A espécie encontra-se em 17 núcleos na Península Ibérica, sendo que em Portugal está na zona do Guadiana. "Os linces vivem numa zona grande, desde o concelho de Serpa até Castro Marim, ou seja, temos linces quase até ao mar. Trata-se de uma área de quase 1.000 km2", esclarece Pedro Sarmento. Este aumento contínuo da população fez com que a União Internacional para a Conservação da Natureza classificasse o estatuto da espécie, na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas, como "vulnerável", em junho de 2024.
A reprodução em cativeiro tem sido um dos pontos fortes deste projeto, com a libertação de 403 linces nascidos entre 2011 e 2024. Como revela o comunicado, em 2025 libertaram 21 linces nascidos em 2024. Mas é fácil esta reintrodução? "Sim. Eles adaptam-se bem à liberdade depois de nasceram ou passarem pelo cativeiro. São muito raros os casos de não adaptação. Os linces conseguem adaptar-se facilmente porque o instinto de caça deles é gigantesco", reforça.
No entanto, existe outro desafio para a manutenção desta espécie: a reprodução. Como explica Pedro Sarmento trata-se da espécie com menor variabilidade genética no mundo, isto quer dizer que pode aumentar o número de animais inférteis ou com doenças, como tumores ou doenças renais. Portanto, um dos desafios é utilizar animais de cativeiro para criar novas populações noutras zonas e fazer o reforço genético de populações que já existem. Daí a importância da relação com Espanha.
Campo de golfe e passeios
Um dos desafios que esta espécie encontra em liberdade são os atropelamentos. Em Portugal, aconteceram 12 em 2024, o que representa uma média de um por mês. Mas ao juntamos os dados espanhóis chegamos aos 162. "O número de atropelamentos tem sido mais ou menos um por mês. Há alguns em zonas identificadas e onde é possível atuar, mas depois há outras zonas onde os acidentes são mais dispersos, ou seja, em estradas muito secundárias e remotas. As infraestruturas de Portugal, que são parceiras do projeto, têm contribuído com sinalização e barreiras físicas." Nestes casos, revela que se for um local com muitos acidentes, colocam-se barreiras para que os linces atravessem de outra forma.
O lince-ibérico é um animal solitário, todavia, Pedro Sarmento revela que se encontram casos de aproximação entre alguns animais, por exemplo, ninhadas que se mantêm juntas. E dá alguns exemplos que a monitorização - com o recurso a a fotoarmadilhagem, isto é, a colocação de câmaras automáticas no campo que permitem acompanhar os movimentos dos animais - lhes permitiu presenciar. "Tipicamente são animais solitários e passam muito tempo sozinhos. Mas há situações em que, por exemplo, uma fêmea ajuda a cuidar de irmãos que nasceram no ano seguinte, ou seja, estes linces ficam no território da mãe a ajudar a criar a ninhada. Há ainda interações de filhos com pais e de irmãos que vão ficando juntos."
O crescimento da população deve-se também ao facto de existir muita comida disponível. "A zona foi escolhida porque era dos últimos redutos em Portugal que ainda tinha presas capazes de sustentar uma população de linces. Falamos concretamente de coelhos. Como é uma zona de caça, há uma preocupação grande em manter as populações de coelho, portanto acabou por ser uma zona escolhida exatamente por isso. A população de coelho tem-se mantido, inclusive o lince tem uma influência na carga de predação, porque torna-se menor quando há linces." Do que falamos? De raposas, por exemplo. "Os linces afugentam os outros predadores. E isso baixa a abundância de raposas, porque o lince além de ser maior é mais agressivo e tem esse instinto de competição em relação a outro predador."
Mas há risco para as pessoas? O biólogo esclarece que não. Os lince-ibéricos não são agressivos para humanos e normalmente afastam-se. Contudo, há excepções. Como os linces que vão a um campo de golfe, perto de Castro Marim, porque há muitos coelhos. Mas há outros casos. "Depende muito da personalidade dos animais. Temos linces que já fizeram coisas inacreditáveis, quase que entram dentro de casas. Temos um vídeo, que nos enviaram, de um lince que, nem sequer nasceu em Portugal mas em Espanha, e veio para Castro Marim. A passear num campo de golfe e em que ele está andar à frente da pessoa que o filma, sem reação nenhuma. Só não entrou para dentro da casa porque estava fechada." Pedro Sarmento reforça que não é um animal violento.
Podem atacar as galinhas? Nova legislação
Se é verdade que não é um animal agressivo para pessoas, o mesmo não se pode dizer de um galinheiro. Afinal, são predadores selvagens. Portanto, é necessário estar atento a estas questões. "Pode acontecer atacarem galinheiros, e tem sido mais comum nos últimos tempos, porque há mais linces. A juntar a isto temos alguns linces que se habituam a isso. Ou seja, aquela situação é quase uma recompensa. Nesses casos temos de atuar o mais rapidamente possível", adverte Pedro Sarmento. Explica que o ICNF pode colocar gradeamento e até grades eletrificadas, que são eficazes a afastá-los. Além disso, o técnico do ICNF explica que estão neste momento a preparar uma legislação para ressarcir as pessoas que sejam prejudicadas por esta situação.