Se tivesse jeito, Moedas tinha arranjado forma de maquilhar a sua própria mediocridade. Sabemos que vivemos num país onde há muito pouca verificação de factos e ainda menos prestação de contas.
No próximo ano vamos ter eleições autárquicas e, à data em que vos escrevo, não é certo se a teimosia de Luís Montenegro em baixar o IRC de forma transversal e cega nos vai levar a eleições legislativas antecipadas. Certo é que teremos um ano politicamente intenso, tanto para quem participa nos partidos, como para quem a relata, comenta e assiste.
No arranque de um novo ciclo político, abençoado por uma economia robusta e cofres cheios deixados por António Costa, a que acresce o PRR onde começam a suceder-se inaugurações, não é difícil para quem está no poder mostrar trabalho. Por outro lado, para o PS que esteve 8 anos no governo, será um desafio que qualquer nova proposta seja apreciada sem aquela dúvida – «porque não fizeram antes?». Não faltam motivos, desde dinheiro a tempo – quem é que não tem aquele almoço com um amigo que nunca mais se marca? – mas, em política, frequentemente conta mais o que parece do que aquilo que realmente é.
Isso explica a coreografia habilmente montada pelo Governo nesta negociação de orçamento, com direito a todos os clássicos – polícia bom e polícia mau, queixar-se de falta de marcação de reuniões quando tinha um pedido de reunião por responder, reuniões secretas com outros potenciais parceiros, e até a fina arte da "agnatologia" em que se cria a confusão sobre factos – por exemplo, sobre se o PS já tinha dito que não aceitava modulações das suas 2 linhas vermelhas - como forma de gerar confusão ou dúvida nas pessoas. Se ninguém perceber o que se está a passar, não nos culparão e, com sorte, ainda culpam o outro.
Quem pratica estes truques é, infelizmente, muitas vezes bem-sucedido em política. Só tem de assegurar uma coisa: que não é apanhado. Carlos Moedas não teve essa sorte. Os novos tempos revelaram ter pouca novidade – não há absolutamente nada em que a cidade esteja melhor hoje do que estava há 3 anos. A grande obra que deixará do seu mandato é o plano geral de drenagem, que os socialistas lhe haviam deixado pronto a executar. E o resto? Podíamos pensar no lixo, no ambiente, na economia, na mobilidade, na cultura, nas escolas, nos centros de saúde, mas não temos como contornar o principal problema da cidade - a habitação. Carlos Moedas abandonou projetos para 2000 casas em habitação pública e 7 residências estudantis, enquanto abriu as portas ao alojamento local. Moedas é cúmplice desta crise da habitação.
Mas, se tivesse jeito, Moedas tinha arranjado forma de maquilhar a sua própria mediocridade. Sabemos que vivemos num país onde há muito pouca verificação de factos e ainda menos prestação de contas. O problema é que, por manifesta ansiedade, o edil lisboeta optou por uma abordagem histriónica de vários momentos. Prometendo varrer o socialismo da capital, viu-se obrigado a negociar com eles, que mesmo viabilizando os seus instrumentos de governação são acusados de constituírem um suposto bloqueio ao seu trabalho. A recente birra de abandonar a Assembleia Municipal, o sacudir do capote de mandar cidadãos bater à porta da ANA, o discurso do 5 de outubro xenófobo, o apressado alojamento de sem-abrigo em hostels ou até o desastre de ser apanhado a mentir sobre a sua responsabilidade no caso dos ecrãs luminosos da JCDecaux são tudo novos episódios deliciosos de como é que um político se pode auto-destruir.
Um colosso na comunicação por TikTok e uma simpatia nas ruas, Moedas só tinha de se saber comportar para granjear o respeito das pessoas e, quem sabe, um trajeto viável até à liderança do PSD. A montanha pariu, literalmente, um pequeno ratinho. Em política costuma-se dizer que «as eleições não se ganham, perdem-se.» A este ritmo, o improvável cenário de Moedas falhar a sua reeleição para a Câmara de Lisboa começa a crescer. Luís Montenegro deve olhar para o seu rival lisboeta e ter cuidado com os jogos de aparências se não quiser que o mesmo lhe venha a acontecer.
Estou farto que passem por patriotas aqueles que desfazem e desprezam tudo o que fizemos, tudo o que alcançámos e, sobretudo, tudo o que de nos livrámos – a miséria, a ignorância, o colonialismo.
Já sabíamos que vivemos numa era de ciclos mediáticos muito curtos. Isso já era o caso com a televisão e passou a sê-lo mais ainda com as redes sociais. Todavia, estes meios deveriam permitir-nos confrontar os políticos com o que disseram ou propuseram no passado. Como se diz na gíria, "a internet não esquece".
Muito trabalho ainda há a fazer. O desconhecimento dos portugueses em matéria de literacia financeira permite muitas tropelias. Por exemplo, permitiu que o Governo baixasse de forma "excessiva" a retenção na fonte, causando os reembolsos de IRS dos portugueses a desaparecer.
Este não é um caso novo. Há precisamente um ano, Luís Meira demitia-se da presidência do INEM depois de sucessivas insistências para resolver o concurso de contratação dos novos helicópteros.
Faça-se o que se fizer, num país onde se ganha mal, baixar o IRS parece sempre bem. Foi aliás essa a política do Partido Socialista nos 8 anos em que governou.
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