Sábado – Pense por si

Rui Costa Pereira
Rui Costa Pereira Advogado
02 de novembro de 2024 às 10:00

Um ano de entrelinhas: mais empatia, por favor

A empatia é tão mais importante que a mera consciência das coisas. Porque numa admirável mistura egoística e altruística, fazendo que o eu, em breves instantes, se substitua pelo ele, faz surgir um nós.

Ao longo deste primeiro ano das entrelinhas foi procurado um retrato construtivamente crítico da realidade processual penal portuguesa. Tanto numa perspetiva teórica, como, sobretudo, numa perspetiva prática. Por essa razão, esta crítica tem-se feito ao lado de temas que no último ano captaram o interesse mediático: o dever de reserva das magistraturas, as denúncias anónimas, as detenções excessivamente longas, a prestação de contas do Ministério Público, a necessidade de reforma do Código de Processo Penal, os poderes de investigação das comissões parlamentares de inquérito, o regime das escutas telefónicas e a Agenda Anticorrupção, são alguns dos temas tratados. 

Ao longo deste último ano, a Magistratura Judicial deixou de ser presidida por alguém que preferiu sempre embandeirar os problemas da Justiça criminal em torno de uma ideia assente num alegado excesso de garantias de defesa, passando a ser representada por alguém que foi capaz, logo na sua posse, de assumir um discurso autocrítico;  

O Ministério Público, por sua vez, viu partir sem saudade de muitos uma Procuradora-Geral que, recorrentemente, fazia lembrar o meme do cão sentado no meio de uma sala consumida pelas chamas, enquanto exclama, This is fine…; entrou para o seu lugar um Magistrado com pergaminhos reconhecidos por mais do que os que criticavam a sua antecessora e em quem são depositadas grandes esperanças na sua capacidade de dar um novo rumo ao Ministério Público e aos seus principais desafios;  

A Ordem dos Advogados flutua sobre uma perda paulatina do seu prestígio, entregue a um Conselho Geral autisticamente preso a duas ou três bandeiras eleitorais, incapaz de aceitar a crítica e que privilegia a hostilidade sobre o diálogo, votando a advocacia portuguesa à desunião e aos princípios de cada um por si e do salve-se quem puder. 

É difícil pensar haver uma solução para os muitos problemas que consomem a Justiça criminal e os seus mais relevantes agentes. Provavelmente ninguém saberá qual é, onde está ou quem a tem. No entanto, há com certeza algo que muito ajudaria a, pelo menos, procurar essa solução. Algo, infelizmente, demasiadamente ausente. 

A empatia pode ser definida como a capacidade de alguém compreender a posição do outro, de se identificar com o eu alheio, de perceber emocionalmente o próximo, tudo no pressuposto de sermos capazes de sentir como o outro, mais do que, simplesmente, friamente o perceber.  

E é também por isso que a empatia é tão mais importante que a mera consciência das coisas. Porque numa admirável mistura egoística e altruística, fazendo que o eu, em breves instantes, se substitua pelo ele, faz surgir um nós. Real, verdadeiro, simultaneamente intrínseco e extrínseco, abrindo a porta à coletividade, sem perda da individualidade. 

Juízes empáticos são juízes justos, ponderados e objetivos, porque capazes de melhor se desprenderem da inevitável humanidade e das suas naturais características, como é a de ter preconceitos; 

A empatia na pessoa de quem investiga a suspeita que recai sobre o outro e a quem está entregue a responsabilidade de acusar ou arquivar, é a ferramenta ideal para impedir a ação penal leviana e potenciar a objetividade processual;  

Um advogado empático perante aqueles que enfrenta em tribunal, sejam eles juízes, procuradores ou colegas de profissão, é alguém que irá honrar as suas responsabilidades e os seus deveres, perante a comunidade, os seus clientes e a sua classe profissional, de forma infinitamente superior aos que o não são. 

A todos: mais empatia, por favor! 

 

Rui Costa Pereira, Advogado penalista e Associado Coordenador da MFA Legal 

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