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Califórnia processa ExxonMobil por enganar os consumidores sobre a reciclagem de plástico

Débora Calheiros Lourenço
Débora Calheiros Lourenço 24 de setembro de 2024 às 15:39
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As autoridades californianas defendem que a petrolífera falsificou informações para que os consumidores acreditassem que todo o plástico é reciclável.

A Califórnia está em luta contra as grandes empresas petrolíferas. Rob Bonta, procurador-geral, anunciou que o Estado vai levar a ExxonMobil a tribunal por durante meio século ter mantido uma campanha que deturpou os benefícios da reciclagem na luta contra a poluição. 

REUTERS/Shannon Stapleton

Este é o primeiro processo do tipo movido contra a empresa considerada, pelos procuradores, culpada de agravar a crise dos microplásticos. A ExxonMobil é a principal produtora de polímeros, que posteriormente são transformados em plásticos de uso diário.  

"A ExxonMobil mentiu para aumentar os seus lucros recordes às custas do nosso planeta, possivelmente colocando em risco a nossa saúde", referiu Bonta em comunicado. O procurador acredita que a petrolífera deve criar um fundo para reduzir o impacto da poluição, abrindo mão de parte dos lucros históricos que apresenta, e que pague uma série de multas.  

De acordo com o processo, a Califórnia recolheu 11 milhões de toneladas de lixo nas suas praias desde 1985, 85% dos objetos recolhidos são de plástico. Em 2023 as pontas de cigarro, garrafas, copos e sacos de plástico, balões e recipientes foram os objetos mais encontrados à beira-mar. O Departamento de Justiça também acusou a ExxonMobil de "produzir a maior quantidade dos plásticos descartáveis que mais tarde se transformaram em lixo".  

As autoridades californianas defendem que a petrolífera falsificou informações para que os consumidores acreditassem que todo o plástico é reciclável, enquanto não é. A empresa terá utilizado técnicas de marketing agressivo para espalhar a crença generalizada de que os plásticos são facilmente recicláveis, exemplo disso é o longo editorial publicado pela ExxonMobil na revista Time, em 1989, onde assegurava que a reciclagem era a solução. Nos Estados Unidos apenas 5% dos plásticos são reciclados anualmente, o número nunca ultrapassou os 9%. 

Pelo menos desde as décadas de 1980 e 1990 que as empresas-mãe da ExxonMobil, duas petrolíferas distintas que se uniram em 1999, começaram a responsabilizar o público pelo problema crescente da poluição por plásticos.

Segundo a acusação, o investimento em publicidade e em campanhas sobre os benefícios da reciclagem continuam até hoje. Em 2020 e 2023 foram pagos quase 20 milhões de dólares ao American Chemistry Council para publicitar os benefícios da "reciclagem avançada", uma reciclagem química que supostamente utiliza calor e outras substâncias corrosivas para converter plásticos em novos materiais. Porém, 92% do lixo enviado para este processo não é convertido em plástico reciclado, mas sim em combustível poluente.  

Este financiamento permitiu desenvolver anúncios, amplamente transmitidos no YouTube, onde é pedido ao espetador que imagine um futuro em que "o plástico não seja desperdiçado, mas feito repetidamente". A ExxonMobil defende que a sua técnica de "reciclagem avançada" lhe permite converter 90% dos resíduos plásticos em novos materiais, mas o Ministério Público garante: "Dizer que 100% de um polímero pode ser reutilizado, ou perto disso, é tecnicamente impossível e a ExxonMobil sabe disso. Na sua fábrica em Baytown [Texas], o único complexo de reciclagem avançada ativo, apenas 8% do lixo plástico é convertido em novos polímeros".  

Até ao momento a empresa ainda não reagiu publicamente ao processo. O documento apresentado por Bonta contém 147 páginas e é o resultado de dois anos de investigação sobre a indústria petroquímica. 

Nos últimos anos também algumas organizações ambientais, como a Sierra Club, Surdrifer Foundation, Heal the Bay e Baykeeper, também apresentaram queixas contra a ExxonMobil. 

A Califórnia, estado com mais população dos Estados Unidos, está a tentar implementar várias medidas para a transição ecológica, entre elas a proibição de sacos de plástico descartáveis. O governador Gavin Newson emitiu uma diretiva esta semana que proíbe os sacos de plástico de utilização única de serem utilizados nos supermercados e nas lojas. 

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