Sábado – Pense por si

Francisca Costa
Francisca Costa Gestora de projetos
15 de novembro de 2024 às 07:37

Telenovela anticlimática

Até porque, quando falamos em colonialismo, atentados a direitos humanos ou crimes ambientais, poucos são os países que não têm culpa no cartório.

A Cimeira do Clima (COP 29) iniciou esta semana no Azerbaijão e desde então que tem sido o principal palco para trocas de acusações entre os líderes mundiais.

A COP ou Conferência das Partes é o órgão máximo da Convenção Quadro das Nações Unidas para para o Combate às Alterações Climáticas. Esta reúne todos os estados que assinaram a convenção, com o objetivo fazer um ponto de situação sobre a política climática global.

Depois de se reunirem no Dubai em 2023 e acordarem a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, este ano, os líderes mundiais reunem-se pela vigésima nona vez. O grande objetivo é chegar a um acordo para um novo objetivo de financiamento climático capaz de dar resposta aos países mais afetados e assegurar a mitigação e adaptação às alterações climáticas, sendo Baku, a capital do Azerbaijão o local escolhido para o efeito.

À semelhança do ano anterior, o país anfitrião para a realização da COP não foi consensual. Este foi fortemente criticado por diversas organizações internacionais, precisamente pelas principais exportações deste país serem petróleo e gás, recursos responsáveis por alimentar a crise climática que esta cimeira se propõe a resolver. Para além disso, o Azerbaijão tem sido sucessivamente acusado de atentados aos direitos humanos e limpeza étnica do povo armeniano, o que não favorece particularmente a sua reputação internacional.

No entanto, para manter uma boa imagem, mal a COP tinha acabado de começar já o presidente do Azerbaijão usava a sua condição de anfitrião para acusar a França e os Países Baixos de serem responsáveis por neocolonialismo e crimes ambientais nas suas ex-colónias. De orgulho ferido, e talvez um pouco de inseguranças face às acusações, tal resultou na saída da delegação gaulesa das negociações, sendo que já antes do início da cimeira o executivo francês tinha desencorajado a sua delegação a atender a esta Conferência, devido à estreita relação que mantém com o povo armeniano.

Ao mesmo tempo, Javier Milei, primeiro-ministro da Argentina e negacionista das alterações climáticas, aproveitou para capitalizar esta conferência e pedir aos seus delegados para abandonarem a COP sem qualquer tipo de justificação. Tal aconteceu depois do líder argentino ter ameaçado sair do acordo de Paris, um dos maiores acordos internacionais ao nível das alterações climáticas.

Estando a pouco mais de cinco anos de atingirmos um ponto sem retorno para evitar o aquecimento global, esta cimeira requeria, acima de tudo, compromisso, ambição e amnistias políticas. Até porque, quando falamos em colonialismo, atentados a direitos humanos ou crimes ambientais, poucos são os países que não têm culpa no cartório.

Em vez disso, vemos os líderes mundiais a usarem a COP como campo de batalha para acusações políticas, criando a instabilidade necessária para dificultar um acordo para a nova meta de financiamento. No final do dia, tudo se trata de jogos de poder que inviabilizam objetivos ambiciosos e desviam as atenções, continuando mais um ano a alimentar esta telenovela anticlimática.

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