A Itália capricha na inventiva financeira e militar e, de sofisma em sofisma, assim vão os ponderosos compromissos da União Europeia e da NATO.
A Ponte sobre o Estreito de Messina é uma eternidade italiana cheia de ensinamentos para portugueses e demais entusiastas dos arcanos da engenharia, da inventiva financeira e dos sofismas políticos.
Os primeiros estudos de engenharia do século XIX antecedem a criação do Reino de Itália, em 1861, mas desde a Antiguidade que se cismava como ligar a ponta nordeste da Sicília com a Calábria.
Sucederam-se projectos de túneis e pontes até, finalmente, em 2005, a coligação de centro-direita de Silvio Berloscuni adjudicar o contrato de construção por 3,88 mil milhões de euros a um consórcio internacional liderado pela Salini Impregilo de Roma.
O executivo de Romano Prodi suspendeu no ano seguinte o contrato de projecto e construção assinado pelo terceiro governo de Berloscuni.
Ao voltar ao governo entre 2008 e 2011 o magnate milanês não conseguiu fazer avançar o empreendimento.
A crise de dívida pública obrigou ao abandono do projecto no final de 2011, seguindo-se novas discussões sobre a viabilização de um empreendimento apresentado como essencial para o desenvolvimento do Mezzogiorno.
Revista e reenquadrada financeiramente a construção da Ponte foi oficialmente relançada pelo executivo de Giorgia Meloni na passada quarta-feira e é um espanto financeiro.
A obra a cargo do consórcio Eurolink liderado pela Webuild (grupo sucessor da Salini Impregilo) está agora orçada em 13,5 mil milhões de euros.
Com 3.300 metros de comprimento em suspensão (a Ponte sobre o Tejo inaugurada em 1966 tem 2.227 metros entre amarrações), duas torres de 399 metros, 60 metros de largura, duas faixas centrais de comboio, seis rodoviárias e duas de serviço, a Ponte sobre o Estreito de Messina tem conclusão prevista para 2032.
A Ponte terá capacidade para o trânsito de 6.000 veículos/hora e 200 comboios/dia e os trabalhos, incluindo acessos rodoviários e ferroviários, irão começar no Outono, obrigando a expropriações de terrenos que vão ser contestadas em tribunal.
Uma vez obtidas as aprovações do Tribunal de Contas, no final deste Verão, surgirão os processos em defesa das reservas naturais de aves, a contestação judicial patrocinada pelos partidos adversos à coligação?Fratelli d'Italia, Lega per Salvini Premier e Forza Italia e por associações diversas que criticam o impacto pontencialmente negativo das obras.
Apesar do governo prometer a criação de 120 mil postos de trabalho para dinamizar a economia das duas regiões mais pobres de Itália e garantir especial atenção às maquinações criminosas da 'Ndrangheta da Calábria e da Mafia siciliana, a viabilidade e importância da Ponte é posta em causa.
As ligações de ferries de Messina a Villa San Giovanni, na península, que transportam diariamente cerca de cinco mil veículos, são um dos óbices ao retorno económico do investimento na maior ponte suspensa do mundo.
Os cerca de 20 minutos de travessia marítima, também assegurada por ferries de transporte ferroviário da empresa estatal Trenitalia, irão competir com a ligação da Ponte.
O transporte de mercadorias e pessoas a partir de outros portos sicilianos, sobretudo, Palermo, para destinos como Nápoles, Génova ou Livorno, pouco será afectado pela nova ponte.
À frequentemente tormentosa travessia – assombrada pelos monstros Cila e Caríbdis da mitologia grega – de um Estreito em que os ventos chegam a velocidades máximas de 144 km/h, soma-se o notório risco sísmico.
O projecto aprovado considera, contudo, viável e segura a construção e manutenção de uma estrutura, com 72 metros de altura ao nível do mar, capaz de garantir estabilidade com ventos até 270 km/h e resistente a abalos sísmicos.
A cartada NATO
A travessia entre o Mar Tirreno, a Norte, e o Mar Jónico, a Sul, é agora apresentada pelo governo de Roma como empreendimento que assume «um papel chave na movimentação das forças armadas da Itália e dos aliados da NATO».
Além da relevância da base aeronaval de?Sigonella, na Sicília, o executivo Meloni destaca a importância do Mediterrâneo como «área geopoliticamente sensível».
Decorre daqui que o investimento na melhoria das ligações entre a península e a Sicília é um empreendimento que se enquadra no compromisso assumido este ano pela Itália de aumentar as despesas em defesa.
Roma garantiu aos parceiros da NATO, ou, melhor dizendo, prometeu a Trump, que as despesas em defesa – 1,4% do PIB em 2024 – chegarão no final deste ano a 2%, atingindo 5% em 2035.
A Itália, contudo, tem uma dívida pública equivalente a 131% do PIB o que é um problema na União Europeia.
Para seguir os parâmetros de Bruxelas, Roma pretende reduzir o défice orçamental para 3,3% do PIB no final deste ano e chegar a 2,8% em 2026.
O compromisso com a NATO obriga, por sua vez, a um aumento de 3,5%?nas despesas militares e de 1,5% em investimentos em infraestruturas de duplo uso civil-militar, incluindo cibersegurança.
Das obras em portos como Trieste, no Adriático, ou Génova, no Mar da Ligúria, à Ponte sobre o Estreito de Messina, tudo é passível de contabilizar como despesas que satisfaçam o compromisso NATO.
Assim, será também possível evitar sanções da União Europeia por défice excessivo (3% do orçamento e 60% da dívida pública em relação ao PIB) até às próximas eleições legislativas de 2027.
Portugal, Bélgica, Bulgária, Croácia, República Checa, Dinamarca, Estónia, Finlândia, Grécia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia, Eslováquia e a Eslovénia recorreram, em Julho, à?cláusula de derrogação nacional?do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Até 2029 Lisboa e os demais parceiros poderão aumentar em 1,5% do PIB a despesa com defesa sem pôr em causa a sustentabilidade da dívida pública.
A Itália para evitar sanções financeiras de Bruxelas por défice excessivo e escapar às fúrias de Trump, capricha, por sua vez, na inventiva financeira e militar e, de sofisma em sofisma, assim vão os ponderosos compromissos da União Europeia e da NATO.
Texto escrito segundo o Acordo Ortográfico de 1945
Acumulam-se mandados do Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra e contra a humanidade e sobressai a sobranceria com que estados preponderantes na ordem internacional os desprezam e lhes negam qualquer validade ou relevância.
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