Os problemas do sistema educativo português são conhecidos, inclusive por leigos. Não há como não saber. Basta ser pai ou mãe, aluno ou ex-aluno.
““Para estarem preparados e competentes em 2030, os alunos precisam de usar conhecimentos, competências, atitudes e valores para agir de forma coerente e responsável, mudando o futuro para melhor". - Learning Compass 2030, OECD Future of Education and Skills (2025:7)
Os dados são inequívocos. Nos últimos PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), de 2022 e 2025, Portugal ficou muito próximo da média OCDE (Matemática 472; Leitura 477; Ciências 484) mas caiu face a 2018. Juntando, também, o estudo Education at a Glance 2024, o citado Learning to Compass 2030 (sobre o Futuro da Educação e das Competências) e o TALIS (Inquérito Internacional sobre Ensino e Aprendizagem), todos da OCDE, os resultados conduzem, na mais benévola interpretação, a uma conclusão generalizada: estagnação!
Os problemas do sistema educativo português são conhecidos, inclusive por leigos. Não há como não saber. Basta ser pai ou mãe, aluno ou ex-aluno. Disciplinas e cargas horárias desajustadas à realidade das gerações e sociedades contemporâneas; preocupante fraca autonomia cognitiva dos alunos; envelhecimento ((57% com +50 anos) e desvalorização social e salarial do corpo docente que reduz a capacidade de atrair e reter talento; pouquíssimos alunos de topo nacionais, baixa autonomia de contratação e gestão de pessoal (37% vs. 60% OCDE); múltiplas plataformas e sistemas de gestão escolar, ausência de competências essenciais e transversais, etc., etc.
Importa saber que, no longo prazo, pequenos ganhos em competências (ex.: +25 pontos PISA) traduzem-se em grandes ganhos de PIB. Mas melhorar competências não aumenta somente o PIB, promove a mobilidade social e reduz desigualdades múltiplas, incluindo regionais e de género. Contudo, competências não rima com habilitações. Como vem sendo defendido nos estudos PISA, desde 2010, “é a qualidade da aprendizagem — não os anos de escolaridade — que faz a diferença” (OCDE).
Existem outras medidas, que podem ser introduzidas no próximo ano letivo: terminar com as turmas numerosas, universalizar creches e cuidados infantis para todas as crianças entre os 0-2 anos, aumentar o financiamento público no pré-escolas, reforçar a carga horária anual dos professores no ensino secundário, o aumento dos salários nominais dos professores. Todas estas medidas referidas visam combater resultados nacionais muito aquém da média da OCDE, o que deve ser atalhado, considerando o atraso social e económico português.
Em face das conclusões dos estudos acima citados sobre o sistema de ensino nacional, europeu e ocidental, destaco três políticas que além de essenciais e urgentes, estão em linha com as conclusões e recomendações consagradas nestes estudos.
Política 1: Ensinar a Aprender a Aprender – método em vez de memória
Aprender a aprender é a mãe de todas as aprendizagens. É o método primário da aprendizagem. E sem método também não há ciência, tampouco, curiosamente, bons líderes e boas políticas. Sem ela, não há competência para adquirir conhecimentos e competências ao longo da vida, o
indicador de qualidade para o (futuro) desenvolvimento pessoal, académico e profissional do indivíduo.
Apender a aprender permite aos alunos a selecionar e gerir seu próprio processo de estudo, métodos adequados às suas características, objetivos e necessidades e avaliar criticamente o que aprendem e consomem, preparando-os para toda a sua vida.
Aprender a aprender é fundamental porque desenvolve a capacidade dos alunos de adquirir conhecimentos e demais competências de forma metodológica, autónoma, eficaz e contínua, essencial para superar os desafios complexos do país e do mundo, atual e futuro.
Isto porque culmina em saber melhor ler, pensar, falar, escrever, analisar, argumentar.
O foco do ensino, do melhor ensino, é ensinar alunos daí que o centro do ensino deva ser os alunos. Com efeito, a OCDE coloca a agência do aluno e a aprendizagem ao longo da vida no centro (“Learning Compass”), fatores críticos de sucesso em sistemas sociais que exigem líderes, inovadores e criativos, daí a integração do aprender a aprender nas competências básicas transversais.
