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Porque é que os indícios são tão fortes para mandar deter, mas já não tanto para se apresentarem a quem é detido?
Até quando poderá alguém permanecer detido para (eventual) aplicação de medidas de coação? Pelo menos desde 1987 que a lei diz que o detido "é interrogado pelo juiz de instrução, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção". Já antes, e logo em 1976, na sua primeira versão, a Constituição dizia que "[a] prisão sem culpa formada será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a decisão judicial de validação ou manutenção, devendo o juiz conhecer das causas, da detenção e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa", norma que só veio a ser revista na revisão constitucional de 1997, mas que, no essencial, parece continuar a dizer a mesma coisa: "A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa".
O problema que nos traz aqui é que, na prática, cristalizou-se uma jurisprudência segundo a qual o cumprimento deste prazo de 48 horas se basta com o mero interrogatório sobre os elementos de identificação do detido. Mas onde está o limite? A partir de quando, após esse interrogatório sobre os dados de identificação, a detenção deixa de ser válida, se o detido não for interrogado sobre os factos que motivaram a sua detenção?
Se há coisa que os processos mediáticos têm de positivo é o despertar da consciência coletiva para flagrantes atentados contra direitos fundamentais dos cidadãos, os quais, amiúde, vão passando ao lado do conhecimento generalizado do público, fruto da normal ignorância de quem não está em contacto permanente com o meio judiciário, ou do marketing muito eficaz de alguns agentes da justiça. E, por isso, não poderia deixar de aplaudir o recente Comunicado da Bastonária e do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, de claro repúdio a esta prática que, há tempo a mais, vem ocorrendo nos nossos tribunais. Dispensando-me de recordar o significado da presunção de inocência, um Estado que ainda se queira assente na salvaguarda da dignidade humana não pode continuar a fazer vista grossa a um atentado tão grave à liberdade das pessoas. Isto, claro, se ainda não tivermos chegado à estratificação da dignidade humana, em que sendo todos pessoas, umas são mais humanas que outras.
É óbvio que haverá sempre necessidade e casos onde a detenção terá de ocorrer. Longe de mim sugerir o contrário. O que me parece cada vez mais perigoso é viver num Estado acomodado à ideia de que uma pessoa possa estar absolutamente privada da sua liberdade, sem um limite que não seja o poder dizer o seu nome e onde mora, em dois dias, para, depois disso, ficar sabe Deus até quando longe de tudo e de todos, dos que lhe são próximos e dos que não são, não interessa, sem se poder defender, sem poder dar a um tribunal as suas razões para que seja libertado, às vezes dias a fio e, parece, estamos a caminhar para as semanas a fio, em condições carcerárias que se vão tornando cada vez mais embaraçosas na comparação com os nossos parceiros europeus, numa prática que se não roça a tortura é porque já passou essa fronteira.
Aqueles que se atrevam a dizer que respeita a dignidade humana a sujeição a interrogatório de uma pessoa depois de a mesma passar dias a comer mal, a dormir em celas com luz acesa toda a noite, várias noites seguidas, subitamente desprendida das suas pessoas, dos seus, dos seus bens e do seu espaço, contactando mal e parcamente (para não dizer porcamente) com o seu defensor, só lhes desejo que nunca passem por isso e que tenham a felicidade de passar a pensar de maneira diferente sem viver esse tormento.
E tudo isto em nome de quê? Lá vem, pois, a papagueada tutela punitiva do Estado ou a eficácia da ação penal, tão caras para a salvaguarda do que realmente importa e do que é totalmente imoral. Invocam-se, mas depois nunca se explicam nem se concretizam. E com toda a empatia por quem as acarinha tanto como eu – mas com certeza que as não compreende devidamente –, não podem, nem são, justificação que baste. E não precisam da tortura de pessoas para se não perderem.
Há mais de 20 anos, chamado a decidir sobre um caso concreto, o Tribunal Constitucional considerou que não ofendia a Constituição a interpretação segundo a qual o prazo de 48 horas se conta até à simples apresentação do detido no tribunal e à sua entrega à custódia judicial. No caso que esteve na base da decisão dos juízes do Palácio Ratton, o arguido havia sido detido entre as 16h00 e as 16h30m de um sábado; foi presente a um juiz às 14h45m de segunda-feira e o interrogatório efetivo do arguido – leia-se, o interrogatório sobre os factos que motivaram a sua detenção –, iniciou-se às 18h35 dessa segunda-feira. Já cerca de uma hora antes, o defensor do arguido havia requerido a libertação imediata do seu cliente, por ultrapassagem do prazo máximo previsto na lei, tendo esse requerimento sido indeferido.
Para concluir pela validade constitucional desta solução, o Tribunal Constitucional entendeu, grosso modo, que o que a Constituição pretendeu assegurar é que uma pessoa deixe de estar sob o poder administrativo decorrente da detenção executada pelas forças de segurança para, no mais curto espaço de tempo, passar a estar sob (o mais garantístico) poder judicial. Certamente por incapacidade cognitiva minha, não serei capaz de ver grande (nem pouca; nenhuma) diferença entre alguém estar detido numa esquadra ou estar detido numa cela de um tribunal. Mas o que é também claro nessa decisão é que não só não tomou em consideração a hipótese dessa detenção já sob poder judicial poder perdurar largas horas, dias, após a apresentação do detido a um juiz, como, aliás, parece pressupor que o confronto com os factos motivadores da detenção ocorrerá logo após a apresentação. Assim, lá se diz que se compreende, "por isso, que não seja concretizado um prazo determinado para o juiz ouvir e julgar da validade da detenção, porque a duração dessa tarefa dependerá do caso concreto".
