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Proibir estrangeiros de comprar casa? Seria "algo a negociar com a UE"

Gabriela Ângelo 22 de fevereiro de 2025 às 10:00
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A Austrália impediu até 2027 os cidadãos estrangeiros de comprarem casas já construídas para responder à crise na habitação. Coletivos pela habitação

A partir de 1 de abril, as pessoas de nacionalidade estrangeira serão proibidas de comprar casas na Austrália, medida que vigorará até dia 31 de março de 2027. Poderão, no entanto, comprar habitações novas, investindo na sua construção, para incentivar a oferta. A medida do governo australiano pretende responder ao aumento do preço dos imóveis e tem como objetivo libertar cerca de 1.800 propriedades por ano para investidores locais. 

apartamentos em espanha
apartamentos em espanha Hauke-Christian Dittrich/AP

Daniel Borges, do coletivo 1º Esquerdo, diz que este tipo de medida em Portugal "já foi discutida várias vezes, no contexto das manifestações", mas teria de ser discutida com a União Europeia (UE). "A UE tem regras sobre a circulação de capitais, bens e pessoas", explica, e estando Portugal atrelado a ela, seria "algo a negociar com a UE".

A medida australiana é uma resposta ao aumento do preço dos imóveis e surgiu dias antes de ser revelado que Portugal é o país da OCDE onde é mais difícil comprar casa. Segundo o jornal Expresso, Portugal atingiu o valor mais elevado relativamente ao índice de acessibilidade habitacional. Em 2023, os estrangeiros representaram 7% das casas vendidas em Portugal. 

"[A Austrália] É um continente que advoga a regularização do mercado, é regulador do problema mundial na habitação", aponta André Escoval, porta-voz do movimento pelo direito à habitação Porta a Porta, e "confronta a atuação do atual Governo do nosso país". "O Estado tem de intervir na regulamentação da habitação", insiste André, uma vez que o que está em causa não é a "falta de oferta, a oferta existe, há casas suficientes, mas o Estado é o pior senhorio". 

Na Europa a escassez de habitação, em conjunto com um aumento lento dos salários, dificultou o acesso a casas a preços acessíveis, desde o norte ao sul. A habitação tornou-se a maior despesa das famílias em toda a União Europeia (UE): as rendas aumentaram cerca de 20% na última década e os preços das casas subiram quase 50%, o dobro do rendimento médio das famílias. Em Espanha, foram anunciadas em janeiro 12 medidas para promover a habitação: a mais polémica é a limitação da compra de casas a estrangeiros que não sejam cidadãos da UE, a par do agravamento dos impostos ao alojamento local. 

André Escoval elogia os países na UE que "têm tido ao longo de décadas, a necessidade de alargar e fazer crescer o património público habitacional", assim como "parques públicos habitacionais que chegam aos 30%". Num dos seus artigos para A Voz do Operário, o porta-voz do Porta a Porta refere que Portugal tem apenas 2% de habitação pública, em contraste com países como os Países Baixos que têm cerca de 34,1%, a Áustria com 23,6%, a Dinamarca com 21,4%, mas também outros países como a Finlândia com 10% ou a Suíça com 8%, a média atual da União Europeia (UE). 

No que toca à questão dos parques públicos habitacionais, Daniel Borges realça que Viena, a capital austríaca, tem uma "história longa de construção de parque público habitacional". Na cidade, "um terço do parque habitacional é publico, um terço é cooperativo e um terço é privado", explica. Trata-se de uma medida que demorou anos a alcançar. "Em Portugal se quiséssemos implementar" esta política, aponta, "só daqui a 70 anos iríamos ter resultados". Acaba por ser uma medida que permite "controlar o mercado melhor e regular o mercado de arrendamento", mas "em Portugal, o Estado não tem esta capacidade de intervenção", ou simplesmente não quer ter, considera. 

Por muito que Portugal vá buscar inspiração lá fora, o ativista do 1.º Esquerdo esclarece que existem "ferramentas que funcionaram para regular os preços das rendas e baixar o preço dos imóveis". É necessário que se pare de ver a crise habitacional em Portugal "como um problema de falta de oferta", ainda porque "temos um mercado inelástico". O que está em causa não é a construção de casas, mas sim direcionar a habitação já existente "para o mercado acessível, caso contrário continuará a ser construída habitação de luxo", o mercado mais lucrativo. 

Outras medidas na Europa

De forma a aproveitar os imóveis, e assegurar que estão a ser utilizados, muitas autarquias nos Países Baixos têm regulamentos sobre as casas que se encontram desocupadas, exigindo que o proprietário ou o senhorio do imóvel vazio comunique a sua desocupação. Geralmente um imóvel é considerado vago após não ser ocupado durante seis meses. Em Amesterdão, a cidade nos Países Baixos com maior escassez de habitação, se o proprietário não comunicar a desocupação passado este tempo, será aplicada uma coima. O valor mínimo para um proprietário que alugue a sua única casa, é de 4.500 euros, ao passo que detentores de várias propriedades para arrendamento podem ser multados até 9 mil euros por habitação. 

A norte da Europa, na Dinamarca, a Lei Blackstone proíbe aumentos de rendas durante cinco anos, e proíbe ainda que os senhorios ofereçam dinheiro para que os seus inquilinos abandonem as suas habitações. Segundo o governo dinamarquês, o objetivo é conter o aumento das rendas das habitações privadas nas grandes cidades. Para além disso, para um estrangeiro poder comprar uma habitação no país, é necessário ter mostrar que tem residência permanente ou que tem vivido na Dinamarca durante cinco anos consecutivos,  uma autorização que apenas pode ser concedida pelo Ministério da Justiça. 

Na Catalunha, o governo catalão dispõe de um orçamento para adquirir casas que estejam vazias há mais de dois anos. Depois de adquirir essas casas, pode arrendar os imóveis a preços acessíveis. Enquanto isso em Aragão, uma lei define que os senhorios que tiverem mais de 15 propriedades vão ter de disponibilizar ao governo aquelas que não estiverem a ser utilizadas. Esses imóveis vão ser disponibilizados à comunidade, integrando alguns programas sociais, e quem não entregar a habitação, poderá ser multado. 

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