Na Finlândia, o currículo nacional (2014-2019) integra competências transversais; a primeira é justamente “pensar e aprender a aprender”. Há décadas que os governos finlandeses investem num currículo flexível centrado na autonomia e no desenvolvimento do pensamento crítico. A expectativa não é que os alunos memorizem, mas que saibam investigar e aplicar conhecimentos a novos contextos. Os resultados PISA, consistentemente elevados, comprovam o impacto desta política.
A Estónia reformulou a organização curricular para dar mais tempo à resolução de problemas, trabalho colaborativo e projetos interdisciplinares. Com esta política, o país sofreu uma evolução notável e consistente nos rankings PISA, desde que o programa começou em 2000. Em 2022, a Estónia classificou-se 1º ou 2º na Europa em matemática (junto com a Suíça), 1ª em ciência, e 1º ou 2º em leitura (junto com a Irlanda).
Em Espanha a competência “pessoal, social e de aprender a aprender” constitui um eixo básico no ensino.
Em Portugal, em todos os níveis e ciclos de ensino, surpreendentemente, não se ensina esta competência. Presume-se que o aluno saiba aprender, que o professor saiba ensinar e que a passagem de ano certifique (est)a aprendizagem. Dá vontade de perguntar como é possível alguém que foi aluno, continuar a pensar da mesma forma que os seus pais e avós, para não ir mais longe. É uma tradição tão envenenada quanto venenosa.
Política 2: Ensinar Competências éticas e humanistas – ética, empatia e envolvimento
Quem costuma ler os meus artigos nesta coluna sabe que já me referi às competências éticas várias vezes, e sustentei que além de necessárias, elas deveriam ser obrigatórias em todos os graus de ensino, nas suas diversas dimensões, sobretudo sociais e organizacionais (integridade).
As competências éticas e humanistas consubstanciam-se, entre outras, em competências de empatia, humanismo, comunicação, inclusão, trabalho colaborativo, humildade, gestão e resolução de conflitos, valores e valorização do serviço público, liderança social ou comunitária, reconhecimento e apoio ao talento e mérito individual e coletivo, matérias que vão além das habitualmente incluídas em Educação para a Cidadania ou Cidadania e Desenvolvimento.
Além disso, está provado que programas robustos de aprendizagem ética e socio-emocional melhoram notas, comportamento e ambiente escolar segundo meta-análises e sínteses, algumas da OCDE. Como lembra a OCDE, “o fator mais importante dentro das escolas é a qualidade do ensino”, e o ensino eficaz inclui rotinas de clima e relações escolares e interpessoais. (OCDE).
Na Dinamarca a “Folkeskole” (escola primária) confere centralidade ao bem-estar (“trivsel”) e às relações escolares, sobretudo de turma, com tempos estruturados de “klassens tid” (hora de aula) para problemas da turma e desenvolvimento social. Em 1993 introduziu formalmente a empatia e as competências sociais, com disciplina própria e avaliação do clima escolar. O “trimestre da empatia” reforça o desenvolvimento sócio emocional, que resulta em ambientes escolares mais saudáveis e em melhores indicadores nacionais de bem-estar e cooperação.
Os Países Baixos incentivam práticas de dramatização, debate e mediação escolar desde o ensino básico e prioriza atividades de cidadania e inclusão. Os estudos TIMSS e PISA referem os holandeses como dos jovens mais preparados para, por exemplo, trabalho colaborativo e resolução de conflitos.
Mais recentemente, a Noruega introduziu
Em Portugal, não se ensina ética, como módulo obrigatório, em qualquer grau de ensino básico e secundário. Ou seja, as crianças chegam à idade adulta sem qualquer conteúdo estruturado de ética ou integridade. O cenário no ensino superior não é muito diferente.
Não sou de Marte, mas por vezes penso se esta clamorosa falha de autoconhecimento humano, para dizer o mínimo, não está somente destinada a ser reconhecida por masoquistas, como se estivessem fora do Matrix.
