Não devemos negar às pessoas a oportunidade de avaliar a verdade por si mesmas.
A controvérsia em torno dos cartazes do Chega reacendeu, mais uma vez, o debate sobre os limites da liberdade de expressão e sobre o papel das instituições judiciais, políticas e mediáticas, na definição desses limites. Há quem exija a remoção imediata de tais cartazes e até a ilegalização do partido que os promove. Outros consideram que proibir é ceder ao impulso autoritário de quem se julga detentor exclusivo da verdade. Mas talvez valha a pena regressar à ideia simples e luminosa de John Stuart Mill, formulada há quase duzentos anos na sua obra “Sobre a Liberdade”:
“Há a maior diferença entre presumir que uma opinião é verdadeira pelo facto de, a cada constatação, ela não ter sido refutada, e presumir que ela é verdadeira com o único fim de não permitir a sua refutação.”
O que Mill nos recorda é que a liberdade de expressão não serve para proteger ideias agradáveis. Serve precisamente para garantir o espaço onde as ideias más, absurdas ou odiosas possam ser expostas, refutadas e, finalmente, derrotadas pela força dos argumentos. Quando exigimos que algo seja silenciado por ser ofensivo, não estamos a proteger a verdade: estamos apenas a impedir que ela se revele por contraste.
Devemos deixar os cidadãos decidir. Não devemos negar às pessoas a oportunidade de avaliar a verdade por si mesmas. A democracia é um sistema construído sobre a convicção de que a maioria das pessoas é capaz de pensar e julgar por conta própria. O ato de votar é, em si mesmo, uma afirmação de confiança na inteligência coletiva. Logo, proibir mensagens políticas, por mais ocas, provocatórias ou populistas que sejam, é uma contradição com o princípio que sustenta a própria democracia.
Tolerar ideias que consideramos perigosas é desconfortável, mas é o preço e o sinal da maturidade democrática. A melhor forma de combater ideias distorcidas como as que o Chega explora nos seus cartazes não é exigir a sua remoção, nem invocar tribunais ou comissões para os proibir. A solução é discuti-las à vista de todos, desmontá-las, confrontá-las com factos, e deixar o público ver o contraste entre a retórica fácil e a complexidade do mundo real.
Recorrer a soluções jurídicas para problemas políticos é sempre tentador, pois dá a ilusão de rapidez e de controlo. Mas é também um erro profundo, porque transforma adversários em mártires e ideias marginais em causas populares. A censura confere nobreza ao erro. Cada cartaz retirado à força é um pretexto oferecido para a narrativa de perseguição e vitimização que alimenta o populismo.
Impor “códigos discursivos” não é debater, e muito menos é ganhar um debate. É apenas dizer às pessoas o que devem pensar em vez de discutir com elas o que efetivamente pensam. Fazer o contrário é partir do pressuposto paternalista de que a maior parte das pessoas são intelectualmente incapazes, vulneráveis e facilmente manipuláveis, e que precisam, por isso, de ser protegidas pelas “elites culturais”. Essa atitude “sanitária” e “esterilizadora”, que pretende higienizar o espaço público, irrita profundamente a generalidade das pessoas, que acabam por castigar as elites votando nos autores das mensagens que se tentaram censurar.
Como disse Rowan Atkinson, o famoso “Mister Bean”, num artigo citado pela National Review, “tudo o que seja investir na tentativa de erradicar e afastar dos olhos e dos ouvidos das pessoas discursos populistas e até potencialmente instigadores de ódio é impor um verniz de tolerância que esconderá um covil de ideias nunca expressas ou desafiadas.” Ao tentar eliminar o discurso incómodo, criamos o terreno perfeito para o ressentimento e para o radicalismo subterrâneo. A palavra proibida não desaparece, apenas muda de sítio e ganha força no silêncio.
Mais grave ainda: essa estratégia produz um efeito estupidificante sobre o debate público. Reduz as fronteiras daquilo que é aceitável dizer, pensar e discutir. Alimenta o medo social de errar, o receio de ser cancelado, o conformismo manso que transforma a arena democrática num espaço de murmúrio e autocensura. Quando o debate público se torna uma espécie de campo minado de tabus, a liberdade de expressão transforma-se num exercício de prudência e não de pensamento.
Tentar impedir a divulgação de mensagens radicais ou populistas com o argumento de que são perigosas ou atentatórias da Constituição é, além de contraditório, uma demonstração de falta de fé na Liberdade, precisamente o fundamento que legitima a democracia. Como um juiz americano escreveu há quase um século, “o melhor teste da verdade é o poder que um pensamento tem de ser aceite no mercado competitivo das ideias.” Se acreditamos verdadeiramente na superioridade dos valores democráticos, devemos confiar que resistirão ao confronto.
A liberdade de expressão implica risco. O risco de ouvir disparates, de nos indignarmos, de ver ideias absurdas circularem livremente. Mas o risco contrário, o de institucionalizar a censura preventiva sob o pretexto de proteger a democracia é incomparavelmente mais perigoso. Porque uma sociedade que começa a decidir quais as ideias que podem ser ditas está a preparar-se para decidir, amanhã, quem pode dizê-las.
Em última análise, a liberdade de expressão não é um prémio para as ideias certas; é o campo de provas onde descobrimos quais são. A democracia não precisa de muros nem de filtros: precisa de coragem, de paciência e de debate. Deixar o Chega, ou qualquer outro, falar não é concordar. É apenas afirmar que a verdade não precisa de polícia, precisa de voz.
“S” sentiu que aquele era o instante de glória que esperava. Subiu a uma carruagem, ergueu os braços em triunfo e, no segundo seguinte, o choque elétrico atravessou-lhe o corpo. Os camaradas de protesto, os mesmos que minutos antes gritavam palavras de ordem sobre solidariedade e justiça, recuaram. Uns fugiram, outros filmaram.
O desinteresse pelas autárquicas é sintoma de um problema maior: a democracia portuguesa está a tornar-se cada vez mais mediática e cada vez menos participativa.
Abrem-se inquéritos, anunciam-se auditorias, multiplicam-se declarações de pesar e decreta-se luto nacional. Mas os dirigentes continuam nos seus cargos, os responsáveis políticos limitam-se a transmitir solidariedade às famílias e a responsabilização dissolve-se.
Para poder adicionar esta notícia aos seus favoritos deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da Sábado, efectue o seu registo gratuito.
Para poder votar newste inquérito deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da Sábado, efectue o seu registo gratuito.
Importa que o Governo dê agora um sinal claro, concreto e visível, de que avançará rapidamente com um modelo de assessoria sólido, estável e devidamente dimensionado, para todos os tribunais portugueses, em ambas as jurisdições.