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Macron descarta Taiwan. EUA pedem explicações

João Carlos Barradas
João Carlos Barradas 10 de abril de 2023 às 17:15
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Presidente francês recusa "ver-se arrastado para crises alheias" em declarações dadas após uma visita de Estado à China, em que reuniu com Xi Jinping.

O presidente francês Emmanuel Macron afastou o apoio político ou militar da parte da França e, por extensão, da União Europeia a Taiwan no caso de agravamento da tensão entre Pequim e Taipé em prol da "autonomia estratégica".

Thibault Camus/Pool via REUTERS

O presidente francês recusa "ver-se arrastado para crises alheias", considerando que o pior cenário em relação a Taiwan seria os europeus mostrarem-se "seguidistas na questão e adaptarem-se ao ritmo americano e a uma reacção excessiva chinesa".

Em declarações divulgadas domingo, após concluir uma visita de três dias à China, Macron recusou uma "lógica de bloco contra bloco".

O chefe de Estado disse, também, que seria um erro "seguir uma política americana numa espécie de reflexo de pânico" numa altura em que "está em curso a concretização de uma verdadeira autonomia estratégica europeia". 

Na entrevista conjunta à Radio France Inter, ao diário Les Échos e à edição francesa da plataforma digital Politico, Macron considerou que na hipótese de "uma aceleração do confronto do duopólio Estados Unidos" a Europa careceria de "meios para financiar a nossa autonomia estratégica e tornar-nos-íamos vassalos quando podemos ser o terceiro pólo se tivermos alguns anos para tal".   

A posição de Macron contrasta com as declarações de Ursula von der Leyen, que encontrando-se também em visita a Pequim na semana passada, afirmou ser "a estabilidade no Estreito de Taiwan de importância capital". 

A presidente da Comissão Europeia reiterou que "a ameaça de recurso à força para modificar o status quo é inaceitável". 

Mal-estar em Washington

A Casa Branca evitou comentar as declarações do presidente francês, mas o senador republicano Marco Rubio reagiu exigindo uma clarificação sobre se "Macron fala em nome de Macron ou se Macron fala em nome da Europa?". 

Rubio – membro da Comissão de Relações Externas, bem como a Comissão sobre Serviços de Informações -- referiu que se a posição dos aliados europeus é "não tomar partido entre os Estados Unidos e a China em relação a Taiwan" talvez os norte-americanos devessem "concentrar-se em Taiwan e nas ameaças que a China representa e tratarem vocês da Ucrânia". 

As declarações de Macron levam a que se possa considerar que Paris manifesta interesse apenas numa aliança pontual e limitada com Washington no fornecimento de ajuda militar e financeira à Ucrânia no confronto com a Rússia.

Macron, falando em nome da França e da União Europeia, reservar-se-ia o direito de negociar de forma autónoma conflitos em que os seus interesses não coincidam com os Estados Unidos e Taiwan surge com um caso exemplar.

Para Washington a contenção de Pequim e a independência de facto de Taiwan são, pelo contrário, de interesse estratégico vital e os três dias de manobras militares que a China concluiu esta segunda-feira contribuíram com novos motivos de preocupação.

Os exercícios foram desencadeados em resposta ao encontro em Los Angeles, na quarta-feira, da presidente de Taiwan Ying-Wen com uma delegação bipartidária da Câmara de Representantes liderada pelo presidente republicano Kevin McCarthy.

Ainda que em menor escala do que as manobras de Agosto em retaliação pela visita a Taipé da então presidente da Câmara de Representantes, a democrata Nancy Pelosi, os últimos exercícios apresentaram duas novidades de maior.

Caças-bombardeiros descolaram do porta-aviões Shandong em águas internacionais perto da base aérea norte-americana na ilha japonesa de Okinawa e simularam bombardeamentos de precisão na costa leste de Taiwan.

Pequim anunciou, igualmente, a participação nas manobras de caças-bombardeiros Xian H-6, capazes de transportar mísseis com ogivas nucleares e exercícios de ataque bem-sucedidos integrando os diversos corpos do Exército de Libertação Popular através do Estreito de Taiwan e de bloqueio aéreo-naval da ilha.

Os termos da ambiguidade 

Apesar de declarações de Joe Biden de que os Estados Unidos defenderiam Taiwan de um ataque da República Popular, os centros de poder político e militar norte-americanos cultivam, por regra, uma política de ambiguidade quanto ao real empenhamento de Washington.

A preocupação essencial é não repetir declarações semelhantes à do secretário de estado democrata Dean G. Acheson que num discurso no National Press Club, em janeiro de 1950, excluiu a República da China e a República da Coreia do "perímetro de defesa" norte-americano no Pacífico.

A declaração, constando os limites de projecção de força militar dos Estados Unidos numa apreciação que o presidente Harry Truman também admitia, em nada contribuiu para refrear a intenção norte-coreana de invasão do território sob protecção norte-americana.

Iosif Stalin deu luz verde ao dirigente comunista norte-coreano Kim Il Sung que em junho avançou para uma invasão a sul do paralelo 38, a linha divisória estabelecida na península em 1945 após a rendição das forças ocupantes japonesas a soviéticos e norte-americanos.

O ataque foi sustido com o apoio militar de Truman ao presidente sul-coreano Syngman Rhee. 

A guerra civil, com intervenção norte-americana, britânica, australiana e de outros aliados de Washington, contra forças chinesas, com apoio soviético, prolongou-se até à assinatura de um armistício três anos mais tarde que deixou a península dividida.

Desde então uma das preocupações da diplomacia e dos militares norte-americanos é não criar situações de ambiguidade nos seus compromissos de defesa com aliados asiáticos que excluam de forma explícita uma eventual acção militar.

As declarações de Macron vão precisamente no sentido de explicitar publicamente uma divergência de interesses e de empenhamento político e militar entre Paris e Washington e, por abusiva analogia entre a União Europeia e os Estados Unidos, que apenas convém a Pequim.

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