Escondido na página 167 do relatório, o Governo anuncia uma nova onda de privatizações de empresas públicas que não considere estratégicas. É um processo opaco, não-anunciado e que merece escrutínio público e parlamentar.
Já estão fartos do debate do Orçamento do Estado? Durante meses, a comunicação social entreteve-se a falar das condições de viabilização de um documento que não existia. As negociações prosseguem, agora com um debate mais informado pelas várias dezenas de medidas contidas entre as centenas de páginas do relatório e da lei. As novidades são, de facto, agridoces. Embora o Governo tenha recuado numa proposta radical de IRS Jovem para os mais ricos, regressando ao modelo equilibrado atualmente em vigor, mantém-se uma descida cega e transversal do IRC. Embora o Governo tenha continuado o reforço de verbas em matéria de cultura e juventude, começou por apresentar um corte de 16% no orçamento para o Desporto, que importa corrigir e reverter.
Vale a pena, porém, resistirmos ao frenesim mediático e ir além das principais medidas porque, como nos conta a sabedoria popular, o diabo está nos detalhes. Escondido na página 167 do relatório, o Governo anuncia uma nova onda de privatizações de empresas públicas que não considere estratégicas. É um processo opaco, não-anunciado e que merece escrutínio público e parlamentar. Às claras, porém, está a intenção do Governo em desviar recursos da Segurança Social e do Serviço Nacional de Saúde para a saúde e as pensões privadas.
No SNS, o Governo já tinha regulamentado as Unidades de Saúde Familiar Tipo C, uma versão privatizada de centro de saúde que em 20 anos ninguém tinha ousado fazer. O Ao invés de contratar psicólogos para o Ensino Superior, entrega aos estudantes do ensino superior um cheque, contadinho em volume e número de consultas e com inúmeras exclusões. Os médicos recém-formados na sua especialidade viram o concurso de contratação para o SNS atrasado, por opção expressa do Governo que assim fez um favor aos departamentos de recursos humanos da CUF, Luz, Trofa e outros grupos económicos. Tudo isto era já muito mau.
Imagine, agora, que num setor onde nunca há dinheiro a mais, o Governo decidia alocar receita não para reforçar o SNS mas para criar um incentivo fiscal para as empresas que ofereçam seguro de saúde aos seus funcionários. É um benefício onde, seguramente, irão ser transferidos milhões de euros que podiam ser usados para uma saúde de todos. A questão é: com que benefício? Os seguros não serão mais baratos. As famílias continuarão a ter de pôr do seu bolso para tantos dos custos que os seguros não cobrem ou, em casos graves, pedindo transferência para o SNS. Já os grupos de saúde privados terão, com o dinheiro de todos, uma nova pujança no recrutamento dos médicos, tornando ainda mais difícil ao Estado competir com estes em termos salariais. Hoje, mais de 80% dos médicos que trabalham nos hospitais privados são do SNS. Daqui a um ano, como será?
Nas pensões, o cenário não é menos negro. A Segurança Social foi uma das grandes conquistas do 25 de abril. Hoje portugueses que trabalharam uma vida inteira têm uma pensão baixa porque, durante tanto tempo, não se acautelou os percursos contributivos das pessoas. Ainda assim, Portugal tem hoje a segunda mais alta taxa de substituição de rendimentos de trabalho pela pensão pública e, segundo a OCDE, um trabalhador que comece agora a trabalhar, conseguirá asseguraruma pensão no valor de 98,8% do salário, acima da média de 61% da OCDE.
Que o Governo queira isentar de IRS e TSU as contribuições das famílias para pensões privadas é, portanto, um perigoso projeto ideológico. A isto acresce limitarem a transferência da receita de IRC para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, uma prática iniciada em 2018 e que na campanha eleitoral todos queriam continuar. As benesses às pensões privadas e a limitação do financiamento das pensões públicas é uma opção, em favor de quem tem rendimento suficiente para conseguir poupar. É uma opção com consequências, quando o Governo condiciona à "margem orçamental" ou, quem sabe, à oportunidade eleitoral, um aumento extraordinário das pensões.
Escondido nos detalhes, este Orçamento dá um empurrão para benefício da saúde e das pensões privadas. É, quem sabe, mais uma das privatizações de setores não-estratégicos que o Governo se propõe a fazer. São, porém, escolhas demasiado importantes para não se debater. No que depender de mim, vou-me bater para que não vão avante.
Enquanto os cidadãos sabem o que move e o que pensa a extrema-direita, da esquerda obtém-se um “nim” em vários assuntos. Isso revela uma fraqueza que afasta mais do que os pormenores programáticos em causa.
Ao fracasso da extrema-esquerda militar juntou-se a derrota de muita direita que queria ilegalizar o PCP. Afinal, nessa altura, os extremismos à esquerda e à direita não eram iguais. Ainda hoje não são, por muito que alguns o proclamem.
Há momentos que quebram um governo. Por vezes logo. Noutras, há um clique que não permite as coisas voltarem a ser como dantes. Por vezes são casos. Noutras, são políticas. O pacote laboral poderá ser justamente esse momento para a AD.
Para poder adicionar esta notícia aos seus favoritos deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da Sábado, efectue o seu registo gratuito.
Para poder votar newste inquérito deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da Sábado, efectue o seu registo gratuito.
Através da observação da sua linguagem corporal poderá identificar o tipo de liderança parental, recorrendo ao modelo educativo criado porMaccobye Martin.
Ficaram por ali hora e meia a duas horas, comendo e bebendo, até os algemarem, encapuzarem e levarem de novo para as celas e a rotina dos interrogatórios e torturas.
Já muito se refletiu sobre a falta de incentivos para “os bons” irem para a política: as horas são longas, a responsabilidade é imensa, o escrutínio é severo e a remuneração está longe de compensar as dores de cabeça. O cenário é bem mais apelativo para os populistas e para os oportunistas, como está à vista de toda a gente.