Sábado – Pense por si

Francisca Costa
Francisca Costa Gestora de projetos
01 de março de 2024 às 07:29

Imigrantes de bem

Sendo a crise da habitação um problema nos Países Baixos, várias vezes me foi rejeitada a oportunidade de arrendar casa por não me integrar na categoria de arrendatária "dutch-speaker only".

Num país em que a imigração serve como arma de arremesso político para atrair votos em pleno período de campanha eleitoral, importa desmistificar algumas questões fundamentais para a harmonia num país democrático e aberto para o mundo.

Segundo o dicionário Priberam: Imigrante, quem imigra ou que vem establecer-se em região ou país diferente do seu; emigrante, quem emigra ou vai establecer-se noutra região ou país. Embora estas palavras sejam antónimas, são indissociáveis na sua essência. Emigrante e imigrante: duas palavras antónimas mas indissociáveis. Quem emigra torna-se imigrante no país de destino, da mesma maneira que quem imigra é emigrante do seu país de origem.

Apesar das semelhanças evidentes, há uma tendência generalizada para afastarmos estes dois conceitos um do outro, atribuindo-lhes pesos diferentes. Por um lado, o debate político centra-se na imigração e na alegada falta de segurança que estes fluxos de pessoas trazem para Portugal. Por outro, fala-se na crise de emigração e na dificuldade em reter jovens portugueses qualificados no nosso país.

Em 2021 fui também uma dessas jovens. Deixei Portugal e emigrei para os Países Baixos. Foi nesse país que tirei o mestrado e tive parte das minhas propinas amortizadas pelo governo neerlandês, o que por si só quase faria de mim uma subsidiodependente. Valorizei o meu percurso académico, expandi horizontes e consegui pagar menos do que aquilo que pagaria por um mestrado em Lisboa, incluindo todos os custos associados.

Sendo a crise da habitação também um problema nos Países Baixos, várias vezes me foi rejeitada a oportunidade de arrendar uma casa por não me integrar na categoria de arrendatária "dutch-speaker only" (apenas para pessoas que falam neerlandês). Por ser portuguesa, durante o tempo que lá vivi, fui várias vezes incluída no grupo dos sul-europeus, aqueles que na perceção dos neerlandeses e alemães são mais preguiçosos, desleixados e com pouca vontade de trabalhar. Não foram assim tantas as vezes que tive que provar o meu valor para me distanciar deste estereótipo que me atribuíam, mas aconteceram.

Custa-me acreditar que todos os leitores portugueses que me estão a ler neste momento se enquadram na caraterização que me fizeram. Se tomaram esta caraterização como um insulto que vos poderiam ter sido feito a vocês mesmos, acabaram de sofrer um pouco das generalizações pejorativas que todos os dias se fazem no nosso país para rotular os imigrantes.

Os imigrantes trazem novos sons, comidas, danças e culturas. Fazem-nos viajar sem sair do país, expandem os horizontes de um Portugal que durante muito tempo foi obrigado a permanecer no obscurantismo do lema "orgulhosamente sós". Ajudam na produção de riqueza, são a principal força de trabalho em alguns setores, contribuem para a segurança social e contrariam o inverno demográfico para o qual Portugal tem vindo a cavalgar nos últimos anos.

Mesmo assim são alvo de críticas constantes. Foram frequentemente acusados de ficarem com subsídios que não lhes eram devidos, quando na verdade se revelaram uma mais valia para as contribuições da Segurança Social contribuindo mais do que aquilo que usufuem, como indicado no Relatório Estatístico Anual de 2023. São agora alvo de críticas relativamente ao sentimento de segurança, veio-se a constatar que esta é uma correlação infundada num dos países mais seguros do mundo no qual tanto a criminalidade violenta como a criminalidade geral tem vindo a diminuir tendencialmente nos últimos anos, segundo o último Relatório Anual de Segurança Interna.

Não fosse já difícil o suficiente chegar a um país novo, arranjar trabalho, procurar casa e integrar-se, existem propostas políticas para dificultar ainda mais esta entrada. No entanto, o controlo da imigração através da garantia do contrato trabalho e de residência, é uma falácia do mundo globalizado e país europeísta em que vivemos.

Ao criarmos ainda mais barreiras legais para a entrada no país, paradoxalmente abrimos as portas à imigração ilegal, promovida pelas redes de tráfego que procuram explorar lacunas na lei para trazer pessoas para o país e mantê-las sobre a sua alçada, desrespeitando a dignidade humana. O exemplo do Reino Unido ilustra esta realidade, mesmo com a sua configuração insular e com um maior controlo de fronteiras após a saída da União Europeia, não conseguiu diminuir a sua imigração ilegal e um estudo revela que a sua tendência é que esta continue a aumentar.

Portanto, evitemos generalizações que tomam a parte como um todo e que assumem que o erro de algumas pessoas, muitas das vezes desesperadas por uma melhor condição de vida, representa toda uma classe migrante. A solução está na integração e na maneira como esta é feita: quebrando esteriótipos, explicando os complexos procedimentos administrativos e abraçando as diferenças como riqueza cultural de um país. Só nessa altura estaremos a altura para acolher com dignidade aqueles que para mim serão sempre, até prova individual contrária, imigrantes de bem.

Mais crónicas do autor
21 de fevereiro de 2025 às 21:54

A chegada do navio

Depois do verão mais quente de sempre e dos mais recentes tsunamis geopolíticos, que têm comprometido a estabilidade global e os compromissos internacionais para o combate às alterações climáticas, esta organização traz consigo uma vontade redobrada de fazer cumprir os compromissos portugueses quer ao nível nacional e internacional.

07 de fevereiro de 2025 às 13:32

Ciência ou ideologia?

Estas propostas foram rotuladas como "terrorismo ideológico e ambientalista", ignorando os dados científicos que as fundamentam.

24 de janeiro de 2025 às 19:34

Os donos disto tudo

Este descuido permitiu que os oligarcas da era digital minassem os sistemas económico e político, enquanto que a União Europeia tenta agora recuperar a autoridade que lhe escapou por entre os dedos.

10 de janeiro de 2025 às 21:53

Karma ou Causalidade?

As imagens apocalípticas dos incêndios parecem, assim, uma premonição do caos que se avizinha, especialmente tendo em conta que acontecem mesmo antes da tomada de posse de Donald Trump, um dos mais notórios promotores do negacionismo climático a nível internacional.

03 de janeiro de 2025 às 22:05

O relógio não para

As odes de revertermos a situação climática para onde caminhamos parecem cada vez mais escassas e o aproximar do final da década deixa-nos cada vez com menos tempo.

Mostrar mais crónicas

As 10 lições de Zaluzhny (I)

O poder não se mede em tanques ou mísseis: mede-se em espírito. A reflexão, com a assinatura do general Zaluzhny, tem uma conclusão tremenda: se a paz falhar, apenas aqueles que aprendem rápido sobreviverão. Nós, europeus aliados da Ucrânia, temos de nos apressar: só com um novo plano de mobilidade militar conseguiríamos responder em tempo eficaz a um cenário de uma confrontação direta com a Rússia.