Pressupor que o julgamento do Primeiro-Ministro pelo STJ exige a permanência no cargo é, então, aceitar como absolutamente utópica a aplicação prática desta regra.
Apesar de a vigência de quase 40 anos do Código de Processo Penal (CPP) e, bem assim, do regime de responsabilidade criminal dos titulares de cargos políticos (RRCTCP), apontar para um reforço da dignidade do cargo de Primeiro-Ministro, ultimamente vai ganhando terreno a tese de que uma determinada investigação criminal pendente junto dos serviços do Ministério Público (MP) do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) poderá agora transitar e baixar para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), num sinal que é, parece-me, de sentido inverso ao trilhado na e pela lei.
Ora, fruto das interrogações que a comunicação social compreensivelmente tem levantado sobre as consequências para a investigação criminal que o MP publicou, ou divulgou existir, sobre a pessoa do Primeiro-Ministro cessante, precisamente em virtude da cessação dessas suas anteriores funções, mas sobretudo fruto do que já começa a parecer um costumeiro contributo da Senhora Procuradora-Geral da República para a dúvida, nas respostas que e quando entende dar às interrogações que lhe colocam, a referida tese corre o risco de se consolidar – risco que, enquanto tal, não tem aqui qualquer conotação negativa; é o que é.
Não conheço o processo e a sua investigação, não tenho relação com os seus protagonistas e não me cabe a mim opinar sobre o que nele se fez, se faz, se fará ou se pensa fazer. Não sei se aquela resposta tem em conta a dependência direta do DCIAP perante a Procuradoria-Geral da República, diferente da dos serviços do MP junto do STJ. Este texto não é sobre nada disso.
Vou por isso dedicar-me a algo que os juristas também gostam muito, que é levantar mais hipóteses e considerações e conjeturas várias que, para alguns, muito ajudam ao esclarecimento, para outros, só contribui para a confusão. Da minha parte, farei os possíveis por ser tão claro quanto possa. Tudo isto sem ter de falar daquele processo concreto e da sua investigação. Ou também de outro processo, onde outro anterior Primeiro-Ministro foi também investigado.
Pois bem: Quando em fevereiro de 1987 o CPP foi publicado, previu-se que todo o plenário do STJ, isto é, todos os juízes que do mesmo fazem parte, fossem eles de que secção fossem, cível, criminal, social, o que fosse, era competente para julgar o Presidente da República, pelos crimes praticados no exercício das suas funções. Por sua vez, a competência para o julgamento do Primeiro-Ministro, pelos mesmos crimes, encontrava-se exclusivamente regulada no RRCTCP, publicado em julho do mesmo ano (de 1987), aí se dizendo que era competente o plenário, mas do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), tribunal que, na hierarquia dos Tribunais, se situa numa posição imediatamente inferior à do STJ.
Volvidos 9 anos da vigência desta dualidade e disparidade de tratamento processual institucional, em agosto de 1998 foi publicada uma alteração ao CPP, que passou a prever a competência do pleno das secções criminais do STJ para o julgamento do Presidente da República, mas também do Presidente da Assembleia da República e do Primeiro-Ministro, pelos crimes praticados no exercício das suas funções. Competência que se tem mantido inalterada até aos dias de hoje, ainda que o legislador se tenha aparentemente esquecido de revogar aquela regra do RRCTCP, fazendo com que, também ainda hoje, coexistam duas normas aparentemente contraditórias – num lado diz-se que o Primeiro-Ministro é julgado perante o plenário do TRL; noutro diz-se que é julgado perante o pleno das secções criminais do STJ.
Esta alteração parece ter promovido a competência de julgamento do Primeiro-Ministro, ao mesmo tempo que resolveu um problema relacionado com a necessidade de assegurar um grau de recurso, na medida em que ao (antes) fazer intervir no imediato todo o plenário do STJ no julgamento em primeira instância, não sobraria, em tese, ninguém, para julgar o recurso que coubesse da decisão desse julgamento. A substituição pelo pleno das secções criminais terá visado isso. Isso quanto ao julgamento do Presidente da República, pois que quanto ao do Primeiro-Ministro já se previa desde 1987 um grau de recurso, do TRL para o STJ.
Esta especial competência e necessidade sentida de consagrar na lei um regime próprio para o julgamento das mais altas figuras do Estado não se apresenta estranho, nem surpreendente. Dir-se-ia até que é saudável e desejável que se preveja o que está consagrado nos moldes atuais. Mas fará sentido admitir a transferência ou a mudança dessa regra de competência pela circunstância de a pessoa concretamente investigada, acusada ou julgada não mais ocupar o cargo? Talvez faça. Mas talvez haja mais razões para que não.
