoridades sanitárias atuais, pelo que não aconselho o seu envolvimento) de planos anti-disseminação com definição de rotinas anti-disseminação eficazes, a cumprir com rigor, para que a atividade económica possa recomeçar. Tendo sempre a noção de que as máscaras, a desinfeção frequente de locais de trabalho partilhados por muita gente, e o rastreio constante de movimentos e contactos vai ser essencial. Todas as instituições e empresas terão que ter um gabinete ou um elemento responsável pela anti-disseminação. Crie-se uma plataforma online de partilha de todos os planos de anti-disseminação, medidas, procedimentos, tecnologias desenvolvidas, etc.

-Por fim apelo à força viva máxima do nosso país, ao Presidente da República, que cedo percebeu a gravidade da situação apesar do negacionismo da DGS e da nossa suposta Comissão de Especialistas, e das reticências do Governo. Sr. Presidente, por favor salve-nos da Direção Geral de Saúde! Salve o país de uma instituição que, ao invés de ajudar a superar este desafio, o tem sistematicamente agravado! Nós estamos apenas no início de uma guerra que vai ser longa, e a existência de orientações sanitárias lógicas, eficazes e consequentes, que é tudo o que não temos tido, vai fazer uma diferença enorme em termos de vidas e situação económica. Vamos precisar de nos reorganizar e reinventar segundo princípios de sanidade pública que, claramente, esta DGS não tem capacidade para emitir. Reinvente-se por isso e já a DGS, de preferência deixando ficar muito pouco do que lá está. E cuidado com os especialistas, cheios de preconceitos e protocolos formatados na cabeça, incapazes de se render ao óbvio. Inclua-se, por favor, pessoas simplesmente competentes, com abertura e humildade intelectual, empenhadas e com bom-senso, que por vezes é quanto basta. E, Sr. Presidente, ponha uma máscara por favor!

-Enfrentamos, como país, um desafio brutal que nos toca a todos! É uma crise que abre também, por incrível que possa parecer, inúmeras oportunidades. Mas acima de tudo, temos a oportunidade de nos reinventarmos como comunidade que partilha um território, como um organismo vivo que desperta,  com mais iniciativa e intervenção na construção do nosso futuro comum, mais inventivos, mais amigos do ambiente, mais solidários e, já agora, mais saudáveis :-). Vamos ter que pôr uma máscara, arregaçar as mangas e ajudar em tudo o que pudermos, começando pelos vizinhos.

Mariana Sottomayor

Bióloga

Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

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