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"Médico dos EUA" quer que as redes sociais tenham um aviso como o tabaco

Vivek Murthy defende que os rótulos de advertência podem aumentar a consciencialização e mudar o comportamento dos jovens nas redes sociais, protegendo a sua saúde mental.

O "médico dos EUA" quer um aviso nas redes sociais para lembrar os jovens dos perigos das mesmas para a saúde mental, à semelhança do que existe em Portugal nos maços de tabaco. Vivek Murthy, que ocupa o cargo de cirurgião-geral dos EUA - responsável por dar à população os melhores conselhos tendo em conta as evidências científicas - defendeu a sua posição num ensaio publicado no jornalThe New York Times.  

Vivek Murthy
Vivek Murthy REUTERS/Amanda Andrade-Rhoades

No ensaio, Vivek Murthy defende que os rótulos de advertência – já aplicados nos EUA aos produtos de tabaco e álcool – não tornarão por si só as redes sociais seguras para os jovens, mas podem aumentar a consciencialização e mudar o comportamento, tal como ocorrido com o tabaco.

Os rótulos de advertência impostos no passado no álcool e no tabaco tiveram efeitos significativos nos comportamentos dos consumidores. Em 1965, o Congresso dos EUA votou para exigir que todos os pacotes de cigarros distribuídos no país tivessem um aviso de que o uso do produto "pode ser perigoso para sua saúde". Após estes rótulos aparecerem, cerca de 42% dos norte-americanos eram fumadores diários de cigarros, sendo que em 2021, essa percentagem caiu para 11,5%.

O rótulo de advertência proposto pelo cirurgião-geral tem como objetivo enviar uma mensagem poderosa aos pais de que "a segurança das redes sociais não foi provada", escreveu o mesmo no ensaio. "Porque é que não conseguimos responder aos danos das redes sociais quando estes não são menos urgentes ou generalizados do que os causados por carros, aviões ou alimentos inseguros?", questionou Vivek Murthy. "Estes danos não são uma falha da força de vontade e da educação dos pais, são a consequência da libertação de uma tecnologia poderosa sem medidas de segurança, transparência ou responsabilidade adequadas."

Há muito que Vivek Murthy alerta para o facto das redes sociais poderem prejudicar profundamente a saúde mental dos jovens. O mesmo citou vários estudos que mostraram que os adolescentes que passavam mais de três horas por dia nas redes sociais enfrentam um maior risco significativo de problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade.

Os adolescentes norte-americanos passam em média 4,8 horas por dia em redes sociais, como o YouTube, TikTok e o Instagram, de acordo com o inquérito a mais de 1 500 jovens da Gallup, em outubro de 2023.

Numa entrevista em maio, Vivek Murthy referiu que tinha ouvido repetidamente vários jovens dizerem que não conseguem sair das plataformas, revelando que muitas vezes acabavam por passar horas nas redes sociais quando tencionavam apenas verificar os seus feeds.

"As plataformas são concebidas para maximizar o tempo que todos nós passamos nelas", afirmou o cirurgião. "Uma coisa é fazer isso a um adulto e outra coisa é fazê-lo a uma criança, cujo controlo dos impulsos ainda está em desenvolvimento e cujo cérebro se encontra numa fase sensível de desenvolvimento."

Num conselho emitido em 2023, o cirurgião-geral pediu que houvesse salvaguardas das empresas de tecnologias para crianças que estão em estágios críticos de desenvolvimento do cérebro. "As plataformas são concebidas para maximizar o tempo que todos nós passamos nelas", afirmou. "Uma coisa é fazer isso a um adulto e outra coisa é fazê-lo a uma criança, cujo controlo dos impulsos ainda está em desenvolvimento e cujo cérebro se encontra numa fase sensível de desenvolvimento."

Desta forma,  Vivek Murthy instou os pais a começarem "imediatamente a estabelecer limites à utilização das redes sociais pelos seus filhos" e a manterem as horas das refeições livres de dispositivos. "Não há nenhum cinto de segurança para os pais clicarem, nenhum capacete para colocar, nenhuma garantia de que especialistas de confiança investigaram e asseguraram que estas plataformas são seguras para as crianças", mencionou o cirurgião-geral no seu ensaio, referindo a urgência de questão. "São apenas os pais e os seus filhos, a tentarem descobrir sozinhos, contra alguns dos melhores engenheiros de produto e das empresas com mais recursos do mundo."

Apesar do apelo, o Congresso dos Estados Unidos teria que aprovar a legislação para que o rótulo de aviso fosse implementado. No entanto, ainda não foi apresentada nenhuma legislação a nenhuma das câmaras. No entanto, alguns estados norte-americanos têm vindo a elaborar legislação para proteger as crianças dos efeitos nocivos das redes sociais. Os legisladores do estado de Nova Iorque aprovaram este mês leis que proíbem as plataformas de redes sociais de exporem conteúdos algorítmicos "viciantes" a utilizadores com menos de 18 anos sem o consentimento dos pais.

Já em março, Ron DeSantis, governador da Florida e ex-candidato à presidência dos Estados Unidos, assinou um projeto de lei que proíbe o acesso de menores de 14 anos às plataformas de redes sociais e exige que os jovens de 14 e 15 anos obtenham o consentimento dos pais.

Mesmo com o progresso de alguns estados do país, Vivek Murthy tem estado a aumentar ainda mais o tom de urgência: "Uma das lições mais importantes que aprendi na faculdade de medicina foi que, numa emergência, não nos podemos dar ao luxo de esperar por informações perfeitas. Avaliamos os factos disponíveis, usamos o nosso melhor julgamento e agimos rapidamente."

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