Política 3: Ensinar e valorizar professores e líderes escolares – os discípulos fazem os mestres
A formação e mentoria, inicial e contínua, de professores com qualidade são tão importantes quanto a qualidade dos seus formadores e mentores. É uma área em que o investimento público é multiplicável infinitamente, dada a riqueza transmitida, reproduzida e distribuída.
Ademais, é um fator crítico de produção de lideranças fortes, com autonomia responsável para ensinar melhor. A evidência é consistente: qualidade do ensino e condições para a prática explicam grande parte das diferenças de aprendizagem. Além disso, Portugal enfrenta uma tempestade demográfica (envelhecimento docente) e escassez crescente de retenção e atração de talento.
Valorizar o corpo docente é, também, estabilizar o respetivo mapa de pessoal das escolas e dar-lhe autonomia com responsabilização, perante toda a comunidade escolar, incluindo pais e alunos, bem como condições de trabalho e sistemas de avaliação positivos e construtivos, com redução colossal da burocracia docente e escolar e aumento das exigências éticas e de integridade perante toda a comunidade.
A Estónia alia investimento digital a profissionalização docente e forte gestão escolar. Oferece salários acima da média europeia e autonomia científica para os seus docentes, combinando formação contínua e experiências internacionais via Erasmus+. Estas medidas têm reduzido o abandono da carreira e sustentado os resultados do país em diversos rankings internacionais. Está no topo europeu no PISA 2022.
Os Países Baixos implementaram um quadro de carreira docente com incentivos para jovens professores, mentoria obrigatória e estágios remunerados. Outras medidas foram a criação de
programas de valorização e aceleração de carreira para jovens professores, financiados por fundos públicos e privados, garantindo rejuvenescimento e estabilidade no corpo docente. Estas reformas aumentaram a atratividade da profissão, estabilizaram a qualidade da educação e promoveram rejuvenescimento no corpo docente.
Em Portugal, a estatística fala por si. O país enfrenta uma das maiores crises de envelhecimento e desmotivação no corpo docente da OCDE: mais de 57% dos professores do ensino secundário inferior têm mais de 50 anos, o número de professores sem qualificações plenas aumentou para 6,5%, e os salários reais diminuíram 4% desde 2015. É uma verdade La Palisse que investir em professores é investir no presente e no futuro da educação e do país, mas parece que a autoria tem versão portuguesa.
Conclusão
Portugal não é de Marte, nem esta matéria é ciência de foguetões. O básico não está na lei, plano ou programa, antes na vontade e visão de quem decide. Há que não ter medo, porque a coragem tem sempre muitos seguidores, além dos estudos e demais estados casos de evidência, argumentos e marcos de referência.
A experiência internacional mostra não somente que é possível, como é absolutamente urgente romper com a estagnação nacional (nenhum país escapou a ela) e atalhar no essencial, literalmente, no básico. A própria trajetória TIMSS (Tendências em Estudos Internacionais de Matemática e Ciências) de Portugal prova-o. A Implementação tem os seus fatores críticos, mas até esse saber está, hoje, acessível: ela deve ser gradual e condicionada ao cumprimento dos objetivos, princípios e ações concretas no terreno em conjunto com os atores escolares (como, aliás, recomenda a OCDE).
Além disso, é retorno económico e social garantido, compensando largamente os “custos” sociais e políticos de decisão. Mais, é pelas crianças e cidadãos do país. Existem melhores razões e maiores certezas políticas do que estas?
Três políticas básicas para elevar o ensino, e o país
Identificar todas as causas do grave acidente ocorrido no Ascensor da Glória, em Lisboa, na passada semana, é umas das melhores homenagens que podem ser feitas às vítimas.
Frank Caprio praticava uma justiça humanista, prática, que partia da complexa realidade. Por isso, era conhecido ora como "o juiz mais gentil do mundo", ora como “o melhor juiz do mundo”.
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Talvez não a 3.ª Guerra Mundial como a história nos conta, mas uma guerra diferente. Medo e destruição ainda existem, mas a mobilização total deu lugar a batalhas invisíveis: ciberataques, desinformação e controlo das redes.
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