Quero viver num país onde o trabalho realize e pague bem. Um trabalho que nos dê dignidade e segurança e nos deixe tempo para desligar e deixar a vida ser “bué cenas”. Isto não é uma utopia ou um luxo inalcançável à luz da competitividade, nem uma relíquia do passado dessintonizada da vontade dos jovens ou de um mercado de trabalho crescentemente digital. Não é por acaso que, quanto mais inovadoras e produtivas as empresas, melhores condições dão aos seus trabalhadores.
A dias da greve geral, há muito ruído. De Montenegro a Cotrim, há processos de intenções sobre as origens da greve geral. Há previsões catastrofistas do impacto da mesma na economia e no quotidiano. Há até um primeiro-ministro que duvida de porquê que um trabalhador faria greve quando o seu salário aumenta. Como se os aumentos salariais fossem um prémio do Governo pelo qual devêssemos um silêncio muito grato. Ou pior, uma espécie de indemnização por direitos perdidos, como aliás o Governo já está a fazer na função pública.
É verdade - a simbologia e até o próprio ato de fazer greve pode ser algo estranho a muitos portugueses. Portugal é dos países da Europa onde se fazem menos greves. A situação de pleno emprego e de estabilidade económica ajudam a tirar o drama à causa. Ainda assim, este tema está verdadeiramente a correr mal ao Governo. É difícil a qualquer pessoa entender, quanto mais defender esta reforma laboral. Quem o diz não é só a CGTP e UGT, que fizeram nesta matéria uma convergência histórica. São os sindicatos independentes que, pela primeira vez, aderiram a uma greve geral. Até os ex-Ministros do Trabalho do PSD e CDS vieram criticar publicamente a proposta do Governo.
Como escrevi há 3 semanas, o pacote laboral pode mesmo ser um ponto de viragem. Ao contrário do SNS, que está em crise há mais de duas décadas, a AD é a única responsável por atear a fogueira em que se está a queimar. Todavia, seremos ingénuos se ficarmos satisfeitos por ter novos ouvintes para o habitual jargão sindical, enquanto o Governo se refastela a pintar o pacote laboral como o epitomo da modernidade e da flexibilidade. Não é. A oposição à Agenda Trabalho XXI não pode ser vintage, defensiva ou coletivista. Tem de fazer sentido para cada trabalhador e para o mundo do trabalho a que aspiramos.
Hoje, os portugueses (e sobretudo os mais jovens) querem ter mais teletrabalho e não facilitar que a empresa o recuse. Sonham com uma semana de quatro dias, não com semanas de 50 horas e a obrigação de trabalhar ao fim-de-semana. Na verdade, só respeitarão que temos vidas além do trabalho quando pagarem por cada hora a mais que nos tirarem, o contrário do que o pacote laboral define.
A nossa economia precisa de mais capital humano, mais inovação. Isso só acontece em empregos onde as pessoas se sintam estáveis. Para quê então prolongar os contratos a termo e acrescentar razões para usar essa forma de contrato? A inovação é acelerada pela formação e qualificação: este pacote laboral permite reduções de categoria profissional e corta para metade o número de horas mínimas de formação. Onde a inovação não acontece, já agora, é em empresas onde o trabalhador não possa pensar e sugerir fazer diferente. Para quê então permitir o despedimento sem prova escrita nem a possibilidade de apresentar testemunhas para explicar a nossa posição?
Nós precisamos que a inovação pague melhores salários. Isso não se obtém substituindo portugueses por um qualquer outsourcing mais barato, cá ou noutra parte do mundo. Isso não se faz com maior recurso a recibos verdes, aumentando a fasquia até à qual tem de ser o trabalhador a pagar a Segurança Social. Isso também não se faz com a descriminalização do trabalho não-declarado ou a desregulação do trabalho em plataformas.
Mais que tudo, eu quero um trabalho que me permita viver e não me ponha travões. Nada nas leis laborais de hoje impedem alguém de ter um emprego flexível, mas também não nos obrigam a tê-lo. Desde a compra de casa à paternidade, enfraquecer a nossa estabilidade no trabalho é pôr um travão ao resto das nossas vidas. Quantas mulheres vão adiar serem mães por medo de serem despedidas? Quantos casais vão ver o crédito negado no banco por ainda não serem “efetivos”? Quantos terão de se reorganizar, mudar de área, deslocar-se mais ou até ganhar menos, por, apesar do seu despedimento ser ilícito, a empresa poder recusar-se a reintegrá-los?
O pacote laboral não pretende ajustar as leis laborais à realidade do mundo do trabalho, nem ao que se espera do seu futuro no Século XXI. Não pretende tornar a economia mais competitiva e os salários mais altos. Não tem sequer a ver com a nossa liberdade. Pelo contrário, é um gesto defensivo de quem, depois de décadas de desemprego alto e contenção salarial, vive há anos próximo de pleno emprego e, por isso, se vê obrigado a expressivos aumentos dos vencimentos. É um gesto coletivista, que em vez de reconhecer a nossa individualidade e o nosso valor-acrescentado, nos reduz, porventura já nem a uma roldana na maquinaria fabril da nossa economia, mas a bits e algarismos num qualquer Excel, num qualquer algoritmo.
Nós somos mais e melhores que isso. Nós somos mais que o nosso trabalho e merecemos trabalhos melhores que esses. A economia também. É por isso que fazer greve no dia 11 não é um capricho do passado. É um gesto de futuro. De quem sabe que inovar precisa de um trabalho mais livre, estável e digno. De quem não desiste de um país onde produzir andam lado a lado com viver: com tempo, saúde e direitos. De quem quer mais competitividade com mais humanismo.
Ao fracasso da extrema-esquerda militar juntou-se a derrota de muita direita que queria ilegalizar o PCP. Afinal, nessa altura, os extremismos à esquerda e à direita não eram iguais. Ainda hoje não são, por muito que alguns o proclamem.
Há momentos que quebram um governo. Por vezes logo. Noutras, há um clique que não permite as coisas voltarem a ser como dantes. Por vezes são casos. Noutras, são políticas. O pacote laboral poderá ser justamente esse momento para a AD.
Não há nada inevitável na vida política. Na forma e no conteúdo, os erros que conduziram à queda de popularidade do PS eram há muito previsíveis e, em grande parte, evitáveis.
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Fala‑se muito do Estado de Direito, mas pouco se pratica o respeito pelas suas premissas básicas. A presunção de inocência vale para todos — também para os magistrados.