Sábado – Pense por si

Francisca Costa
Francisca Costa Gestora de projetos
17 de maio de 2024 às 07:00

Lobos disfarçados de cordeiros

Existe um animal político que se vai mutando de modo a garantir a sua reprodução e sobrevivência. Com as eleições europeias à porta, parece estar mais forte que nunca e por isso importa perceber as suas caraterísticas predadoras.

Numa altura em que falamos das ameças à perda biodiversidade e extinção de espécies, na Europa, existe um animal político que se vai mutando de modo a garantir a sua reprodução e sobrevivência. Com as eleições europeias à porta, parece estar mais forte que nunca e por isso importa perceber as suas caraterísticas predadoras.

Em 2019, o Parlamento Europeu elegeu 59 animais desta espécie, estando já bem estabelecidos em países como a Itália, França, Alemanha ou Áustria. Sabendo que Portugal não é de todo o seu habitat preferencial, nomedamente pelas suas condições históricas e políticas, este animal recebeu alguma resistência até conseguir estabelecer-se no país. Volvidos cinco anos, o descontentamento social e a instabilidade política acabaram por levar ao seu alastramento um pouco por todas as zonas do país.

À primeira vista, poderia parecer que a sua mutação servia para conseguir aproximar-se de outras espécies, quase como camaleões que alteram a sua cor para se camuflarem mediante a situação social em que se encontram. No entanto, este animal tem alguma aversão ao vermelho, tentando nunca aproximar-se de ideologias políticas que possuam essa cor. E sabendo que existem camaleões vermelhos nalgumas partes do mundo, a hipótese do camaleão acabaria por ser descartada.

Numa segunda impressão, poderíamos confundir esta espécie com papagaios, dada a sua capacidade de repetir todos os assuntos que provocam revolta política nas conversas de café. Independentemente da ave que seja, foram capazes de acasalar frequentemente com pombos-correio, pois tudo o que dizem, seja mais ou menos acertado, acabou por receber particular atenção por parte dos meios de comunicação social.

Olhando mais atentamente, começámos a perceber que este animal não se enquadra na categoria de réptil ou de ave, mas sim mamífero. Tal e qual as raposas, é habilidoso na arte de caçar votos usando táticas como a emboscada e a fuga rápida aos assuntos para se proteger nos debates televisivos. Mesmo assim, só passados vários anos de observação atenta e sistemática, descobrimos que afinal se tratam de lobos disfarçados de cordeiros e nas últimas eleições conseguiram conquistar rebanhos inteiros devido ao descontentamento com os pastos áridos que asolavam o país.

Os lobos disfarçados de cordeiros estão cheios de contradições. Por mais que façam parte de um ecossistema comum, não acreditam na biodiversidade nem na coexistência de vários animais. Por mais que digam que preservam o mundo rural, têm feito de tudo para eliminar as poucas possibilidades que este tem para sobreviver às consequências das alterações climáticas. São selvagens e estão dispostos a atacar a qualquer momento, em vez de praticarem políticas de defesa e de manutenção da paz entre as diferentes espécies.

Organizações ambientalistas têm vindo a alertar para o perigo que representa este animal político, como podemos ver no Eurobarómetro lançado em 2024, que avalia as posições de todas as famílias políticas presentes no Parlamento Europeu desde 2019. Apesar de ainda não contarem com a representação portuguesa na Europa, os lobos disfarçados de cordeiros posicionaram-se em último lugar numa pontuação global de 30 dossiês legislativos relacionados com a transição climaticamente neutra e socialmente justa, a positividade para a natureza, o combate à poluição e desenvolvimento da economia circular. É, por isso, crucial que nestas eleições decisivas para o combate às alterações climáticas e manutenção da paz no continente europeu, votemos informadamente e não nos deixemos influenciar pela aparência de camaleão, papagaio ou raposa.

Em última análise, torna-se claro que a Europa precisa de uma limpeza, uma limpeza da influência dos lobos disfarçados de cordeiros determinados a conquistar toda a arena política a qualquer custo. Até porque a verdadeira manutenção dos princípios europeus de liberdade, igualdade e democracia exigirá eurodeputados comprometidos com a ação climática, coexistência de espécies e promoção da paz, não com jogos políticos e retórica vazia que apenas têm como objetivo chegar ao topo da cadeia alimentar.

Mais crónicas do autor
21 de fevereiro de 2025 às 21:54

A chegada do navio

Depois do verão mais quente de sempre e dos mais recentes tsunamis geopolíticos, que têm comprometido a estabilidade global e os compromissos internacionais para o combate às alterações climáticas, esta organização traz consigo uma vontade redobrada de fazer cumprir os compromissos portugueses quer ao nível nacional e internacional.

07 de fevereiro de 2025 às 13:32

Ciência ou ideologia?

Estas propostas foram rotuladas como "terrorismo ideológico e ambientalista", ignorando os dados científicos que as fundamentam.

24 de janeiro de 2025 às 19:34

Os donos disto tudo

Este descuido permitiu que os oligarcas da era digital minassem os sistemas económico e político, enquanto que a União Europeia tenta agora recuperar a autoridade que lhe escapou por entre os dedos.

10 de janeiro de 2025 às 21:53

Karma ou Causalidade?

As imagens apocalípticas dos incêndios parecem, assim, uma premonição do caos que se avizinha, especialmente tendo em conta que acontecem mesmo antes da tomada de posse de Donald Trump, um dos mais notórios promotores do negacionismo climático a nível internacional.

03 de janeiro de 2025 às 22:05

O relógio não para

As odes de revertermos a situação climática para onde caminhamos parecem cada vez mais escassas e o aproximar do final da década deixa-nos cada vez com menos tempo.

Mostrar mais crónicas

As 10 lições de Zaluzhny (I)

O poder não se mede em tanques ou mísseis: mede-se em espírito. A reflexão, com a assinatura do general Zaluzhny, tem uma conclusão tremenda: se a paz falhar, apenas aqueles que aprendem rápido sobreviverão. Nós, europeus aliados da Ucrânia, temos de nos apressar: só com um novo plano de mobilidade militar conseguiríamos responder em tempo eficaz a um cenário de uma confrontação direta com a Rússia.

Cuidados intensivos

Loucuras de Verão

Até porque os primeiros impulsos enganam. Que o diga o New York Times, obrigado a fazer uma correcção à foto de uma criança subnutrida nos braços da sua mãe. O nome é Mohammed Zakaria al-Mutawaq e, segundo a errata do jornal, nasceu com problemas neurológicos e musculares.