Sábado – Pense por si

Francisca Costa
Francisca Costa Gestora de projetos
10 de maio de 2024 às 07:56

País de Brandos Costumes

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Edição de 5 a 11 de agosto

Ao olharmos para os livros de história facilmente percebemos que os movimentos estudantis marcaram grandes conquistas de direitos civis e de manutenção da paz.

Ao mesmo tempo que se celebra o dia da Europa como forma de relembrar a paz e prosperidade no continente europeu que se iniciou no pós II Guerra Mundial, milhares de estudantes ocupam universidades europeias em solidariedade com o povo Palestiniano e com o genocídio em Gaza a que o velho continente tem sido cúmplice.

Estas ocupações estudantis têm vindo a ser prática reiterada por ativistas climáticos para contestar o fim aos combustíveis fósseis ao nível internacional. O principal objetivo desta forma de contestação é perturbar o normal funcionamento das instituições de ensino, já que estas são por excelência palco para o desenvolvimento do pensamento crítico e do conhecimento científico.

Nesta Primavera, as demandas estendem-se para o fim ao genocídio em Gaza, mostrando a interseccionalidade das lutas a que os estudantes dão voz e ligando a justiça climática à luta pelos direitos humanos. Esta interligação mostra que as lutas não se sobrepõe umas às outras até porque o fim do genocídio em Gaza está também intimamente relacionado com o fim da exploração fóssil como é o caso do gás natural presente em territórios palestinianos. No entanto, a complexidade desta intersecção facilmente se perde nas entrelinhas devido à fraca atenção mediática que estas ocupações têm tido ao nível nacional.

Ao olharmos para os livros de história facilmente percebemos que os movimentos estudantis marcaram grandes conquistas de direitos civis e de manutenção da paz. Exemplos desses são os movimentos estudantis internacionais para põr fim à guerra no Vietname, para acabar com o aprtheid em África ou para dar voz ao movimento LGBTQIA+.

Em Portugal, já no século XIX, a Geração Coimbrã revolucionava o pensamento crítico do país para impulsionar a cultura e valorizar a educação do país. Foi nessa altura que Eça de Queirós marcou a literatura portuguesa ao descrever Portugal como um "país de brandos costumes" para criticar a sociedade portuguesa relativamente à apatia e passividade perante as injustiças e problemas sociais. No quinquagésimo aniversário da revolução dos cravos, vale a pena também relembrar as lutas estudantis dos anos 60 que foram um dos principais motes para a queda do regime salazarista e posterior término da guerra colonial. Apesar destas duas revoluções terem sido silenciadas pelos regimes da altura, tiveram repercursões que marcam as gerações de hoje e são narradas nos livros de história.

Os estudantes universitários sucessivamente desafiam a sociedade a pensar diferente daquilo que está habituada, alicerçando as suas lutas com conhecimento científico e inovação. Para contrariar a apatia política e de falta de pensamento crítico a que o país parece estar condenado, urge amplificar as vozes da academia e dos mais jovens que tentam reinventar o futuro para onde parecemos inevitavelmente caminhar. Tal tem que sair do seio académico e os meios de comunicação social devem estar na linha da frente através da cobertura mediática. Só assim é possível chegar à classe política que deve prontamente responder a estas contestações.

Se os movimentos estudantis da década de 60 bem como a a geração coimbrã ainda hoje aparecem nos livros de história é possível que estas ocupações estudantis um dia também deles constem. Ao darmos o benefício da dúvida pode ser que percebamos que as revoluções de pensamento se fazem ao contrariar ativamente um "país de brandos costumes".

Francisca Costa

09 de maio de 2024

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