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Migrações: Amnistia Internacional denuncia tortura, abandono e expulsões na fronteira da Letónia

Amnistia Internacional acusa as autoridades letãs de violarem os direitos de refugiados e migrantes que tentam entrar no país a partir da fronteira da Bielorrússia.

A organização de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional denunciou hoje a existência de pessoas espancadas, submetidas a choques elétricos e abandonadas, sem telemóvel, em florestas geladas pela guarda fronteiriça da Letónia, país onde tentavam entrar.

REUTERS/Tyrone Siu

Num relatório intitulado "Letónia: Regressar a casa ou nunca mais sair da floresta", hoje divulgado, a Amnistia Internacional acusa as autoridades letãs de violarem os direitos de refugiados e migrantes que tentam entrar no país a partir da fronteira da Bielorrússia e sublinha ter recebido informação sobre o possível desaparecimento de pelo menos 30 pessoas.

Com base numa investigação relativa a 2021, que se focou sobretudo nas dificuldades enfrentadas no inverno por migrantes e refugiados que tentaram entrar na Letónia, a organização alerta para a aproximação de um novo inverno e exorta a União Europeia a exigir à Letónia que ponha fim ao estado de emergência e restaure o direito de asilo em todo o país.

Como lembra a Amnistia Internacional, a Letónia introduziu, em 10 de agosto do ano passado, o estado de emergência no país, depois de um aumento substancial do número de pessoas incentivadas pela Bielorrússia a ir para a fronteira.

Contrariando o que defende o direito internacional e da UE, as regras de emergência suspenderam o direito de solicitação de asilo e permitiram que as autoridades letãs devolvessem pessoas à Bielorrússia de forma forçada e sumária, acusa a organização internacional.

As autoridades letãs prolongaram repetidamente o estado de emergência, atualmente até novembro, apesar da diminuição dos movimentos ao longo do tempo, e da própria admissão de que o número elevado de tentativas de entrada foi resultado de múltiplas travessias pelas mesmas pessoas.

"A Letónia deu a refugiados e migrantes um ultimato cruel: aceite retornar 'voluntariamente' ao seu país ou permaneça na fronteira enfrentando detenções, retornos ilegais e tortura. Em alguns casos, a detenção arbitrária na fronteira pode equivaler a um desaparecimento forçado", afirma a diretora do gabinete de Instituições Europeias da Amnistia Internacional, Eve Geddie, citada no relatório.

"As autoridades letãs deixaram homens, mulheres e crianças à sua própria sorte sob temperaturas geladas, muitas vezes presos em florestas ou mantidos em tendas. Empurraram-nos violentamente de volta para a Bielorrússia, onde não têm hipóteses de pedir proteção", referiu a responsável, sublinhando que estas ações "não têm nada a ver com proteção de fronteiras" e que se trata de "violações descaradas do direito internacional e da UE".

Em resposta às rejeições violentas feitas pela guarda fronteiriça da Letónia, as autoridades bielorrussas empurraram sistematicamente as pessoas de volta.

A Europa tem acusado a Bielorrússia de criar artificialmente uma crise migratória ao atrair migrantes - principalmente do Médio Oriente - e levá-los para a fronteira, prometendo-lhes uma entrada fácil na Polónia, na Lituânia ou na Letónia, ou seja, na UE, como retaliação pelas sanções impostas ao regime do Presidente Aleksandr Lukashenko.

A Bielorrússia rejeita a acusação e acusa por seu turno a UE de violar os direitos humanos ao não acolher os migrantes.

No relatório, a Amnistia Internacional conta a história de um iraquiano que ficou preso naquela fronteira durante cerca de três meses e que disse ter sido empurrado para trás mais de 150 vezes, às vezes oito vezes num só dia.

Muitas pessoas foram também obrigadas a passar longos períodos retidas na fronteira ou em tendas montadas pelas autoridades em áreas isoladas da floresta, com temperaturas que chegavam aos 20º negativos.

As autoridades letãs têm garantido que o uso de tendas serve apenas para "assistência humanitária", mas a Amnistia Internacional garante ter encontrado provas de que as tendas eram locais fortemente vigiados, usados "para manter arbitrariamente refugiados e migrantes e como postos avançados para retornos ilegais".

"Na fronteira e nas tendas, as autoridades confiscaram os telemóveis das pessoas para impedir qualquer comunicação com o mundo exterior", acusa a organização de defesa dos direitos humanos.

"Uma organização não-governamental letã informou que, entre agosto e novembro de 2021, foi contactada pelos familiares de mais de 30 refugiados e migrantes que se temiam desaparecidos", acrescenta.

"A Letónia, a Lituânia e a Polónia continuam a cometer graves abusos [dos direitos humanos], sob pretexto de estarem sob um ‘ataque híbrido’ da Bielorrússia", critica a Amnistia Internacional.

"À medida que o inverno se aproxima e os movimentos na fronteira são retomados, o estado de emergência continua a permitir que as autoridades letãs devolvam ilegalmente as pessoas à Bielorrússia. Muitos mais podem ser expostos à violência, detenção arbitrária e outros abusos", alertou Eve Geddie.

"O tratamento vergonhoso da Letónia às pessoas que chegam às suas fronteiras representa um teste vital para as instituições europeias", concluiu.

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