Apesar de Colômbia e Estados Unidos terem mantido relações próximas no combate ao narcotráfico ao longo dos anos, a relação entre os líderes dos dois países tem vindo a deteriorar-se.
Durante anos os Estados Unidos e Colômbia eram considerados aliados próximos, tendo o país da América Latina recebido centenas de milhões de dólares em treino militar norte-americano e em apoios económicos e humanitários. Mas agora esta aliança pode estar a deteriorar-se.
Gustavo Petro discursa num evento, gerando tensão com Donald TrumpAP
Antes de mais, os líderes destes países vêm de espectros políticos diferentes. O presidente dos EUA, Donald Trump, de uma ala republicana e conservadora; Gustavo Petro o chefe de Estado colombiano, é de esquerda. E ambos têm entrado em conflito desde que Trump regressou à Casa Branca. O chefe de Estado norte-americano tem mantido relações próximas com outros líderes sul-americanos, próximos da sua cor política, apoiando o líder argentino, Javier Milei, e defendendo o antigo presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, durante o julgamento por tentativa de golpe de Estado. Questionada sobre o porquê de Trump se ter aproximado aos líderes da América Latina desde o início do seu mandato, Diana Soller, especialista em relações internacionais, explica à SÁBADO que o objetivo é “reavivar a doutrina de Monroe, uma esfera de influência do século XIV, em que os Estados Unidos se intitulam dos tutores do hemisfério sul e da América Latina”.Trump pretende, assim, manter “relações de amizade com homens que têm uma visão semelhante” à sua. No caso de Milei, “Trump intervém na eleição [legislativa] dizendo que o bailout da Argentina só será pago caso Milei seja eleito”. E há ainda a “tentativa de criar indultos para Bolsonaro”. Ao mesmo tempo mantém “relações conflituosas com Maduro, que tem implicado intervenções militares” que nem sempre correram bem.Os EUA configuram então “uma posição imperialista relativamente à América do Sul idílica do século XIX, que tem a sua esfera de influência e têm de a manter”, mas a América do Sul “também não está interessada em sujeitar-se ao que Trump quer”, afirma ainda a especialista. À SÁBADO, Joana Ricarte, investigadora no Centro de Estudos Interdisciplinares (CEIS20), professora e coordenadora da licenciatura em Relações Internacionais no Instituto Piaget em Viseu, reforça também que se trata de “uma questão antiga”. “Vem de uma visão dos Estados Unidos do início do século XX” de que a América Latina era “o seu quintal”. Depois, durante a Guerra Fria, torna-se numa “zona de influência”, onde os EUA patrocinaram várias mudanças de regime". Trump vê também nos líderes “extremistas, radicais e de extrema-direita, uma base de apoio e influência, bem como uma visão nostálgica desse passado de cooperação direta com os EUA”. Mas para a especialista, o confronto entre Petro e Trump “já afeta” a relação comercial e diplomática e o combate ao narcotráfico por parte de ambos os países. Joana Ricarte remete para o momento, no verão, em que “depois de declarações de Gustavo Petro [sobre as deportações e implementação de tarifas da administração republicana], Trump retirou o seu embaixador de Bogotá e o mesmo foi feito pela Colômbia relativamente ao seu representante em Washington”.
Ainda durante a Assembleia Geral da ONU deste ano, a administração Trump revogou o visto de Petro e da sua família, após este ter participado numa manifestação pró-palestina em Nova Iorque. A especialista menciona ainda a “própria revogação do Plano Colômbia, criado nos anos 90” para combater o narcotráfico, que teve também uma componente de “apoio para o Estado [colombiano] fortalecer a economia”, como resultado desta relação deteriorada.
Para acrescentar a estes conflitos, Trump impôs ainda tarifas até 25% à Colômbia o que, segundo a professora, “aponta para o impacto que já existe nas relações entre os dois líderes”. Mas é algo que não nasceu agora. “A tomada de posse de Petro começa durante o governo de Joe Biden”, relembra Joana Ricarte, apesar do conflito entre ambos os países se encontrar então numa escala menor.A política migratória de Trump também não veio ajudar. Durante as ondas de deportação do líder norte-americano, Petro recusou-se a aceitar aviões com imigrantes colombianos vindos dos Estados Unidos.
No início do ano a administração Trump anunciou ainda o desmantelamento da USAID, a agência federal de ajuda internacional, que ajudou a Colômbia a lançar projetos de paz e crescimento, nomeadamente em zonas carenciadas e assoladas por conflitos.
Recentemente, em outubro, ambos líderes trocaram acusações após ataques norte-americanos a lanchas rápidas nas Caraíbas, que resultaram na morte de 21 pessoas, incluindo cidadãos colombianos. Os Estados Unidos alegaram que estariam a ser transportadas drogas nos barcos com o intuito de entrarem no país, considerando-os “narcoterroristas”, segundo o jornal britânico, The Guardian, sem apresentarem provas de que estariam de facto envolvidos no narcotráfico.
Na altura, Petro disse à BBC News que os ataques tinham sido um “ato de tirania” e pediu que as autoridades norte-americanas responsáveis fossem processadas por “homicídio”. Horas depois Trump anunciou a suspensão de ajuda e advertiu que se o chefe de Estado colombiano não erradicasse a produção de drogas, os EUA fariam isso por ele “e não seria de forma amigável”, apelidando Petro de “traficante ilegal de drogas”.
Desde que Petro assumiu funções a produção de cocaína tem aumentado e atingiu níveis de recorde segundo o investigador Héctor Galeano do Instituto de Estudos Sociais e Culturais Avançados da América Latina e das Caraíbas, citado pelo canal televisivo britânico BBC. O nível de cultivo da planta de coca, o ingrediente principal da cocaína, também atingiu níveis recorde, embora o governo colombiano afirme que a taxa de expansão da colheita tem vindo a diminuir desde 2021.Joana Ricarte afirma que a inclinação política da Colômbia, que passou de direita para esquerda, também contribuiu para esta deterioração de relações, sendo o país da América Latina historicamente um satélite norte-americano na região, acrescentado que em 2022 completou-se “100 anos desta relação estratégica e parceria histórica”. A professora enfatiza que, apesar de se tratar de um desentendimento que não começou com a tomada de posse de Trump, os conflitos acentuaram-se dada à “proximidade [do líder norte-americano] com líderes autocráticos, de extrema-direita radical”, fazendo o contrário “com regimes que não se coadunam como o seu”, como se viu com a implementação de tarifas ao Brasil durante o julgamento de Bolsonaro, condenado por tentativa de golpe de Estado.
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