Era de noite e Sarah Everard só queria ir para casa. Mas desapareceu
O caso levou mulheres a partilharem o que fazem quando estão sozinhas na rua, à noite, e se sentem inseguras: levar chaves na mão ou usar ténis caso seja preciso fugir são alguns exemplos.
No dia 3 de março, Sarah Everard, de 33 anos, saiu de casa de uma amiga no sul de Londres, Reino Unido. Eram 21h30 e, em 50 minutos a pé, chegaria a casa, em Brixton. Mas isso nunca aconteceu e a última imagem de Sarah foi captada a 30 minutos a pé da casa da amiga. Nunca mais foi vista.
No dia 10 de março, a polícia anunciou a descoberta de restos mortais relacionados com o desaparecimento de Sarah. Um agente da polícia, Wayne Couzens, de 48 anos, foi detido sob suspeita de rapto e homicídio. É ainda investigado devido a uma queixa de exposição indecente, num restaurante defast food, que foi feita três dias antes de Sarah desaparecer.
O caso originou a partilha, nas redes sociais, dos receios comuns entre mulheres quando andam sozinhas à noite. Apesar da oposição da polícia, haverá uma vigília este sábado, dia 13, para homenagear Sarah sob o mote Reclaim These Streets ("reclama as ruas"). E que experiências comuns são essas?
Quando estão na rua sozinhas à noite, houve quem confessasse pegar nas chaves na mão, para que sejam usadas como uma espécie de arma. Outras mulheres relataram andar sempre de ténis, caso seja preciso fugir de alguém.
Também há quem prefira caminhar uma distância mais longa para evitar ruas mal iluminadas, e quem pense no que vestir para uma saída à noite pensando sempre no mais prático, caso seja preciso fugir.
Anna Birley, de 31 anos, é uma das organizadoras da vigília Reclaim These Streets. "O desaparecimento de Sarah e a tragédia absoluta à volta deste caso realmente sensibilizou muitas mulheres", afirma à Reuters. "Nós sentimo-nos realmente furiosas por que se espere das mulheres que mudem o seu comportamento para se manterem seguras. O problema não são as mulheres, o problema é que as mulheres não estão seguras nas nossas ruas."
Anna Yearley, co-diretora da ONG Reprieve, escreveu no Twitter: "Para todas aquelas mulheres que enviam mensagens aos amigos para que saibam que chegaram bem a casa, que usam sapatos rasos à noite para que possam correr se precisarem, que têm chaves nas mãos prontas a usar, a culpa não é vossa. Nunca é. Tantas de nós têm histórias sobre como foram agredidas. Nunca é culpa nossa."
Caitlin Moran, escritora, também partilhou um gesto. "Ser mulher: o meu dia 'lá fora' termina ao pôr-do-sol. Se não levei o cão à rua ou corri até lá, não posso fazê-lo. No inverno, muitas vezes quer dizer que tenho que escolher entre trabalhar ou fazer exercício físico. Hoje, tive que parar de trabalhar às 16 horas para fazer exercício. O meu marido trabalhou até às seis, e agora saiu para correr."
A vigília em homenagem a Sarah e contra a violência de género foi proibida pela Polícia Metropolitana de Londres devido às medidas de confinamento, e a organização vai processar a polícia por essa decisão. Acusam a força de segurança de silenciar milhares de mulheres que querem "lutar pelo direito de se sentirem seguras nas suas ruas". Caso o protesto avance, as participantes na vigília podem ser acusadas de conspiração para cometer um crime.Criaram uma conta de crowdfunding para suportar os possíveis custos legais da vigília.
Polícia investigada por atuação quanto a queixa contra polícia
Wayne Couzens foi acusado de exposição indecente num restaurante três dias antes de Sarah Everard ter desaparecido. A atuação da polícia será alvo de um inquérito para esclarecer se foram tomadas as ações necessárias. O incidente será investigado pelo Gabinete Independente sobre a Conduta Policial.
A mulher de Couzens foi detida sob suspeita de cumplicidade no crime, mas acabou libertada após pagar fiança. Couzens encontra-se detido e foi sujeito a tratamento hospitalar devido a ferimentos na cabeça ocorridos enquanto estava sozinho na cela.
Família de Sarah recorda o seu "incrível sentido de humor"
Esta sexta-feira, a polícia britânica confirmou que um corpo encontrado num bosque em Kent, fora de Londres, era o de Sarah Everard.
A sua família prestou-lhe homenagem, apelando a qualquer informação que ajude a resolver o "crime terrível".
"Sarah era brilhante e bonita - uma filha e irmã maravilhosa. Ela era gentil e atenciosa, preocupada e de confiança. Punha sempre os outros em primeiro lugar e tinha o mais incrível sentido de humor. Era forte e com princípios e um exemplo para todos nós. Temos muito orgulho nela e trouxe tanta alegria às nossas vidas. Queríamos agradecer aos nossos amigos e família por todo o seu apoio durante esta altura horrível e queríamos especialmente agradecer aos amigos de Sarah que estão a trabalhar sem parar para nos ajudar."
(Notícia atualizada às 16h48 com a confirmação da descoberta do corpo de Sarah Everard.)
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