Dois anos depois, em 2005, o mesmo Tribunal Constitucional decidiu considerar não ofender a Constituição a "interpretação segundo a qual, sendo a arguida apresentada ao juiz de instrução, para apreciação judicial da sua situação, dentro do prazo de 48 horas, pode permanecer detida até que, menos de 72 horas depois da apresentação e do seu interrogatório, termine o interrogatório de todos os arguidos detidos, realizado em acto contínuo, e que seja proferida decisão a validar as detenções e a aplicar medidas de coacção a alguns dos arguidos". As razões desta decisão são essencialmente as mesmas das de dois anos antes, mas, desta feita, a (à data) Conselheira Maria Fernanda Palma não deixou de votar vencida a decisão da maioria, permitindo-me aqui sublinhar alguns impressivos trechos da sua declaração, pela relevância e trágica atualidade: "[S]e há matéria em que não é aceitável que vigorem meras razões de proporcionalidade e uma apreciação caso a caso é esta matéria do prazo máximo de detenção sem validação judicial"; (…) "há muito a fazer na articulação do sistema do Processo Penal com os direitos fundamentais, papel que cabe ao legislador. No entanto o facto de a prática levar a descobrir distorções várias do Processo Penal em matéria de coordenação dos direitos fundamentais com a realização da Justiça não deve impedir o Tribunal Constitucional de reconhecer violações da Constituição que o legislador democrático deve superar".
Volvidos 20 anos (se não contarmos 50), aqui estamos, basicamente, na mesma.
Nisto, o que mais me custa compreender é, repito, a facilidade com que se vai aceitando esta realidade, talvez pelo conforto que tudo o que é habitual traz. Ou, talvez também, pela preguiça de nos interrogarmos um pouco além do óbvio. As pessoas, em geral, vão aceitando a indefinição e o prolongamento da detenção porque, fruto do mediatismo associado aos casos em que as detenções são motivo de atenção, às detenções associam outras diligências processuais, nomeadamente de recolha de prova. E, por conseguinte, dão de barato que as detenções servirão para, depois dessa recolha de prova e das buscas, confrontar os detidos com o que aí se descobriu.
O que as pessoas talvez não terão suficientemente presente é que para alguém ser detido fora de flagrante delito, por decisão exclusiva do Ministério Público, é preciso que já existam, antes de a pessoa ser detida, vertidos no processo, fortes indícios que, em abstrato, poderão fundamentar a prisão preventiva, a mais gravosa das medidas de coação.
Se assim é, pergunto:
Não terão os tribunais condições para, logo após a detenção e mesmo ainda dentro do limite das 48 horas, confrontar os detidos com os factos fortemente indiciados que motivaram a sua detenção e de prepararem para isso?
Se não dentro desse limite, imediatamente após?
Porque é que os indícios são tão fortes para mandar deter, mas já não tanto para se apresentarem a quem é detido?
Se não se sabe o que será encontrado nas buscas que acompanham algumas detenções, como é que o que aí é encontrado é tão imprescindível para confrontar o detido, que foi detido com base em tudo menos nesses achados?
Será tão danoso para a ação penal confrontar o detido com aquilo que motivou a sua detenção logo após a mesma, deixando para segundas núpcias o confronto com o que foi encontrado no decurso das operações que levaram, também, à sua detenção?
Onde está o limite? Onde está o limite de tempo para sujeitar uma pessoa, um ser humano, a isto? Onde está o limite da nossa tolerância a abusos tão evidentes?
Deter cada vez mais, prender cada vez mais, não tem servido para travar o número de casos de violência doméstica. Por todas aquelas vítimas que pereceram e por todas aquelas de que tem obrigação de proteger, o Estado tem de fazer algo mais e claramente diferente daquilo que tem feito.
Percorrendo o Código Penal e alguma legislação avulsa, sem qualquer dificuldade, se conclui que o estender de panos, com propaganda partidária, por alguns deputados eleitos, nas janelas da Assembleia da República, não é crime em Portugal. E acrescento: e ainda bem que não é!
A empatia é tão mais importante que a mera consciência das coisas. Porque numa admirável mistura egoística e altruística, fazendo que o eu, em breves instantes, se substitua pelo ele, faz surgir um nós.
Ninguém deve ter de escolher entre ser um excelente profissional ou um pai ou uma mãe ainda melhor. Já devíamos ter chegado a um nível civilizacional que permita a coexistência das duas realidades. Palavras como as de Lucília Gago contribuem para estarmos mais longe desse dia.
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O humor deve ser provocador, desafiar convenções e questionar poderes. É um pilar saudável da liberdade de expressão. Mas quando deixa de ser crítica legítima e se transforma num ataque reiterado e desproporcional, com efeitos concretos e duradouros na vida das pessoas, deixa de ser humor.
O poder não se mede em tanques ou mísseis: mede-se em espírito. A reflexão, com a assinatura do general Zaluzhny, tem uma conclusão tremenda: se a paz falhar, apenas aqueles que aprendem rápido sobreviverão. Nós, europeus aliados da Ucrânia, temos de nos apressar: só com um novo plano de mobilidade militar conseguiríamos responder em tempo eficaz a um cenário de uma confrontação direta com a Rússia.
Queria identificar estes textos por aquilo que, nos dias hoje, é uma mistura de radicalização à direita e muita, muita, muita ignorância que acha que tudo é "comunista"