Pensemos no seguinte caso prático: António, Primeiro-Ministro (nos casos práticos há sempre um António, calma), durante o exercício das suas funções, é investigado pelo MP junto do STJ, por, alegadamente, ter sido corrompido por Bento, para a prática de atos contrários aos deveres do cargo; o crime, por sua vez, ter-se-ia consumado apenas em Cuba (do Alentejo); entretanto, António cessaria o seu mandato enquanto Primeiro-Ministro, no mesmo dia em que era acusado pelo MP, pretendendo requerer a abertura da fase de instrução. Quid juris? Como quem diz: e agora? Seria a instrução julgada pelo STJ ou, diferentemente, pelo Juízo de Competência Genérica de Cuba? Admitamos que ainda não havia acusação no momento da cessação de funções e era necessário proceder, por exemplo, à busca sobre o domicílio de António: quem é a que poderia autorizar? Um juiz conselheiro do STJ, ou, diferentemente, um juiz de Cuba?
Confesso ver com alguma dificuldade que o legislador tenha querido que a busca domiciliária a um ex-Primeiro-Ministro, a instrução ou o julgamento respeitante a crimes relacionados com o exercício das suas funções governativas, pudesse caber, como hipótese genérica e abstrata – aquilo que, no fundo, a lei visa –, a um juiz estagiário ou nos primeiros anos do exercício de funções (aqueles que, habitualmente, estão colocados nestes tribunais). Faz-me mais sentido admitir a hipótese de o legislador, ao atribuir aquela competência especial ao STJ e aos seus juízes, ter querido não só salvaguardar a mera dignidade institucional do cargo de Primeiro-Ministro, como também pretendeu assegurar que o exercício jurisdicional relativamente às suspeitas de crimes cometidos no exercício das funções de Primeiro-Ministro competisse, invariavelmente, a um juiz, ou a vários juízes, com uma relevante experiência acumulada.
Mais: Se correr uma investigação contra um Primeiro-Ministro em funções, por força de crimes alegadamente cometidos no exercício dessas funções, quando chegar a altura de o mesmo ser julgado, é crível que o mesmo ainda esteja no exercício dessas funções? Também vejo isso com alguma dificuldade e por variadas razões, que passam pelo tempo que as investigações criminais duram, mas também pela evidente falta de condições políticas para continuar no cargo (sim, à política o que é da política, à justiça o que é da justiça, mas estamos, precisamente, a falar, de um alto cargo político).
Pressupor que o julgamento do Primeiro-Ministro pelo STJ exige a permanência no cargo é, então, aceitar como absolutamente utópica a aplicação prática desta regra.
É que ao prever que o julgamento do Primeiro-Ministro e não, diferentemente, o julgamento do titular do cargo de Primeiro-Ministro, compete ao STJ, a lei pareceu também querer dar um sinal de que a permanência no lugar e a sua respetiva titularidade não são pressupostos desse julgamento e, por identidade de razões, da sua investigação ou instrução.
Se os crimes tiverem sido cometidos no exercício das funções, de certo modo, é legítimo dizer que é o Primeiro-Ministro que é julgado, não o António, nem o Bento, nem o Carlos, ou o José.
Deter cada vez mais, prender cada vez mais, não tem servido para travar o número de casos de violência doméstica. Por todas aquelas vítimas que pereceram e por todas aquelas de que tem obrigação de proteger, o Estado tem de fazer algo mais e claramente diferente daquilo que tem feito.
Percorrendo o Código Penal e alguma legislação avulsa, sem qualquer dificuldade, se conclui que o estender de panos, com propaganda partidária, por alguns deputados eleitos, nas janelas da Assembleia da República, não é crime em Portugal. E acrescento: e ainda bem que não é!
A empatia é tão mais importante que a mera consciência das coisas. Porque numa admirável mistura egoística e altruística, fazendo que o eu, em breves instantes, se substitua pelo ele, faz surgir um nós.
Ninguém deve ter de escolher entre ser um excelente profissional ou um pai ou uma mãe ainda melhor. Já devíamos ter chegado a um nível civilizacional que permita a coexistência das duas realidades. Palavras como as de Lucília Gago contribuem para estarmos mais longe desse dia.
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