Rangel em Moçambique "é uma solução cautelosa e diplomática"
O politólogo José Filipe Pinto diz que enviar o chefe da diplomacia nacional à tomada de posse de Daniel Chapo é uma decisão "sensata", que "não passa uma esponja sobre as alegadas irregularidades".
O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, vai estar presente na tomada de posse do presidente-eleito em Moçambique, Daniel Chapo, esta quarta-feira. A nomeação está envolta em incerteza, já que observadores internacionais denunciaram irregularidades no processo eleitoral e Venâncio Mondlane, o candidato do partido PODEMOS, contestou o resultado. O politólogo e professor de relações internacionais José Filipe Pinto diz que a escolha de Rangel para representar Portugal mostra um reconhecimento do contexto que envolve esta tomada de posse.
Em 2020, durante a tomada de posse de Filipe Nyusi como presidente de Moçambique, Marcelo Rebelo de Sousa dirigiu-se àquele país e reforçou a importância de Portugal marcar presença em momentos como aquele. Cinco anos volvidos, o Presidente da República decidiu não se deslocar a Maputo e o Governo nacional optou por enviar o ministro dos Negócios Estrangeiros em representação.
O processo eleitoral que deu a vitória a Chapo foi criticado por observadores internacionais, que apontaram várias irregularidades, e gerou violência e protestos nas ruas, incitados por Venâncio Mondlane, candidato a presidente que teve o apoio do partido Podemos e que reclamou vitória. Mondlane acusou esta terça-feira o ministro dos Negócios Estrangeiros português de parcialidade e de "manipular" a opinião pública ao dizer que tem acompanhado o processo pós-eleitoral em Moçambique. "Não há trabalho feito da sua parte em relação ao diálogo em Moçambique. Pelo contrário, o senhor sempre foi parcial, foi tendo posições totalmente tristes, sempre foi de adjetivos contra a minha pessoa", afirmou Venâncio Mondlane, num direto a partir da sua conta oficial na rede social Facebook, dirigindo-se a Rangel.
José Filipe Pinto lembra que Marcelo tem uma relação emocional muito forte com Moçambique (o pai do atual Presidente, Baltasar Rebelo de Sousa, foi governador-geral de Moçambique durante o Estado Novo) e que isso motiva o interesse em participar ativamente em eventos desta magnitude com o país que tem ainda uma relação bastante próxima com Portugal. "E não podemos esquecer que existem muitos portugueses ainda em Moçambique, que vivem lá e têm lá negócios, havendo também muitas empresas portuguesas em Moçambique e o Presidente tem de zelar pela segurança de todos os portugueses que ali vivem e fazem a sua vida", realça o especialista em relações internacionais. Por esta circunstância, defende, é imperioso que Portugal se faça representar, mesmo havendo indícios de irregularidades no processo eleitoral.
E havendo tantas dúvidas sobre os resultados das eleições presidenciais em Moçambique, com tantos organismos internacionais a denunciarem a existência de irregularidades, o politólogo entende o porquê de o Governo ter proposto a Marcelo - já que é o Governo tem responsabilidade na condução da política externa - que não fosse ele a ir a Moçambique, mas sim um representante do Governo. Mondlane saudou esta terça-feira a ausência da cerimónia do Presidente da República ou do primeiro-ministro de Portugal. "Mandaram a terceira linha, que é o ministro dos Negócios Estrangeiros. Aliás, é um ministro que sempre se posicionou de forma muito ríspida, de forma extremamente descortês comigo, já me chamou de populista, já me chamou todo o tipo de nomes, tem tido pronunciamentos extremamente tristes em público", atirou ainda.
O especialista acrescenta ainda que é "perfeitamente normal que Portugal tenha optado por uma posição intermédia e se faça representar pela figura mais importante da diplomacia portuguesa". "Houve muita cautela e muita diplomacia nesta escolha e procurou-se uma solução assertiva que ao mesmo tempo não passa uma esponja sobre possíveis irregularidades do processo eleitoral, já que desta forma Portugal não legitima jure et facto o processo que decorreu, ao mesmo tempo que acautela os interesses portugueses em Moçambique, evitando assim um potencial incidente diplomático."
Venâncio Mondlane, o pregador político
O Parlamento português aprovou na generalidade uma recomendação ao Governo de Montenegro para que não reconheça os resultados das eleições "devido às graves irregularidades e fraudes denunciadas e documentadas", com votos a favor de Chega, IL, BE e Livre, abstenções de PS, PSD e CDS-PP e votos contra do PCP.
A data da posse do novo presidente foi fixada em 2 de janeiro pelo Conselho Constitucional de Moçambique, depois de em 23 de dezembro ter proclamado Daniel Chapo como vencedor das contestadas eleições de 9 de outubro. Segundo o Conselho Constitucional, o candidato da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) – partido no poder desde a independência do país, em 1975 – venceu com 65,17% dos votos a eleição para presidente.
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