Sábado – Pense por si

Francisca Costa
Francisca Costa Gestora de projetos
08 de novembro de 2024 às 07:15

Filantropia ou greenwashing?

No entanto, é importante refletir como é que este lucro é gerado em primeiro lugar e questionar se este ato não se resume a uma espécie de greewashing, estratégia de marketing utilizada atualmente por várias empresas para branquear os seus impactos ambientais.

Durante a década de 80, Milton Friedman, célebre economista americano popularizou a seguinte frase "a responsabilidade social das empresas é aumentar o lucro". Volvidas algumas décadas desde o início desse pensamento que moldou várias gerações de empresas, hoje a responsabilidade social corporativa vai muito além da geração do lucro e dos impactos económicos, olhando também para os impactos sociais e ambientais que estas conseguem gerar nas comunidades em que operam. 

Este pensamento evolui de tal forma que a União Europeia, perante os impactos negativos que as empresas são capazes de gerar, implementou a Diretiva de Reporte de Sustentabilidade Corporativa com o intuito de obrigar as empresas a reportarem os impactos sociais e ambientais decorrentes das suas atividades produtivas e de toda a sua cadeia de valor. 

No entanto, a capacidade de inovação das empresas e dos seus acionistas conseguiu superar este tipo de legislação, utilizando parte dos seus lucros milionários para investir nas comunidades em que operam. Um desses mais recentes casos foi o da Fundação Amancio Ortega, pertencente ao homem mais rico de Espanha e dono da empresa têxtil Inditex, que perante a situação catastrófica das cheias em Valência decidiu criar um fundo de 100 milhões de euros para apoiar as comunidades afetadas.  

Este ato filantrópico, gera naturalmente um sentimento de aclamação dentro da classe corporativa, perante a generosidade da Fundação e do próprio dono da Inditex. No entanto, é importante refletir como é que este lucro é gerado em primeiro lugar e questionar se este ato não se resume a uma espécie de greenwashing, estratégia de marketing utilizada atualmente por várias empresas para branquear os seus impactos ambientais.  

A Inditex é uma multinacional com lucros milionários anuais, sendo que esses lucros são também resultado de esta ser uma das empresas mais poluentes a nível mundial entre as cadeias de fast fashion. Por sua vez, esta indústria representa cerca de 10% das emissões globais de gases com efeito de estufa. O modelo económico em que esta esta empresa opera, baseia-se na produção desenfreada de produtos têxteis e extração de recursos desmedida, que incentivam à sociedade de consumo e de descarte que hoje vivemos e acentua os impactos da crise climática, devido à elevada emisssão de gases com efeito de estufa e consumo de recursos decorrentes da sua produção.  

Deste modo, o lucro revertido para as populações mais afetadas pelas cheias em Valência, cheias essas que foram também exacerbadas pela crise climática em que vivemos, suscita algumas dúvidas.  

Por um lado, a Inditex, tem o dever quase moral de ajudar estas comunidades, mas não deveria, desde logo, mudar o seu modelo de negócio para evitar que este tipo de situações continuem a acontecer no futuro? Será legítimo que a sua ação se foque na atenuação dos impactos a posteriori, acabando por fortalecer a reputação da marca, em vez de alterar o seu modelo de negócio para que este tipo de catástrofes não aconteça em primeiro lugar? E até que ponto este tipo de ações não servirão para mascarar os impactos sociais e ambientais negativos que decorrem das suas atividades económicas? 

Se no século passado as empresas não tinham qualquer tipo de problema em demonstrar o seu objetivo de prosseguir o lucro, hoje em dia fica mais difícil de detetar este tipo de ambições. Vale a pena continuarmos a questionar com algum ceticismo se os seus atos de filantropia se enquadram verdadeiramente no ADN das empresas e nos seus modelos de negócio, ou se não passam de meros atos de greenwashing que apenas favorecem a sua reputação, enquanto que o impacto negativo decorrente das suas atividades permanece inalterado.  

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